13 Setembro 2012
Cláudio Messias*
Já disse, aqui, que minha
infância foi passada nas imediações do Assis Tênis Clube. Meu pai, ferroviário,
minha mãe, lavadeira, não tinham lá muito tempo para a tutela permanente dos
três filhos. E, nessa condição, amigos vizinhos em tropa, aproveitávamos para
inesquecíveis aventuras Buracão adentro. Claro, sem o consentimento de nossas
mães.
Mãos atadas pelas
circunstâncias que exigiam suas permanências dentro dos lares, em uma realidade
social em que as mulheres tinham três ou mais filhos e ficavam impossibilitadas
de adentrar, por motivos culturais, ao mercado formal de trabalho, nossas mães
faziam uso das lendas urbanas para colocar medo em nossas cabeças e, assim,
fazer com que ficássemos o mais próximo possível dos ninhos. Nem sempre essa
estratégia dava certo.
Podíamos não ter medo do
Buracão, como realmente não tínhamos. Exceto em dias de chuvas, temporais de
verão, quando víamos com os próprios olhos as barrancas cederem e levarem, como
foram os casos testemunhados por mim, cercas de madeira, árvores, animais
domésticos e até casas inteiras. Bastava chover e nos recolhíamos todos, cada
um na sua casa.
Mas o medo que nossas mães
colocavam em nossas mentes estava sempre relacionado a pessoas. Vejo Rozana,
minha esposa, falando que morria de medo da “mata do Fabrício”, cheia de
histórias fantásticas. E numa reflexão conjunta sabemos que, na época, a
intenção não era necessariamente advertir para o perigo de morrer naquela
“floresta negra”, mas, sim, não ultrapassar o limite urbano geograficamente
estabelecido por aquela propriedade.
As histórias relacionadas a
Fabrício sempre foram exageradas. Verdadeiras hipérboles urbanas. Poucos sabem
que aquela figura conhecida por todos nas imediações das vilas Operária,
Ribeiro e na antiga Três Porteiras era, na realidade, um dos maiores
proprietários de imóveis da cidade. O loteamento de suas terras deu origem a
bairros inteiros, situação social ocultada pelo fato de o protagonista ser
folclórico, destemido e irreverente.
Mais adiante, na região
central da cidade, tinha o Robin Hood assisense chamado Lucrécio. Um líder
comunitário de força política inigualável e assíduo frequentador dos espaços
públicos da Prefeitura, onde cobrava ações enérgicas e eficazes do poder
público para solucionar os problemas de avanço do Buracão. Ex-prefeitos como
Abílio, Reinaldo e Zeca Santilli fizeram verdadeiras audiências públicas em
frente à comunidade onde Lucrécio residia com a família, na baixada da rua
André Perine. Saíam de seus gabinetes, visitavam as obras no Buracão, não sem
antes visitar formalmente Lucrécio.
Aqui mesmo, onde hoje é
nossa casa, foi uma horta de couve famosa nos anos 1970/80. Não necessariamente
pela qualidade das folhas comercializadas, mas por quem a comercializava. Meu
vodrasto (segundo casamento de minha avó paterna, Florcela) José Rosa de
Almeida era um sergipano, negro, conhecido nas redondezas por ser ruim feito
uma peste. Sobre esse lado malvado dele pouco ou nada posso dizer, pois seu
falecimento, em 1979, aconteceu quando eu tinha 9 anos de idade, fase de minha
vida em que não sabia distinguir que ele não era pai de meu pai. Enfim, era meu
avô e, como tal, um velhinho bondoso, carinhoso e extremamente atencioso com
nossa família, a quem permanentemente socorria com alimentos e vestuário.
Zé Rosa, como era
conhecido, tinha uma bicicleta Calói branca e transitava pela cidade com um
embrulho de jornal na garupa. Ali dentro ficava uma cartucheira de cano duplo,
sempre carregada com dois cartulhos e outros de reserva. O sergipano, chamado
aqui no bairro de “nortista”, trazia a cultura de um estado de defesa
permanente. Já na adolescência eu soube por que. Um recorte de jornal
encontrado dentro da mala de couro, onde estava a história material daquele
sergipano, o mostrava como um dos integrantes da tropa de sargento Bezerra que
mataram o bando de Lampião. Minha avó, antes de morrer, confirmou que a
gratificação recebida do governo e de fazendeiros deu condições de Zé Rosa vir
para São Paulo e, na fase final adulta, trabalhar e aposentar na ferrovia.
Mas o assunto, aqui, raro e
exceto leitor, é o uso do imaginário infantil. Figuras como Fabrício, Lucrécio
e Zé Rosa eram fartamente utilizadas pelas mães para delimitar o território por
onde os filhos poderiam brincar. Não representavam ameaça alguma, até porque
viviam cercados por crianças. Deparar com eles, contudo, representava
necessariamente um engolir forçado de saliva, um suspiro e, se possível, um
cortar de volta. Isso quando simplesmente não voltávamos correndo, com olhos
esbugalhados.
O medo maior de minha mãe
era o Buracão, com ou sem chuva. É cruel isso, mas extremante compreensível:
para colocar medo em nossas cabeças, mães como a minha e de meus amigos diziam
que atrás do Tênis Clube havia índios que comiam gente. Pronto. A imaginação
infantil trabalhava e lá íamos nós imaginar que índios poderiam existir ali
naquela região.
Antigamente havia uma
estrada de terra que dava acesso ao Matão. Com o avanço do Buracão a borda da
cratera chegou muito próximo dessa estrada, onde hoje está a portaria que dá
acesso privado ao salão de festas do clube. Era por ali que passávamos do mundo
permitido para o mundo proibido. O barulho que o vento fazia ao passar por
entre as folhas dos imensos bambuzais tornava o rompimento de regras ainda mais
tenebroso.
Guardo até hoje no
imaginário a figura de um índio com cocar feito de longas penas brancas,
montado em um cavalo, que poderia estar nos esperando nas imediações daqueles
bambuzais. Constructo imaginário resultante, claro, da hegemônica influência
doe enlatados norte-americanos que invadiam a programação da TV brasileira
naquela primeira metade dos anos 1970.
Com o avançar da idade – me
refiro a meses passados, e não a anos – o bambuzal ficou para trás e dei a
volta em torno do Tênis Clube. E lá conheci outras crianças, com as quais
aprendi a brincar de modos diferentes dos tradicionais. Em vez de hominhos de
plástico e carrinhos fazíamos os próprios brinquedos com limões e cachos de
semente de mamona ainda verdes. Essa amizade durou até 1977, quando mudamos de
residência e passamos a morar distante dali.
Quando já estava na
imprensa recebi, na redação da rádio Cultura, um senhor que reclamava de
invasão de particulares a uma área que, dizia, lhe pertencia. Reconheci aquele
senhor, pois era pai dos amigos que conheci atrás do Tênis Clube. Descendente
da etnia caiapó, ou seja, indígena legítimo. Daí, pois a explicação para o fato
de o cercamento da propriedade ser feito por galhos de árvores enfileirados e
as casas terem cobertura vegetal. Minha mãe estava, em parte, certa. Havia
índios atrás do Tênis. Em partes porque aqueles indígenas em nada condiziam à
construção imagética que a sociedade fazia dos nativos das Américas.
Cito essa construção de
imaginário coletivo para chegar ao consenso público criado acerca dos
personagens que habitaram e habitam as nossas ruas no cotidiano. A lenda urbana
do “homem do saco” cruza o país em todas as regiões, mas na minha época era
fortalecida pelos casos de desaparecimento de crianças em Assis. Na boca de
nossas mães, aqueles boatos que ecoavam nas emissoras de rádio e, assim, nos
chegavam na condição de verdade absoluta, eram referentes a crianças que,
roubadas de seus lares, eram colocadas em sacos e depois jogadas no Panema
–leia-se rio Paranapanema.
De pequenas bobagens essas
construções do saber popular levaram a generalizações. Quem não se lembra de
Paraíba, sua esposa e do cachorro que o casal carregava sobre um carrinho de
coleta de papelão? Paraíba vivia nas imediações do Mercadão, tinha um apito
pendurado por cordão no pescoço e volta e meia fazia as partes de agente de
trânsito, anos, muitos anos antes de o serviço ser formalizado pela Prefeitura.
Os adultos o ignoravam e até mesmo zombavam daquela figura popular. Mas as
crianças... Ah, as crianças... Elas morriam de medo de Paraíba. Tudo porque,
quando não estava com o carrinho, ele perambulava pela cidade com um saco nas
costas, levando ali dentro todo o patrimônio físico que possuía. Claro, na
cabeça das crianças o “homem do saco” realmente existia, tinha esposa, cachorro
e apitava no meio da rua.
Aquela segunda metade da
década de 1980 talvez tenha sido o período da história de Assis em que mais
lendas humanas ocuparam as vias da cidade. Além de Paraíba tínhamos a Maria do
Mercado, que teve seu auge no bataclã mas, dominada pela bebida, sofreu todas
as consequências conhecidas desse vício ao desenvolver praticamente todas as
doenças do gênero. Contemporâneos a ela e igualmente portadores de distúrbios
haviam Ranchinho, que acompanhava quase todos os féretros desde a catedral até
o cemitério; Mamãe, que percorria a Rui Barbosa várias vezes ao dia; Agnaldo,
com sua fala fanha e um sorriso caricato, e Sovaquinho, que com seu violão
fazia e até hoje faz exibições principalmente em praças públicas e
estabelecimentos comerciais de maior movimento.
São lendas urbanas,
huamanas, que não carregaram a herança de ícones amedrontadores de crianças mas
estão cristalizados nos capítulos da história da cidade. Pessoas do bem, sempre
acolhidas por assisenses das mais variadas camadas sociais e, inclusive, tendo
passado por ações de intervenção principalmente por parte de médicos. Não raro,
ouve-se que este ou aquele personagem urbano esteve internado, fez um ou outro
tratamento que, normalmente, um sujeito advindo de realidade social similar não
teria condições de arcar. É a essa intervenção que me refiro.
Com o passar do tempo e a
condição que Assis atinge de cidade com qualidade de vida visível e, o que é
normal, questionada, os personagens urbanos estão mudando. Nossas crianças e
nós mesmos começamos a temer situações que vão além de ser colocado em um saco
e jogado no Panema. Sair com a esposa para uma caminhada no final da tarde pode
significar voltar para a casa depois de passar pelo setor de emergência de um
hospital e ter diagnosticada a possibilidade de perda de audição de um dos
ouvidos.
Nossas crianças, cada vez
mais alimentadas futilmente, podem chegar ao sonhado ensino superior público e
ser reduzidas à irracional condição de quadrúpedes pelo simples fato de terem
alguns quilos a mais de peso em relação a praticantes de um tipo nada
convencional de rodeio. E isso, depois de terem sido aprovadas no curso
superior mais concorrido da cidade.
A inversão de realidade é
brusca se comparados forem os períodos distribuídos ao longo das últimas três
décadas em Assis. Lembro-me de um curso de capacitação que frequentei nos anos
1990, época em que prevalecia o discurso do “não pode com ele, alie-se a ele”.
E em se tratando de lendas urbanas vejo que isso, hoje, tornou-se algo insano e
totalmente fora do contexto.
Chego de viagem ao
Nordeste, onde participei de congresso científico, e fico sabendo de um
acontecimento, aqui, que enquadro como
insano. Busco, no acervo de jornais impressos e informativos online, o registro
de tal fato. Não encontro. E daí vêm as elucubrações: se aconteceu e tem
relevância social, inclusive produzindo vítimas e danos materiais flagrados por
câmera de vigilância, tem registro formal de ocorrência. Mas o jornalismo, aí,
falhou. O fato não foi transformado em notícia. Tudo bem, de acontecimento
temos mera especulação.
A existência do homem do
saco foi especulada por várias gerações de mães que, trabalhadoras domésticas,
do lar, tinham preocupação com suas crias. O cinema e a televisão demonizaram a
imagem do índio norte-americano, que representava uma ameaça à Conquista do
Oeste naquela parte de cima da América. Gerações de crianças aprenderam a temer
tais figuras, mas gradativamente trocaram seus medos.
Agora surge um novo tipo de
sujeito social a ser temido pelo imaginário. Dizem que tem um ser curioso
andando por aí. Em vez de massa encefálica a cabeça dele é cheia de óleo
queimado de motor. A ressalva é que esse monstrinho social só ataca se
sentir-se ameaçado, tal qual cobra e outros animais que, encontrados nos mais
diversificados ecossistemas, são dotados de poderosas armas de defesa.
Portanto, é bom ter
cuidado, principalmente em um momento histórico em que o número 7 (SETE) faz a
cidade ficar tão confusa em suas decisões sobre futuro. Muita gente não
acredita na existência desse monstrinho social que anda esvaziando a cabeça por
aí, achando que não é vista. De repente, pode até ser. Afinal, se ninguém
mostrou isso que as câmeras registraram é porque realmente não existiu. Ou
alguém já viu algum jornal ou rádio entrevistar o homem do saco em Assis?
FISCALIZAÇÃO ELETRÔNICA
AUSÊNCIA RESSECADA I
Fiquei ausente neste espaço
por mais de um mês. Coincidência ou não, postei o texto anterior quando da
última chuva que caíra na região, lá pelos idos da segunda quinzena de julho.
Ontem, choveu. Poucos milímetros, mas o suficiente para molhar muita roupa que
estava no varal em Assis..
AUSÊNCIA RESSECADA II
Além de compromissos
acadêmicos e de pesquisa ainda tive afazeres residenciais de pós-obra. Entre um
ajeita daqui, conserta dali, uma viagem a Fortaleza, onde apresentei minha
pesquisa de doutorado no XXXV Congresso Nacional da Intercom, evento em que
sou, também, júri no Expocom, que premia trabalhos de graduação em Jornalismo
classificados nos congressos regionais da Intercom realizados no primeiro semestre.
AUSÊNCIA RESSECADA III
Saí daqui com quase dois
meses de estiagem no clima. E cheguei a um Ceará onde a última chuva regular
caiu em fevereiro. No Nordeste, a chuva costuma cair regularmente entre maio e
junho. Em 2012, contudo, isso não ocorreu. Essa já é considerada a pior seca
dos últimos 30 anos.
VIAGENS I
Setembro é,
tradicionalmente, um mês de compromissos de pesquisa fora de Assis. Neste
domingo, dia 16, embarco novamente rumo ao Rio de Janeiro, convidado que fui
pelo secretário nacional de Cultura, Sérgio Mambertti, para integrar evento que
discutirá políticas públicas para a cultura nos próximos dez anos. Na ocasião
representarei formalmente o Núcleo de Comunicação e Educação da Escola de
Comunicações e Artes da USP.
VIAGENS II
Mesmo no retorno do Rio,
dia 19, sei que reencontrarei uma Assis ainda sem chuvas. Minha esperança é que
nos compromissos que terei na Europa, de 24 de setembro a 3 de outubro, as
chuvas regulares da primavera estejam reinando por aqui. Meus compromissos no
velho continente são o III R@dio em Congresso, dia 26, e o X Congresso Lusocom
de Ciências da Comunicação, em Lisboa, dias 27, 28 e 29. Dias 30 e 31 sigo para
o Santuário de Fátima, para cumprimento de intenções religiosas. Dia 1º terei
encontro de pesquisa com Roberto Aparicci, da Universidade de Ensino a
Distância de Madri, na Espanha, e dia 3, com professor Pier Césare Rivoltella,
na Universidade Católica de Milão, na Itália.
AMIZADE
Durante minha ausência
setembrística conto, na Fema, onde leciono no curso de Jornalismo, com a
solicitude de minha amiga Silvana Paiva. A professora e jornalista me substitui
nos dias em que estou fora. Farei a compensação a ela até novembro!
MEDIDA INCERTA I
Em minhas idas de pesquisa
ao Nordeste aprendo, a cada viagem, um pouco sobre a culinária peculiar daquela
região. Desta vez aprendi, em Fortaleza, a fazer o que eles chamam de legítimo
baião-de-dois, acompanhamento do arrumadinho de car-de-sol que tornou-se minha
especialidade na cozinha.
MEDIDA INCERTA II
Àqueles que não sabem, um
toque: baião-de-dois é a junção, numa mesma porção, de arroz e feijão. No caso
do Nordeste, feijão de corda. A diferença em relação às receitas desenvolvidas
aqui no Sudeste é que no Ceará o baião-de-dois leva nata de leite, e não o
creme de leite como fazemos por aqui.
MEDIDA INCERTA III
E por falar em cardápio,
noite de comilança serviu, semanas atrás, de puxão de orelha. Fui cobrado a ter
coerência naquilo que defino como cardápio. O autor da bronca testemunhou este
que vos escreve devorando fortemente em um churrasco no ATC. Era uma
sexta-feira. E, aqui, eu havia afirmado, anteriormente, que às sextas-feiras
adotara o peixe no cardápio.
MEDIDA INCERTA IV
Esclarecendo, eu me refiro
ao cardápio do almoço. À noite, numa sexta-feira, não dá para ficar no peixinho
e na água mineral, convenhamos!!!
FECHA-CONTA
Naquela rotina de cortar
gordura animal e reduzir a porções mínimas açúcar e sal tive duas alterações de
medida que considero fortes: 7 centímetros de barriga (também conhecida como
pança) e peso na casa dos 95 kg. Falho, e feio, nas atividades físicas,
deixadas de lá há semanas.
ÊXODO INVERSO
O casal proprietário da
padaria Pão da Vida, na Vila Operária, retornou à terra de origem, Alagoas. Ivo
e esposa pegaram o casal de filhos e há 15 dias regressaram para o sertão.
Venderam o ponto para outro casal. Conferi isso nesta semana, quando comprei
pãezinhos logo cedo na segunda, dia 10. A segunda boa notícia é que a qualidade
do pãozinho, já classificado por mim, aqui, como o melhor de Assis, continua a
mesma.
CASA NOVA
Quem também está mudando o
negócio de lugar é Bruna Jaloretto, proprietária da franquia de Assis da CVC
Turismo. Saiu do HiperCenter Amigão e está atendendo na rua José Nogueira
Marmontel, a meia quadra da Catedral. É através de Bruna que cruzo fronteiras
Brasil afora.
SUSTO
Meu amigo Alexandre
Takazawa, jornalista proprietário do site Assis Notícias.com.br, deu-nos um
susto. Portador de diabetes e, diríamos, um comportamento de consumo nada
condizente a esse quadro patológico
Nenhum comentário :
Postar um comentário