terça-feira, 27 de agosto de 2013

Bolachas nordestinas do mais assisense dos casais alagoanos

Cláudio Messias*

Cortar o cabelo e comprar pães são atividades de consumo envoltas em fidelidade. Não é qualquer um que recebe nossa atribuição para cuidar mensalmente da cabeleira. Igualmente, não é qualquer pão que colocamos à mesa principalmente a cada início de dia.

Deixemos os cabelos de lado e falemos de pães. Aqui, na confluência entre as vilas Santa Cecília, Boa Vista, Tênis Clube e Operária há um verdadeiro ritual matinal. Todos os caminhos, seja para transportar os filhos à escola ou para o trabalho, levam à padaria Pão da Vida, que fica na Antônio Zuardi. Não, não estou fazendo propaganda para aquele estabelecimento comercial, pois este Blog, insisto, não tem fins comerciais. Estou praticando a comunicação comunitária, dentro do gênero jornalismo popular.

Durante anos tivemos a opção, aqui, no quarteirão ao lado, de uma padaria. O melhor período dela foi quando o nome comercial levava Arte Pães à fachada. Vicentina era a proprietária e tudo ia muito bem, com pães de qualidade. Lá, inclusive, eu comprava o tal pão português, quitute que nunca mais encontrei aqui em Assis. Um dia, desanimada com o calote dos fiados, Vicentina resolveu dedicar mais tempo aos netos e aos filhos, em vez de ter dor de cabeça com os maus pagadores. Os bons pagadores é que foram prejudicados, pois perderam uma ótima gestora de comércio.

Depois de Vicentina ninguém mais acertou no comando daquela padaria. Tivemos um tempo em que o pão francês era azedo. Não demorou muito para sabermos que fermento e farinha de trigo das marcas mais baratas proporcionavam aquele sabor nada agradável ao que deveria ser o maior atrativo de nossas mesas de café.

Lá pelos idos de 2004 soube de uma padaria da Vila Operária que vendia um pãozinho crocante, de sabor inigualável. Peguei o carro, fui até a Antônio Zuardi e confirmei a fama inicial da padaria Pão da Vida. O casal de nordestinos, proprietário, tinha uma filha pequena, que ficava atrás do balcão e contemplava a todos com um sorriso tão delicioso quanto as massas ali vendidas. Percebia-se o início de um ponto comercial que tinha de tudo para dar certo. Era ali que trabalhadores se reuniam nas primeiras horas da manhã e, também, encerravam o dia. Uma verdadeira batalha comercial do casal que, depois soube, era alagoano.

Ivo e Ivanilda prosperaram nos negócios. Tudo mudou, inclusive o ponto comercial, que passou para prédio próprio a uma quadra dali; menos a qualidade dos pães. O pãozinho francês tinha uma farinha na cobertura que fazia a diferença, dando toque exclusivo ao atrativo principal da Pão da Vida. E eu continuava saindo daqui, atravessando a Padre Bellini, indo à vila Operária e trazendo de lá o pão francês de nossos cafés da manhã e da tarde.

Em 2011 o Centro Educacional Sesi passou para a área atual, ao lado do Tonicão. Levar os filhos para a escola era sinônimo de aproveitar o caminho e manter a tradição de trazer pão quente, logo cedo, para a mesa de casa. Mas, essa rotina que casava a fome com a vontade de comer não durou o mesmo tempo que, antes, eu desfrutei acertando na padaria que a meu ver comercializa o melhor pão francês de Assis.

No final de 2012 ouvi comentário de Ivo, proprietário, sobre seu retorno a Alagoas, durante conversa com um fornecedor. Cheguei em casa e comentei em família sobre o que temia ser a perda do nosso pão francês preferido. Afinal, em eventual troca de proprietários, haveria manutenção da qualidade das massas ali comercializadas?

Sim, o que eu ouvi procedia. Começamos 2013 sem o casal Ivo e Ivanilda no comando da Pão da Vida, que perdera, também, o brilho da menina já moça, filha do casal, que esbanjava simpatia no atendimento da clientela e no cuidado com o irmão mais novo. Não tive oportunidade nem encontrei ocasião para despedir-me do casal de alagoanos que retornara para a terra natal. Apenas lamentei e, ao mesmo tempo, mantive o prestígio aos novos proprietários que, por sinal, mantiveram a qualidade do pão francês daquele ponto.

Algo não deu certo, ou na gestão da padaria ou nos planos alagoanos do mais assisense dos casais nordestinos desse país. E, meses atrás, voltando da escola Sesi, vi as portas da padaria fechadas. Na frente, um construtor. Parei e perguntei a ele sobre o por quê de a padaria estar fechada. Ele dizia desconhecer os motivos do fechamento, mas lascou sorriso ao afirmar que estava, naquele momento, esperando que Ivo, o alagoano, chegasse para que fosse dado início à reforma do estabelecimento.

Sim, Ivo, Ivanilda, a filha-moça e o pequeno herdeiro estavam de volta. Nada contra o proprietário passageiro do negócio, mas nós, clientes que nos consideramos amigos de comerciantes tão sérios, honestos e batalhadores, nos sentimos mais à vontade com eles sob o comando da padaria. Logo, a Pão da Vida reabriu tendo novamente a cara do casal e, principalmente, com a marca registrada: o pão francês que sem dúvidas é o melhor do gênero aqui em Assis.

Gradativamente a vida financeira da padaria vai retomando o fôlego de outrora. Lá estão novamente os trabalhadores que logo após o nascer do sol saem para a labuta, assim como aqueles que dão uma passadinha para o desfecho do dia. No balcão, a farta gama de opções. No geral, um quesito de qualidade que leva a marca da seriedade dos proprietários originais.

Hoje, logo cedo, além dos R$ 3 de pães franceses comprei outros R$ 3 de cueca-virada, uma massa doce frita que havia semanas queria experimentar. Trouxe a tira-colo uma novidade que há semanas ouço meu amigo Henrique de Oliveira, locutor de rádio, anunciar. É a bolacha nordestina, produzida em massa folheada com as opções salgada e salgada adocicada. Mais uma delícia que tende a confirmar a Pão da Vida como padaria diferenciada em Assis.


Que as bolachas nordestinas representem para o casal Ivo e Ivanilda a materialização da saudade que com certeza faz sentir, e muito, a falta da terra natal um dia deixada. E sejam, as tais bolachas, um marco da definitiva declaração de amor daquela família à cidade que mais de uma vez os acolheu.


Foto: Blog do Messias
Essa é uma das três versões das bolachas nordestinas, colocada à 
mesa aqui em casa: massa folheada crocante, com leve toque de sal



*Professor universitário, historiador e jornalista, é mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.

Um comentário :

Anônimo disse...

Que inveja, Messias! Moro do outro lado da cidade! Benjamim