13 Dezembro 2012
Cláudio
Messias*
Dia desses
passei pelo Avenida Max com um pouco mais de calma na conturbada rotina
professor/pesquisador/pai/marido/etc. Dezembro, fim das aulas, fechamento de
notas e da versão final da dissertação, formatação do projeto de doutorado para
2013, enfim... Eu e Rozana, minha esposa, curtimos observar prateleiras. Não
necessariamente para comprar o que está nas gôndolas. Mas, ver o pode haver de
novidade, nem que seja uma embalagem nova de um produto antigo. E isso só pode
ser feito com tempo. Em uma família de professores dezembro é o período
propício, e independe de ser supermercado ou loja de 1,99.
No setor
de doces vi que há uma prateleira praticamente inteira dedicada a guloseimas
que apodreceriam aqui em casa, caso fossem depender do consumo de meus filhos.
Chocolates? Claro que não. Me refiro a doces de abóbora, de leite, paçoca,
suspiro, maria-mole, enfim, uma pequena diversidade que não faz sucesso e não
tem espaço publicitário como o disposto por multinacionais como Nestlè, entre
outros. Doces cujos fabricantes, imagino, tenham pequenas linhas industriais
instaladas, quando muito, nos extremos do estado de São Paulo ou em estados
vizinhos.
Doce de
abóbora cristalizado, com aquela casquinha durinha, crocante, e um interior
molinho, que fazia um fio quando a guloseima era quebrada ao meio e separada em
duas partes. Paçoca legítima, antes da proliferação da soja – muitos
fabricantes fazem uma mistura de amendoim com soja, o que tira o sabor do doce
-, que quando quebrada ao meio exalava aquele cheiro de amendoim torrado e
adocicado. Ou, ainda, aqueles suspiros coloridos, quadrados, cobertos em forma
de gotas e com bolinhas minúsculas coloridas, que quando colocados na boca
derretiam e depois faziam com que bebêssemos uma jarra inteira de água. E jarra
de plástico, em formato de abacaxi, com a base na cor laranja e a tampa verde,
em forma de coroa. Igual à da Grande Família, na Globo.
Anos atrás
uma auxiliar aqui de casa colocou acidentalmente na lixeira uma parte física de
minha memória de infância. Uma lata de Toddy. Mas não era uma lata qualquer.
Era uma lata de 5 kg de Toddy. Lata redonda, amarela, imensa. Estava guardada
na laje aqui de casa e foi retirada em uma das faxinas que faço anualmente
em... dezembro. Sim, além de perambular pelas prateleiras de supermercados em
dezembro, às vésperas do Natal, eu vasculho minhas bugigangas. Jogo pouca coisa
fora, mas faxino.
Continuando
o assunto da lata de Toddy, eu a guardava não apenas como lembrança de uma
infância lá pelos idos de 1972, mas, sim, como prova material de que um dia
existiu uma lata de achocolatado de 5 kg. Para convencer a quem? A meus netos,
se os tiver. Por que isso? Porque há uma geração consumista sendo aflorada para
a sociedade, descrente que um dia houve vida sem fast food e derivados
sofisticados de cacau.
Meses
atrás, retornando a trabalho de Campina Grande, na Paraíba, trouxe algumas
rapaduras e paçocas feitas no agreste. Ouvi de meus filhos o questionamento
sobre a real procedência de minhas afirmações de que na infância eu realmente
gostava de comer os doces tradicionais. Para eles, é impossível alguém gostar
de comer paçoca, doce de leite os aquelas geleias em barra nas cores vermelho
nas laterais e branco no centro. Gominha, então, é uma coisa repugnante no
paladar de uma juventude que prefere confetes.
A nova
geração resiste em conceber uma lata de Toddy de 5 kg. É mais sonho de consumo
do que necessariamente uma embalagem dosada para servir uma família durante o
mês inteiro ou mais tempo. Jovens que só conhecem a embalagem plástica de 500
g, com um achocolatado que nem de longe se assemelha ao sabor do nosso Toddy
“enlatado”. Toddy, mesmo, é só a marca, pois nesse período de décadas o fabricante
mudou pelo menos uma vez.
Paulo
Martinez, meu professor de graduação em História na Unesp/Assis, me dizia, em
2004, que uma experiência em sala de aula numa escola particular o deixara
assustado. Em uma atividade relacionada a desenvolvimento sustentável ele fez
um desses questionamentos óbvios, com respostas obviamente iguais, e
surpreendeu-se quando, ao perguntar “de onde sai o leite que vocês bebem?”, um
estudante adolescente com sobrenome abastado responder-lhe de forma imediata e
séria: “da caixinha longa-vida”. Esse moleque, na miha época, responderia “do
saquinho plástico” ou “da garrafa de vidro”, ou ainda “da carroça branca do
leiteiro”.
Vejo não
só meus filhos, mas também os dependentes de meus amigos e na minha própria
família, todos enfiados em verdadeiras jaulas domésticas. Criticamos as horas a
fio que nossos jovens passam na frente das telinhas ou das telonas, julgando
que essa geração joga no lixo um tempo que poderiam dedicar ao que entendemos
como vida social mais saudável. No entanto, quando esses filhos, sobrinhos,
parentes ou vizinhos saem para viver a vida social que tanto cobramos, nos
perdemos em um desespero que faz trocar de posição os agentes dessa relação com
a tecnologia. Nós é que passamos a pegar o celular e ligar ou disparar torpedos
perguntando como eles estão, a que horas chegam, se comeram, se não beberam,
com quem estão. E ainda recomendamos: “qualquer coisa, ligue pro pai”.
Criticamos
que eles fiquem o tempo todo com o celular a tiracolo, torpedeando, quando
estão ao nosso redor. Sensação estranha concorrer com um aparelhinho que quando
inventado deveria fazer apenas as pessoas se falarem, ainda assim somente no
conteúdo necessário e no tempo adequado.
Muitos dos
sabores que constituem o meu paladar e minhas lembranças não farão parte do
cardápio de meus filhos, nem de meus vizinhos, nem de meus sobrinhos. Se eu
colocar um quilo de gabiroba na geladeira, por exemplo, ninguém irá sacar que
para consumir é só colocar na boca, romper a casca pressionando com os dentes e
chupar como se consome uma uva, por exemplo (jogando a casca fora, claro).
Tenho um pé de jabuticaba, aqui, que floresce e dá frutos quatro
impressionantes vezes ao ano. Flores, frutos e desperdício, pois ninguém dá
bola ou percebe o pé carregadinho.
Agora, em
dezembro, os manguerais estão repletos de frutos. Nunca me esqueço de um pé de
manga manteiga que havia no terreno onde está edificada, hoje, a minha casa.
Era uma árvore imensa, com um fruto que, grande, tinha de ser colhido ‘de vez’,
ou seja, antes de madurar. Maduro, o fruto caía e literalmente explodia ao chão,
perdendo-se. O cheiro de manga manteiga é algo que nunca mais senti, pois os
frutos com tal denominação que encontro não são os mesmos (talvez, ou com
certeza, o nome da espécie de mangueira que tínhamos não fosse manteiga). Mas o
tenho na lembrança, assim como a consistência da polpa, que fazia jus ao nome
de ‘manteiga’.
Chamar
meus filhos para ir a sítios de amigos e parentes para apanhar manga é pior que
convoca-los para uma faxina no quintal ou para lavar louças após um churrasco
com mais de 10 pessoas. Preferem chibatadas a sair comigo zona rural afora. E
eles correm o sério risco de ouvir os filhos, meus vindouros netos, afirmarem
que leite sai da caixinha, pipoca brota no micro-ondas e que a vida fora
inventada por Steve Jobs.
Mas meu
assunto, aqui, começou com o consumo comercial. Dos doces tradicionais cheguei
a meu passeio por prateleiras e à conclusão de não haver coincidências de
preferências entre nossa geração, mais velha, e a da juventude. Três décadas
atrás os mercados eram dispostos de forma diferente. Havia sacos de 60 kg de
arroz, feijão, amendoim, tudo a granel. Comprava-se pesando, como se faz até
hoje em feiras livres. Bacalhau e toucinho defumado – hoje chamado de bacon - faziam
parte do cardápio das classes média e baixa. Sim, claro, nossos filhos também
vão duvidar disso um dia, principalmente quando se derem conta de que comem
bacalhau só na Semana Santa e o tão saboroso bacon iguala-se em preço ao filé.
Essas
ondas de consumo são cíclicas. Também nelas há um eterno retorno. Exemplo disso
são casas como Temperos & Tentações e Feijão & Cia, que seguem o mesmo
princípio dos antigos armazéns ou empórios. Os sacos de 60kg dão lugar a potes
acrílicos, mas o princípio de exposição e opção de escolha continua o mesmo.
Para completar o ambiente tradicional esses estabelecimentos comerciais
oferecem justamente os doces a que me referi no início desse texto.
Crescemos,
infelizmente, vendo patriarcas e matriarcas morrendo e enterrando consigo lojas
tradicionais. Meus filhos, hoje, escolhem os jogos ou eletrônicos que querem
comprar em sites onde eu também faço o consumo. Bem diferente da situação em
que, aos 9 anos de idade, ganhei sei lá quantos cruzeiros – moeda da época - e
desci até a Banco do Clóvis para comprar algo que me seduzia havia tempos: um
livro-disco de Walt Disney, que vinha acompanhado de um vinil, compacto. Ouvi
incontáveis vezes a mesma história, colocando o compacto na vitrola de meu
vodastro (segundo casamento de minha avó paterna).
Clóvis, da
banca, mudou de segmento comercial anos depois, partindo para o mercado
imobiliário. O fez a tempo, pois as lojas de discos não resistiram à
tecnologia. Basta lembrarmos do Disquinho, da Chaparral, no Mercadão, e da Discoteca
da Cidade. Mesmo as lojas especializadas em CD, que substituiu o vinil, hoje
são balançadas financeiramente pelas novas tecnologias. Têm de mesclar a venda
de outros artigos relacionados à música.
Conheci
minha esposa trabalhando na Discoteca da Cidade, lá pelos idos de 1989, no
mesmo prédio onde dez anos antes havia comprado o livro-disco. Naquele trabalharíamos
juntos na loja de discos A Sertaneja, no Mercadão. Uma época em que a pirataria
era de fitas k-7 e já balançava o mercado fonográfico. Período da história em
que havia vida no Mercadão. Lembro-me que vendíamos em um sábado praticamente
ou mesmo ou até mais do que o acumulado na semana inteira. A população rural
vinha para a cidade e gastava, e muito, no Mercadão. Quem queria discos e
fitas, comprava conosco. Aqueles que queriam roupa recorriam a Mohamed e Said,
ou então, ao até hoje resistente Elias e sua irmã Roseti. Quem queria utilidade
em geral, comprava na Casa das Variedades, ponto comercial a que também
chamávamos de Laurindo, em referência ao proprietário. Sapatos? No Baianinho,
dono do São José Calçados. Sexo pago? Bar do Vicente, e por aí ia.
Hoje,
aquele centro velho de Assis vive esquecido. A população rural praticamente
inexiste. Vejo famílias que passaram a vida inteira no campo e, fugindo de
violência como a sofrida neste ano pela família Simeão, recorre à pseudo
segurança urbana. Preferem a avenida Dom Antonio, a Rui Barbosa e preterem o
Mercadão, que agoniza. É um barato, é legal, ir ao Hipercenter São Judas, ao
Amigão, e não ao Mercadão. Expectativa, mesmo, não pela revitalização do
Mercado Modelo Municipal, mas da reinauguração do Assis Plaza. E as mudanças sociais
impulsionadas pelo consumo continuam.
Enfim, é
uma delícia comer uma paçoca, mas é duro saber que um único tablete tem
calorias suficientes para ultrapassar tudo o que você comeu no almoço; que
colher manga no pé é bom, mas que mesmo debaixo de uma mangueira você pode ser
surpreendido por alguém que quer levar seu carro, sua carteira ou mesmo sua
vida; que comprar no Mercadão foi e talvez venha a ser bom, mas que sonhamos e
cobramos, mesmo, é por um shopping com ar condicionado, estacionamento com
seguro e praça de alimentação onde tenhamos certeza de que nossos filhos
estarão menos sujeitos à violência urbana.
Quem
assistiu “A Excêntrica Família de Antônia” sabe bem da sensação a que me refiro
quando vejo uma porta comercial fechada, degradando ao tempo, ou, então, me
deparo com uma residência que um dia vi movimentada, cheia de crianças, agora
totalmente abandonada, esperando que herdeiros decidam para que empreendimento
a venderão e enterrarão toda uma história famíliar.
Quando
trabalhava na rádio Cultura no final dos anos 1980 fazia, a pé, o trajeto
passando pela Praça da Bíblia, também chamada praça do Hospital Sorocabana.
Radialista trabalha aos domingos e foram muitas as datas em que via famílias
reunidas, sentadas em cadeiras nas áreas da frente, observando a criançada se
acabando de tanto brincar. Havia vida, agito, sangue correndo pelas veias. Dia
desses refiz esse caminho a pé. Parte dessas casas está fechada, enquanto outra
parte nem existe mais. As casas que sobraram perderam o sangue, o vívido. E
ganharam aspecto fantasmagórico, pois são meros corpos sem espírito.
Há uma
propaganda na TV que tem um enunciado interessante. É de um banco e diz assim:
“Há uma diferença entre você chamar um empreendimento de imóvel e de lar”. O
redator da agência de publicidade foi perfeito na definição. Casas como as que
vi duas décadas e meia atrás, cheias de vida, são meros empreendimentos. De
empreendimentos são tornadas lares, mas voltam à condição de meros imóveis. A
vida humana, com suas alegrias e tristezas, é o sangue que alimenta esses lares
e os impede de retornarem a imóveis.
Aqueles
vovôs e vovós que eu via sentados às cadeiras de área trocaram endereço e
recebem flores em datas especiais. Seus filhos é que são, hoje, vovôs e vovós,
que assistem aos herdeiros criados por aquelas crianças de outrora brincarem...
na frente do computador, ou com celular em punho. Não dá para sentarem na
cadeira de área, pois área da frente deu lugar à garagem e a cadeira, a carros
e motos. Olhar a rua de que jeito, pois os muros baixos deram lugar a muralhas
e portões fechados?
É a Assis
de ontem e a Assis de hoje. Não muito diferente do mundo de ontem e do mundo de
hoje. A construção de sentidos presente em cada enunciado é que muda. Olho,
assim, o mundo sob um prisma que meus antepassados não tiveram. E quando isso
aqui for lido por quem me suceder haverá quem diga “quanta bobagem se escrevia
naquela época”. O tradicional e o moderno são, pois, separados por uma tênue
linha imaginária. Ainda bem que pensamos.
FISCALIZAÇÃO ELETRÔNICA
RUÍDO
Imediatamente
abaixo deste texto está a íntegra do que escrevi na semana passada. Por ser uma
rede, a internet tem começo e fim, é finita. E se assim realmente for, a
mensagem que mandei por e-mail com o texto da semana anterior uma hora haverá
de aparecer, ou ao destino, ou de volta. Como garantia para que o conteúdo não
fique mais velho do que já está, publico os dois.
ARIGATÔ
Meu amigo
Rodrigo Bueno me chama no Facebook para dizer que um assisense está fazendo
muito sucesso em Nagoya, no Japão. Fazendo o quê? Gestão de pequenas
construções civis. Bueno está do outro lado do planeta cobrindo o Mundial de
Clube, na expectativa do confronto Barça x Santos. Lembrou-se de mim por saber
de minha agonia na relação com pedreiros aqui na reforma do barraco.
FORA DE EIXO
Depois da
Caixa Econômica Federal o Banco do Brasil também estaria interessado em abrir
um posto de atendimento na Avenida Dom Antônio. Em 1996 ouvi a profética
afirmação de Zeca Santilli: se os bancos descobrirem a Dom Antônio a Rui
Barbosa irá se transformar em um centro velho. Parece estar realmente surgindo
o novo centro comercial da cidade.
VISÃO
A Útil,
cuja loja, nova, foi inaugurada em 2011, acompanhou o movimento do Avenida Max
e permaneceu aberta até 21h00, diariamente. Colheu, obviamente, os bons frutos
de explorar o horário alternativo.
ELITE
Um
assisense que desde os anos 1970 consolidou-se no ramo industrial na Grande São
Paulo está interessado em realizar um sonho em Assis: abrir uma loja da
Harley-Davidson, nos altos da Rui Barbosa.
ESFRIOU
Entristecido
por saber que o curso de Jornalismo da Fema ainda não atingiu o número mínimo
de matrículas para formar turma em 2012. A expectativa, agora, fica com o
segundo processo seletivo.
2012
Envaidecido
por ter recebido o convite para compor mesa de discussão no II Colóquio
Catarinense de Educomunicação, na Universidade do Estado de Santa Catarina, em
Floripa.
CÁ ENTRE NÓS
Nunca
imaginei que sentiria tanta falta da sauna do ATC. A reforma, de quinze dias,
parece durar uma eternidade.
PAREM O MUNDO PORQUE EU QUERO DESCER
Comprar um
aparelho de TV full HD e ver a “qualidade” da TV por assinatura que temos em
Assis é decepcionante. Sensação extrema de que estamos sendo muito enganados.
PERGUNTINHA BÁSICA
Mão única
na Rui Barbosa?
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