16 Julho 2012
Cláudio Messias*
No primeiro turno das
eleições gerais de 2010, ocasião em que os brasileiros votaram para presidente
da República, senadores, deputados federais e estaduais e para governador,
48.731 eleitores saíram de suas casas e, no discurso socialmente correto,
exerceram a cidadania ao depositar um “enter” na urna eletrônica. Isso, em
primeiro turno. No segundo turno esse número de eleitores aumentou para 48.824.
Me refiro aos votos válidos.
Naquele pleito de dois anos
atrás o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo havia habilitado um total de
67.972 eleitores para o ato obrigatório do voto. Por razões diversas, mais de
19 mil cidadãos assisenses não computaram seus votos na condição de válidos.
Confesso que jamais havia visto, presenciado, tamanho descrédito público à
classe política e desprezo ao democrático ato do voto. Não por acaso, o palhaço
Tiririca sucedeu Enéas como fenômeno de votação de protesto naquele pleito. Era
a perpetuação do voto de protesto.
Hoje, em dados consolidados
do Tribunal Superior Eleitoral, Assis tem 68.960 eleitores com bala na agulha.
Somos 1,4% a mais do que éramos em 2010. Se o comparativo for feito com 2008,
quando votamos para prefeito e vereadores da atual legislatura, crescemos 4,43%
(éramos 66.014 votantes naquele pleito).
Hoje Assis tem 7 candidatos
a prefeito. Não tenho informações atualizadas sobre a reincidência de tal
aberração em outros cantos do Estado. Em dados consolidados sei, apenas, que
tamanha sede ao pote fora verificada em Bebedouro, Jaú, São José do Rio Preto e
Ribeirão Preto nas eleições municipais de 2008. Destas, somente Bebedouro se
enquadra na condição socioeconômica de Assis, com população inferior a 100 mil
habitantes.
Considerando que somos
68.960 eleitores passíveis de sermos convencidos por algum dos SETE candidatos
a coloca-lo no gabinete de prefeito, a divisão proporcional mostra que cada
candidato precisa conquistar seis partes de 9.851 eleitores. Na lógica, além de
garantir a própria parte, o candidato que conseguir arrebanhar votos de outras
duas partes estaria com o projeto político bem encaminhado.
O problema é que a postura
do eleitor assisense não tem se revelado tão certa assim para que a aritmética
aponte caminhos menos tortuosos de uma eleição. No último pleito para prefeito
e vereadores, por exemplo, dos 66.013 eleitores habilitados, somente 53.370
foram às urnas eletrônicas, uma bizarra abstenção de 12.643 votos. Traduzindo,
20% do nosso eleitorado fez qualquer outra coisa naquele dia de votação, menos
ir votar.
Parâmetro mais preocupante
ainda é o que traça o perfil do eleitor assisense na mais recente das eleições
para prefeito. Em 2008, 2.061 pessoas votaram em branco e outras 3.043
simplesmente anularam o voto em Assis (5.104 votos no total). Descrença nos
candidatos a prefeito? Não só isso. A votação para vereadores, na cidade,
mostrou 2.836 votos em branco e 1.743 votos nulos (4.579 votos no total).
Alguém tem dúvidas de que com esses votos teríamos colocado pelo menos dois
vereadores que não sejam estes do atual quadro da legislatura?
Somados, os dez vereadores
que compõem a atual Câmara Municipal de Assis tiveram 16.592 votos em 2008.
Lembra-se da primeira estatística que citei ali atrás, no início do texto? Pois
bem. Dezenove mil eleitores colocaram seus votos na condição de não válidos no
pleito de 2010. E se for mantida essa tendência de descrédito na classe
política da cidade, corremos o risco de eleger uma composição de Câmara cuja
totalidade de votos obtida por seus integrantes seja menor do que a
insatisfação declarada em números pelo eleitorado.
Há anos observo um
movimento que rebaixa a política local à condição de tratados. Um determinado
grupo de pseudo lideranças assume a condição de sanguessugas do poder e descaradamente
aproxima-se de candidatos potencialmente fortes, oferecendo estratégia, apoio e
competências para o desenvolvimento de planos de governo. Atribuo o êxito desse
grupo mais à sorte do que à competência. Mas é fato que eles chegaram ao Paço Municipal
há três gestões, transitaram por mais de um partido político e hoje se veem às
voltas com mais uma tentativa de colocar seu pupilo no lugar mais alto dessa
torre de babel chamada política assisense.
Um golpe, contudo, foi dado
na sorte lançada por esses oportunistas mandatários. Sete candidaturas
protocoladas e confirmadas na Justiça eleitoral simplesmente pulverizam
qualquer plano que aposte nesse ou naquele candidato. Candidatos demais,
credibilidade cada vez de menos. E o resultado totalmente incerto, mesmo para
os mais crentes nas estatísticas.
Há anos não assisto, mas
não serei, aqui, hipócrita de dizer que nunca assisti àquela besteira chamada
Big Brother Brasil. Cito um besteirol para comentar outro, pois observar as
sete candidaturas me faz lembrar aquela situação de prova do líder em que a
capacidade de paciência e suporte físico dos candidatos é testada. Imagino que
não só os candidatos a prefeito, mas todos os atores envolvidos nesse
espetáculo chamado eleição municipal fiquem observando uns aos outros, daqui
até 7 de outubro, elucubrando sobre quem será o primeiro a desistir e declarar
apoio a um dos seis ou cinco que ficarem.
Sim, não acredito que a
cidade seja submetida à tortura de ter de escolher um entre SETE candidatos a
prefeito. Já basta a lista de mais de 160 candidatos a vereadores. O movimento
que vejo é de acordos, mantendo a tradição local. E se isso não ocorrer, de
qualquer maneira todas as estratégias continuarão incertas, pois há
candidaturas aguardando decisões judiciais e desta vez os resultados das urnas
podem novamente ser modificados após a posse em janeiro. Não apaguemos, pois,
da memória que a atual composição da Câmara Municipal não é exatamente a mesma,
nem do dia em que os votos foram totalmente apurados em 2008, nem daquele
janeiro de 2009.
O que lamento, mesmo, é a
falta de unidade da política de Assis. Olho para a nossa Câmara e já não sei o
que é situação e o que é oposição. E se olhar para o primeiro mandato do atual
prefeito, então, me perco só de tentar encontrar algum tipo de ideologia na
nossa classe política local. Basta recorrer aos arquivos fotográficos que
mostrem a rotina política dos últimos três prefeitos de Assis, desde a campanha
até atos públicos de inaugurações, e todos saberão do que estou falando. Tem
gente na esquerda que nunca deixou a direita, da mesma forma que tem gente no
muro não para ser neutro, mas, sim, para atirar pedras.
Sei lá, talvez o passar dos
anos esteja me fazendo mal. Uma possível falta de compreensão das circunstâncias
que me rodeiam. Mas o fato é que falo português, malemá leio e compreendo
espanhol, italiano e inglês e quando observo os políticos de Assis os ouço
falando em aramaico. E resgatar o aramaico dois mil anos depois é muito para a
minha cabeça. Se assim for, aposso-me da paráfrase que Renato Russo deu a
Corintios 1:13, pois “ainda que eu falasse a língua dos homens, e falasse a
língua dos anjos, sem amor eu nada seria”. Tirando a melação amorosa produzida
pela música fico com a passagem da Bíblia, mais original para o contexto dessa
minha fala.
*Jornalista, historiador e professor universitário, é mestre em Ciências
da Comunicação pela ECA/USP.
FISCALIZAÇÃO
ELETRÔNICA
TRAJETOS I
Minha ex-aluna Jaqueline
Tomazinho está de malas prontas para uma viagem de estudos na Espanha. Moradora
em Maracaí, ela integrou meu projeto Jornal D´Escola, na Escola Galharini, em
2006, ano em que estava no segundo ano do ensino médio.
TRAJETOS II
Reencontrei Jaqueline na
Unip em 2009. Eu, professor nos cursos de Serviço Social e Pedagogia e ela,
aluna de Letras. E uma coincidência: Jaqueline era aluna de minha esposa
Rozana. Outra coincidência: as duas, ou seja, Jaqueline e Rozana, se
reencontraram na Unesp.
TRAJETOS III
Jaqueline transferiu-se
para a Unesp e no reencontro com Rozana surgiu um projeto de iniciação
científica. É dessa experiência de pesquisa que saíram vivências inéditas à
estudantes, com viagem, no semestre passado, ao Rio de Janeiro, para
apresentação de trabalho em congresso na área.
OBRAS
Máquinas executam a
terraplanagem para a construção do viaduto que acabará com o trevo que cruza as
pedagiadas rodovias Raposo Tavares (SP-270) e Transbrasiliana (BR-153), em
Ourinhos. Já vi aquela cena antes, em 1996, e tenho motivos para ser reticente:
naquele ano os governos estadual e federal eram do PSDB e nem assim as duas
partes chegaram a um acordo sobre a responsabilidade sobre o entroncamento, que
nunca saiu do papel, ou do imbróglio.
PERALÁ I
Sempre travei árduos
debates relacionados à cobrança de pedágio. Sou, pois, a favor da tarifa, desde
que o valor seja compatível à realidade socioeconômica da região afetada.
Prefiro isso a ficar alimentando a utopia do “deveria”: o governo deveria
oferecer rodovias boas e bem mantidas com os impostos que recolhemos; o IPVA já
deveria garantir malha viária transitável. Entre outros “deveriam”.
PERALÁ II
Os pedágios que a CART
cobra nos trechos próximos a Assis ainda são caros, mas a culpa, sabemos, não é
da concessionária, mas do governo do Estado, que fixou preço máximo por trecho
quando da privatização do Complexo Raposo Tavares. A tendência, contudo, é que
o processo de modernização no sistema de atendimento ao usuário justifique,
gradativamente, a tarifa. Afinal, não é somente pista sem buraco o fator que
forma o conceito de malha viária boa.
PERALÁ III
Pagar pedágio e ter a
contraparte, portanto, tudo bem. Não é isso, porém, o que tenho visto. Tanto no
sentido Presidente Prudente quanto no destino a Ourinhos a conservação da
Raposo Tavares está aquém daquilo que se espera de uma rodovia que acaba,
inclusive, de passar por reajuste nos valores dos pedágios. Muitos buracos para
tantos valores arrecadados nesta que é uma das rodovias mais movimentadas do
Estado.
ENQUANTO ISSO...
... o DER anuncia para
outubro, ou seja, daqui a três meses, as obras de recuperação da SP-333, entre
Assis e Florínea, trecho que será o próximo a entrar no lote de pedágios que
incluirá, também, o destino até Prudente passando por Paraguaçu e Martinópolis.
MACRO NEGÓCIO
As boas notícias para o
mercado imobiliário de Assis não param de chegar. Depois de Walmart e de um
shopping com piso térreo é a vez de a cidade ser rondada para a instalação de
um hiper center atacadista. Divulgação, aqui, no momento certo, para não gerar
inflação por especulação, como no primeiro caso.
EXPANSÃO
O mercado consumidor de
Ourinhos vai se transformando no segundo maior da Rede Avenida, da família
Binato. O tradicional Supermercado Santa Maria tende a receber a bandeira
Avenida. Outra bandeira da família Binato também aterrissa em Ourinhos: o
supermercado Vitória. Ambos os empreendimentos com previsão de funcionamento
neste segundo semestre.
UMA CIDADE...
Dia desses Fernando, amigo
nosso aqui de casa e professor no Departamento de Psicologia da Unesp local,
ligou-me pedindo um pouco de massa corrida emprestado. Era um sábado, quase
23h00. Eu, dando retoques finais à escada mista de alvenaria e madeira de
demolição que construí à base do “faça você mesmo” e ele lá, dando acabamento na
cozinha que acaba de reformar.
... DENTRO DA OUTRA
Meu estoque de massa
corrida havia acabado derradeira etapa de pintura. Mas, por experiência
própria, advinda da reforma aqui de casa, recomendei dois pontos comerciais
situados na Prudenciana e que me socorreram em situações de emergência
dominicais. Na manhã seguinte Fernando foi às lojas e encontrou não só massa
corrida como outros materiais de que precisava e, se fosse depender do comércio
em geral, só encontraria na terça-feira seguinte, pois na segunda era feriado
de 9 de julho.
SEIS SEGUNDOS
Com tempo cravado em 4
horas e 5 segundos meu amigo Emílson Cavalcanti, da MCP, concluiu a Maratona
Rio 2012. Detalhe técnico o separou da meta de terminar a prova em menos de 4
horas. Vitória pessoal, de qualquer forma.
FALANDO NISSO...
Outro amigo que está me
convencendo a aderir à condição de maratonista é José Roberto Torero que, por
sinal, participou neste domingo da Meia
Maratona de São Paulo. A narrativa dessa experiência eu deixo para você, exceto
e raro leitor, tirar lendo a coluna de Torero no caderno de Esportes da Folha
desta segunda. Um deleite de leitura.
REVISÃO I
A participação de Assis nos
Jogos Regionais só é destaque, infelizmente, na imprensa local quando as
competições passam pela cidade quando esta é sede. Pouco ou nada se lê sobre o
desempenho de equipes locais nas mais diversas modalidades desse que é o maior
evento esportivo do interior, mais importante, na minha opinião, do que os
próprios Jogos Abertos.
REVISÃO II
Os Jogos Regionais de
Dracena, encerrados no sábado, ratificam a condição de Assis como terceira
potência esportiva do Centro-Oeste. No quadro de medalhas ficamos atrás apenas
de Marília e Presidente Prudente (não conto a terceira colocação de Dracena,
que é organizadora do evento e, como tal, contrata atletas de fora). E estamos
à frente, bem à frente, de Ourinhos (120 a 28 medalhas no total,
respectivamente, até sexta, dia 13).
REVISÃO III
Nove anos atrás, quando eu
retornava profissionalmente à cidade, eu ouvia críticas de que os investimentos
públicos em esporte privilegiavam somente o basquete e o futebol. Apesar de ver
certa injustiça nessas críticas, sempre ponderei que pudesse, sim, haver mais
pulverização de investimentos. Com basquete e futebol de campo vergonhosamente
falidos no sentido de apoio e desempenho, respectivamente, o que se vê são
resultados positivos e estáveis de todas as modalidades que Assis leva aos
Jogos Regionais.
CÁ ENTRE NÓS...
... de que adianta reclamar
da queima da cana pelas usinas se a própria população, no inverno, ateia fogo
em qualquer montinho de vegetação seca devido à baixa umidade relativa do ar?
CAUSO
Em 1983 saí, na primeira
semana das férias escolares de julho, para uma rotina que era constante em
minha infância: arrumar as coisas e ir para os sítios das redondezas de Assis.
Naquele início de recesso o destino era a Água da Figueira, a 18 quilômetros da
cidade. Mais precisamente, a Toca da Raposa, como era chamado o sítio da
família Nogueira. Fui acompanhado pelo meu melhor amigo de infância e que até
hoje é meu vizinho, Renato. Nossa missão diária era conseguir mistura para o
almoço e o jantar, pois o arroz estava garantido. Arroz e... rolinha, aquela
espécie de pombo, ou seja, um passarinho de cor ora roxa, ora marrom. A casa do
sítio não tinha luz elétrica, nem banheiro. Mas, quem ligava? O banho era no
rio que passava 20 metros abaixo da casa e a comida, feita no fogão a lenha.
Luz, mesmo, só de lamparina. Conseguimos, durante o dia, caçar algumas
rolinhas, mas chegamos tarde demais na casa, sem tempo para fazer o arroz, pois
teríamos de acender o fogão a lenha. Já estava caindo a noite e o máximo que
conseguimos foi descer ao rio e tomar banho. Detalhe: fazia um frio de menos de
10 graus, com sensação térmica de zero grau. Acendemos uma fogueira fora da
casa, temperamos as rolinhas com limão e sal, espetamos em bambu e lá ficamos,
ora aquecidos pelo fogo, ora com orelhas e nariz congelados pela friagem.
Longas, intermináveis e deliciosas as conversas sobre a vida. Comemos a
primeira leva de rolinhas, continuamos conversando, até que ouvimos passos na
vegetação, seca pela estiagem e pela baixa umidade relativa do ar. Não era
nenhum cavalo, vaca ou boi, pois a casa era cercada com arame farpado por ter
horta e pertences que seriam consumidos por esse tipo de animal de grande
porte. Poderia ser um cachorro, pois em propriedades rurais esses bichos vagam
pela noite e são atraídos pelo cheiro de carne assada. Mas, não era. O barulho
vinha de algo que estava atrás da fogueira, ou seja, estava à nossa frente, mas
nossas vistas eram ofuscadas pela claridade do fogo. Calamos por alguns
minutos, na expectativa de que aparecesse uma pessoa. Ninguém apareceu. Mais
alguns minutos de silêncio e um vulto foi surgindo, saindo da escuridão e
entrando no ângulo que a claridade da fogueira atingia. Passamos imediatamente
as mãos nos espetos que estavam assando na fogueira e entramos em disparada
casa adentro. Sim, confirmamos, em pânico, o nossos olhos viram em comum: um
ser bípede, de pouco mais de um metro de altura, prostrado em nossa frente, a
pouco mais de dois metros. Não produzia nenhum som, nem gesticulou,
mostrando-se apático e quase rendido. Mas deu para ver perfeitamente que era
totalmente coberto por pelos negros, como se fosse um pequeno urso. Tudo bem,
nunca vi um urso pessoalmente, a não ser em zoológico. Mas, era parecido, pois
os pelos daquele ser eram longos. Em um comparativo com o ser humano, já que
era um ser bípede, aquilo representava ser um garoto de 6 anos de idade. Mas
até hoje não conheci uma criança com aquelas características selvagens. Não sei
precisar que horas eram. Sei, apenas, que dali até o sol raiar foram horas de
desespero e pânico para dois jovens que estavam a mais de um quilômetro da casa
mais próxima onde pudessem buscar socorro. Telefone celular só seria tornado
comercial dali mais de dez anos. E para piorar nossa situação a casa, que era
feita sobre pilares de tijolos com meio metro de altura, tinha frestas nas
tábuas tanto das paredes quanto no assoalho. E aquele ser, depois que nos
trancamos através de frágeis portas e janelas com tramelas de madeira, passou a
circundar a construção. Ouvíamos, no escuro, o barulho que saía das narinas,
como se ele, pelas frestas, farejasse o que estava lá dentro. O ápice do terror
aconteceu quando aquele ou aquilo entrou debaixo da casa. Ouvíamos o arrastar
das costas ou de outra parte do corpo dele por baixo do assoalho e, crianças
que éramos, choramos em desespero. Pela claridade tênue que vinha da lamparina,
que estava na cozinha e esgotava a querosene, observávamos um ao outro, cada um
em uma cama de solteiro que estava no quarto. E víamos, ou melhor, ouvíamos aquele
bicho passando bem debaixo. Meu amigo resolveu, então, num momento em que o
bicho parecia ter parado de nos rodear ou mesmo ter ido embora, se deslocar até
a cozinha, pegar os espetos com as rolinhas quase assadas e jogar janela afora.
Teria que abrir a janela, e aquilo me colocava em pânico, pois o bicho poderia
ser forte, impedir o fechamento da janela e entrar. O acordo era eu abrir a
janela, Renato jogar os espetos e eu fechar imediatamente. Quando fizemos isso,
ouvimos barulho no telhado da casa. Seja lá o que for o que era aquilo, estava
em cima do telhado. E desceu quando jogamos a carne lá fora. Sem relógio não
tínhamos noção das horas, mas com certeza era madrugada. Minutos se passaram e
nada mais de barulho lá fora, a não ser o vento. Criei coragem e olhei por uma
das tantas frestas na parede de tábuas, avistando lá fora. Não me recordo dessa
informação, mas creio que tenha geado naquela madrugada. O que eu via na
paisagem era uma camada de neblina bem próxima ao solo e estrelas no céu. O
frio fazia doer os ossos e o sono pesava. Mas, não dormíamos, e nem
conversávamos. A lamparina havia se apagado com o esgotar da querosene. Nem
coragem de encostar na parede eu tinha, tamanho era o medo de ser unhado pelas
frestas, uma vez que ouvi o bicho farejando a poucos centímetros de mim,
chegando a sentir o ar que saía por aquilo que imagino serem suas narinas. Pela
mesma fresta fui vendo o tom da escuridão ficar mais tênue, até que ouvi
os primeiros cantos de pássaros. O dia
estava clareando, mas nada nos convencia de que deveríamos sair de cima das
camas. Ficamos olhando para a cara um do outro, agora conversando em forma de
cochicho e gestos, à distância. Ficamos mais, imagino, uma hora sem ter coragem
de colocar os pés no assoalho, pois olhávamos para o chão e ainda não
avistávamos nada por entre as frestas, devido à insuficiência de claridade. Só
o fizemos quando o sol já raiava forte o suficiente para clarear toda a casa,
cheia de feixes de luz provocados pelas frestas. Nos encorajamos e, convencidos
de ir embora no primeiro ônibus que passasse, calçamos os sapatos, arrumamos as
nossas coisas e... decidimos abrir a porta, com pré-acordo de sair correndo
estrada de terra afora, pois estávamos a quase dois quilômetros da rodovia
Assis/Paraguaçu, ao lado de onde hoje é o Rancho dos Ipês. Antes, porém, uma
olhada pela janela, para nos certificarmos de que estava tudo em ordem lá fora.
E estava. Vimos, pela janela, apenas um pontinho de fumaça do que restou de
nossa fogueira e, o que nos surpreendeu, os dois espetos com as rolinhas que
jogamos para fora durante a madrugada. Abrimos a porta da cozinha, saímos e nos
encorajamos, com o dia brilhando sob um céu azul sem nuvens, a vasculhar em
torno da casa. Nada vimos, nem avistamos, a não ser o gado que pastava nas
proximidades. Nenhum galo ou galinha, pois aquela sede do sítio só recebia
visitas esporádicas naquela época. Passamos o cadeado com corrente na porta da
cozinha e antes de sair verificamos novamente os espetos quase assados.
Realmente estavam intactos e sendo devorados somente por formigas. Retornamos
para a cidade, contamos o acontecido aos adultos e, além de sermos taxados de
mentirosos, ainda tivemos o relato associado a um ataque de urubu ou ave de
rapina. Como nunca vi urubu ou ave de rapina caminhando sobre duas pernas,
braços e corpo coberto por pelos, até hoje não encontrei definição para aquilo
que avistei naquela noite julina de 1983.
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