segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

A morte da kalabura


31 Janeiro 2012


Cláudio Messias*

Raramente vemos uma árvore nascer e morrer. Mesmo as frutíferas, creio, têm longevidade maior que a humana. Em 2008, por exemplo, me deliciei da sombra de uma mangueira supostamente plantada no final do século XIX. Duzentos anos observando uma história, em Ribeirão Claro, no Paraná, cravada no período em que escravos negros construíram a sede da família Martins, hoje estabelecida em Chavantes/SP. Os mesmos escravos que certamente a plantaram.

Mês de setembro é sazonal, nas redações de rádios, jornais e emissoras de TV, por ser o marco de início da primavera e ter o dia da árvore. Lá vão escolas, instituições, ONGs e cidadãos comuns lembrar que o planeta está sendo desmatado, que o fim pode estar próximo por causa disso, enfim, como no dia das mães, dos pais e dos namorados, datas únicas a cada 364 dias. E foi numa dessas datas de setembro que, juntamente com Lúcio Coelho e suas lentes, cobri o plantio de mudas de pau-brasil no Parque Buracão.

Na volta para a redação de Voz da Terra, Lúcio desafiou: duvido que daqui a 20 anos alguém vá lembrar que essas mudas foram plantadas. O competente fotógrafo se referia justamente a esse hábito capitalista que temos de, à base da conveniência, nos lembrarmos de algo ou alguém apenas em ocasiões que remetam direta ou indiretamente a contextos de vivência social. Situações em que secretárias recebem botões ou buquês de flores somente uma vez ao ano ou mesmo pais e mães sexagenários são lembrados (ou forçadamente esquecidos) em asilos em igual período sazonal anual.

O ano daqueles plantios de mudas de pau-brasil foi 1998. O Parque Buracão estava novinho em folha, com obras executadas na gestão do então prefeito Romeu Bolfarini mas conquistadas em projeto socioambiental datado de 1984,no primeiro mandato de José Santilli Sobrinho. Verbas do governo federal para um ousado projeto de urbanização daquela que já foi a maior erosão urbana da região.

Minha pauta no Buracão teve como interlocutor o professor e ambientalista Ronaldo Cicciliato, então responsável pelo parque ecológico. Foram vários os pontos em que novas árvores estavam sendo plantadas. Na trilha pavimentada, pouco à frente do orquidário, uma placa chamava-me a atenção. Uma árvore ainda nova, denominada kalabura. Toda cheia de vida, tinha pequenas flores nas cores que variavam de um creme a um amarelo mais forte, em pequenos tons de vermelho ou rosa. O perfume, adocicado, espalhava-se pelos arredores.

Pronunciei o nome como estava escrito e Ronaldo corrigiu-me, dizendo tratar-se de uma “calaburra”. Nome forte, desajeitado, para uma planta tão bela. Mas o mais espetacular disso tudo não estava na etimologia, ou seja, na construção de sentidos presente naquela denominação popular a um elemento da natureza que a ciência já havia catalogado, em latim, e que também estava presente na denominação feita em placas afixadas bem abaixo de cada exemplar de árvore existente no parque ecológico. Era, e é, muito interessante saber que o eucalipto que o senso comum assim define tem nomenclatura biológica específica. É o fascínio de transitar entre o mundo que nossos olhos veem e constroem e o universo que a ciência desmistifica e nos apresenta com a sua linguagem peculiar.

Os dias passaram, muitos outros plantios de árvores aconteceram em outros setembros, a água não deixou de passar debaixo da ponte e Lúcio Coelho não figurou mais como meu parceiro de reportagens. Como já disse aqui, neste espaço, minha rotina de jornalista colocou-me fora de Assis como profissional, porém jamais deixando de residir nesta cidade um dia denominada fraternal. Minhas caminhadas de início de manhã ou final de tarde sempre aconteceram no Parque Buracão, que fica a duas quadras aqui de casa.

Em 2003, retornando de uma passagem de quase cinco anos por Marília, passei a fazer caminhadas diárias no Buracão. Ouvindo boa música em pequenos fones de ouvido e fazendo aquelas profundas reflexões sobre a vida, propiciadas pelos peculiares momentos de trânsito dentro desse pedaço de paraíso chamado Buracão, lembrei-me da provocação feita cinco anos antes por Lúcio Coelho. Estariam, pois, os pau-brasis esquecidos?

Fui a cada um dos locais onde Lúcio havia fotografado o plantio por estudantes de uma escola privada da cidade. O que vi foi uma grama bem aparada, porém árvores cuja grossura do caule, expeça, fazia deduzir que não se tratavam de plantio feito havia meia década. Uma equipe de manutenção trabalhava nos arredores. Abri diálogo sobre as árvores e perguntei se alguém saberia me dizer qual daquelas plantas era um pau-brasil. Ninguém sabia, pois prevalecia o discurso de que a rotina de trabalho era de limpeza e não de instrução a visitantes.

Continuando a caminhada fui até o orquidário, onde outra equipe trabalhava. Lá, sim, obtive resposta. Um senhor, mostrando-se indignado, afirmou que determinação vinda do paço municipal fizera com que aquele espaço situado nas proximidades tanto do declive onde está, hoje, o campo de futebol de areia, quanto do espaço reservado ao lazer infantil, fosse capinada. A roçadeira entrou e certamente levou as resistentes mudas de pau-brasil, tidas já desde o plantio como resistentes a esse tipo de manejo.

Trabalho a quem é de trabalhar, caminhada a quem é de caminhar. Segui minha atividade física e metros adiante me deparei com a kalabura. Mais encorpada e igualmente florida e cheirosa, lá estava ela, na curva, imponente. Nem precisava ter memória boa para relembrar dos detalhes daquela tarde de cinco anos antes, quando ali estive e soube que a kalabura é a calaburra. Foi uma mescla entre a profecia de Lúcio Coelho e as sempre interessantes aulas sobre meio ambiente do professor Ronaldo.

No último ano de minha graduação em História havia um objetivo a cumprir: o mestrado. Teorias e experiências envolvendo a inter-relação entre a comunicação social que havia anos eu praticava e os processos de ensino-aprendizagem incluídos em minha práxis, tudo isso tinha de ser transformado em um objeto, em um projeto. Onde e em que circunstância encontrar o equilíbrio para construir esse projeto no imaginário? Claro, no Parque Buracão, caminhando.

O ano era 2007, ou seja, nove anos depois de minha pauta com Lúcio Coelho naquele plantio de pau-brasil e quatro anos depois de meu retorno a Assis. Comecei a caminhada virando à esquerda da ponte pênsil, indignando-me com a ausência das dezenas de exemplares de pau-brasil ceifadas pela roçadeira. Fiz a volta pela parte alta do parque, retornei, passei em frente à Escola do Meio Ambiente, ao orquidário, debaixo da sombra deliciosa das mangueiras e, claro, pela... kalabura.

A calaburra estava lá. Mas assustei-me com o cenário. Com poucas folhas e nenhuma flor, em nada se assemelhava àquela kalabura dos encontros anteriores. Parei, observei a base para ver se havia falta de água, porém percebi que estava tudo dentro da normalidade. Minhas caminhadas passaram a ter frequência maior, quase diária, e a cada uma dessas visitas eu tinha a expectativa de ver nem que fosse um único botão, algo que revigorasse a calaburra.

Mas, não. O ano letivo de 2008 levou-me a lecionar no ensino superior, assumindo aulas no curso de Jornalismo da Uniesp, em Presidente Prudente. Era professor dos ensinos fundamental e médio durante o dia, e do superior, à noite. As caminhadas, então, voltaram a ser escassas.

Em julho do mesmo ano saí, numa manhã fria, para fazer a atividade física que mais me alivia o intelecto. Buracão praticamente vazio, refiz o trajeto de costume. Já adentrei ao parque na expectativa de que a mudança de estações explicasse o aspecto atípico da calaburra. Não. Infelizmente, não. Não havia flores. Mas, também, não havia folhas. Só havia a carcaça do que um dia foi a kalabura. Não fosse aquela plaquinha, já torta de tanto ser atingida pela roçadeira, e ninguém saberia que aquela, um dia, foi a kalabura.

Meu eterno retorno ao Parque Buracão aconteceu em janeiro de 2009, período em que tentamos, em vão, perder os quilos a mais que acumulamos no pós-festas – na minha matemática, ganho 3 quilos no natal e no ano novo e perco dois em janeiro, o que dá a média de 1 kg a mais na estrutura a cada ano. Eu sabia que a calaburra não nos animaria mais com sua beleza e seu perfume. Mas não podia imaginar que veria, somente, a ponta do caule. Sim, árvore seca não combina com a paisagem, da mesma forma que aquelas jovens mudas de pau-brasil foram confundidas com mato, mesmo o sendo genuinamente.

O interessante disso tudo é ver como a mão do homem trata, a partir dos seus olhos, aquilo que não lhe serve mais. Se há vida, os olhos não veem; mas, se não há vida, os olhos pegam. E o incômodo surge.

Lembro-me de uma cena de quando tinha 9 anos de idade. Meu vodrasto (segundo marido de minha avó paterna) faleceu, em 1979, ocasião em que fui com meu tio Roberto, pai de Raul, do Bar do Raul, ao cemitério, horas antes do sepultamento. Era preciso retirar a ossada da cova onde ocorreria o novo enterro. Dois homens abriram o buraco e puxaram os restos de madeira e de ossos. Aquela imagem me pesou. Não pelo impacto de ver os ossos de meu avô, a quem não conheci. Mas por saber a forma com que aquilo que serviu de estrutura para uma vida de mais de meio século era lidado. Os ossos foram jogados em um saco branco, sem o menor jeito, e depois colocados em uma carriola para, então, ir ao ossário.

Anos adiante, na rotina nada florida de jornalista, tive inúmeras outras oportunidades de testemunhar a maneira nada delicada com que, por instinto ou práxis, o homem lida com seus pares já sem vida. Nessas tragédias que fizeram o negro histórico da SP-270, trecho entre Assis e Ourinhos, denominado Corredor da Morte, sempre surpreendeu-me a maneira como corpos esfacelados eram amontoados em caixas, caixões funerários; muitas vezes resumindo-se a um mesmo amontoado partes que só mesmo exames de DNA comprovariam serem ou não de uma, duas ou mais pessoas.

É recorrente o meu discurso quanto à forma com que nós, sujeitos sociais, lidamos – ou tentamos lidar – com a vida presente em cada pedaço físico de nossa passagem. Em dezembro estive na Santa Ifigênia, em São Paulo, e revi um cenário que tenho acompanhado nos últimos três anos: a tentativa de devolver a vida ao centro velho da capital. Devolver a vida demolindo as lembranças de vidas de famílias inteiras. Trata-se, como o próprio nome diz, do centro velho de uma cidade perto de completar meio milênio de vida. Prédios inteiros, ou seja, páginas da história que caem e não voltam mais. No que dependesse daqueles que lideram tais iniciativas paulistanas, tivera o Coliseu, em Roma, viciados em crack morando nos seus arredores e toda aquela estrutura histórica cairia. Não tenha a menor dúvida disso.

Capitalistas que somos, à base ou não da hipocrisia vermelha, protagonizamos o espetáculo teorizado por Debord. Um show de vivência em que importam rostos lisinhos, olhos brilhantes, pele sedosa, formas arredondadas, medidas certas; ou paredes sem trincas, pisos não gastos, portas que perfeitamente fecham, janelas sem vidros embaçados, cores não desbotadas.

É, calaburra, sem flores, folhas e perfume você seria, mesmo, um mero pedaço de tronco fincado no chão. Torça, apenas, para que as formigas não se revoltem com suas mortas raízes secas.


FISCALIZAÇÃO ELETRÔNICA


BOATARIA

Em menos de uma semana soube de três parcerias que salvariam o futebol profissional de Assis em 2012. Teorizo uma quarta, presente no calendário maia.

NÚMEROS...

A Secretaria Municipal de Esportes da Prefeitura de Presidente Prudente mandou confeccionar 27 mil ingressos para o jogo Oeste x São Paulo, no Prudentão. Vendeu 8 mil ingressos.

... NÃO MENTEM

Ano passado, no clássico Palmeiras x Corinthians, foram colocados à venda 36 mil ingressos. E o Prudentão recebeu 36 mil pagantes.


BIODEGRADÁVEL DE GRAÇA

Estranhei que no Avenida Max ainda estejam sendo distribuídas as tais sacolinhas. A moça do caixa, de maneira muito simpática, mostrou-me que as sacolinhas contêm a descrição “biogradável”. Ou seja, o supermercado não cobra diretamente, de forma avulsa, dos clientes pela ‘novidade’. Dilui, claro, no custo total que define o preço de cada mercadoria.

EXPLICAÇÃO INDIRETA

Ouvi de um estudante de biotecnologia, em conversa da qual não participei (ou seja, estava literalmente ouvindo a conversa de outrem), o problema das sacolinhas plásticas comuns está centrado na emenda das alças, que têm de ser reforças por suportarem toda a distribuição de peso das mercadorias. Na fala do pesquisador, as laterais de uma sacolinha levam menos de dez anos para entrarem em decomposição na natureza. Já a dobra das alças, mais de 50 anos.

MEDIDA INCERTA I

Entrei em 2012 pesando 103,6 kg. Aos 42 anos de idade vou repetir uma reeducação alimentar que adotei 11 anos atrás. À época, perdi 12 quilos no período compreendido entre setembro de 2001 e fevereiro de 2002, saindo de 99 kg e chegando aos 87 kg.

MEDIDA INCERTA II

Em 2000 eu trabalhava em Marília e, numa das pautas, tratei de reeducação alimentar para uma edição de domingo do Jornal da Manhã (sim, em cidades de imprensa sólida os jornais circulam aos domingos. E faturam muito com isso, por sinal). Minha entrevistada foi uma nutricionista, docente na Unimar. Dela veio a orientação: 1) incluir queijo branco em meu cardápio do café da manhã e do almoço; 2) pela manhã, tomar café (com leite) da manhã com no máximo um pão francês e, prioritariamente, uma ou mais frutas; 3) no almoço, separar a combinação arroz/feijão (optar por um ou outro), preencher metade do prato com legumes e saladas e com carne grelhada; 4) fazer um lanche da tarde à base de suco e, se for o caso, um salgado assado; 5) na refeição da noite eliminar a combinação arroz/feijão e dar preferência por um grelhado, somado a saladas. Somado a isso, 40 minutos diários de alguma atividade física, que pode ser uma simples caminhada, no mínimo três vezes por semana.

MEDIDA INCERTA III

Passei janeiro me preparando para o desafio e vou relatar, aqui, minha rotina semanal ou quinzenal de controle alimentar. Hoje (31/01/2011), na véspera, estou pesando 101,1 kg. A exemplo de 11 anos atrás, não passarei fome nem abrirei mão de minhas preferências por uma cervejinha aos finais de semana. Como atividades físicas, desta vez, somarei às caminhadas matinais no Buracão sessões de hidromusculação aos finais de tarde, no ATC.

INSPIRAÇÃO

Meu amigo Dallacasa, da Andorinha, companheiro de hidromusculação, começou o controle alimentar em setembro. Já eliminou 11 kg e um cavanhaque.

PRENÚNCIO DO FIM I

O que parecia improvável aconteceu: a Fema não montou turma de Jornalismo para 2012. Pelo terceiro ano consecutivo não foi atingido o número mínimo de matrículas. De 85 inscritos no vestibular, pouco mais de 10% formalizaram matrícula.

PRENÚNCIO DO FIM II

Se no final do ano esse quadro se repetir, o curso de Jornalismo corre o risco de acabar definitivamente. Atualmente há apenas duas turmas com aulas: os terceiro e quarto anos.

AVESSO

O curso de Publicidade, pelo contrário, terá primeiro ano em 2012, na Fema. Nesses anos todos de crise do Jornalismo, Publicidade & Propaganda sempre formou turma.

PAREM O MUNDO...

Sábado passado, aqui em casa, a velocidade da minha internet estava a 6 kbps. Internet banda larga, que nos custa, em família, 80 meais mensais numa operadora local, da cidade.

... PORQUE EU QUERO DESCER.

Meu sinal de TV a cabo está igualmente compatível com a velocidade da internet (ambos chegam no mesmo cabo, tido como sendo de fibra ótica). Meu aparelho de TV, que é full HD, recebe um sinal tão ruim que a imagem exibida chega a ser pior do que a de um televisor tubão, daqueles com antena espinha-de-peixe.

PERGUNTINHA BÁSICA

Por que eu continuo pagando mais caro pela gasolina em Assis, em comparação com postos de combustíveis de outras cidades mas com a mesma bandeira de distribuidora?


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