12 Junho 2012
Cláudio
Messias*
Levei
somente duas namoradas para casa. Minha família, portanto, foi formalmente
apresentada a essas duas criaturas que nos compartimentos da memória trazem
saudosas lembranças. Não que tenham sido as únicas, como realmente não foram.
Foram, sim, especiais. E nesse universo das ponderações tenho que admitir: não
foram absurdamente “mais especiais”, com o perdão do pleonasmo ou qualquer
outra observação linguística que o enunciado permite.
No que
dependesse do meu imaginário infantil eu teria levado para casa, mais cedo,
outros amores da vida. Minha memória não me apresenta, agora, outro amor
primeiro que não tenha sido Ana Lúcia. Sim, foi ela, com seu vestido vermelho e
seu laço laranja no cabelo, que sucedeu o brilho nos olhos que até então
somente minha mãe proporcionava. Tinha eu 7 anos e iniciava os primeiros dias
de estudo formal no Instituto, hoje Escola Clybas. E dividia a paradoxal
situação de olhar e atentar a Dona Penha, professora, e secar a beleza de Ana
Lúcia. Sentava eu na segunda fila e a minha primeira paixão logo ao lado, na
fila da janela.
Ana Lúcia
nunca me retribuiu um olhar sequer. Jamais fez parte do meu círculo de amigos,
resultado de uma divisão social que colocava - e ainda hoje coloca, apesar de a
realidade da escola pública ser outra, mais igualitária sob a questionável
perspectiva de que famílias mais abastadas colocam seus filhos em escolas
particulares – colegas de um lado e amigos do outro. Sim, um dia me aproximei
do grupo de alunos que, no recreio, reunia Ana Lúcia. E fui informado de que
podíamos ser colegas; amigos, mesmo, só eles. Podíamos nos cumprimentar e até
mesmo ensaiar algumas brincadeiras dessas em que se corre, corre, corre e
corre, sem motivo aparente, um atrás do outro. Mas ser amigo, mesmo, não podia.
“Meu pai disse que eu posso ser só colega de quem eu não conheço”, era o argumento.
Os
obstáculos imaginários não impediam que eu tivesse Ana Lúcia. E quantas vezes
eu a levei para casa! Minhas redações com o tema “Como foi meu final de semana”
tinham Ana Lúcia indo até a Água da Cruz comigo, nadando no riozinho, comendo
goiaba no pé, pisando na bosta da vaca, rasgando a bermuda no arame farpado e
avistasse um leão do outro lado da água. A imaginação fazia com que aquele meu
primeiro amor se materializasse da forma mais ingênua. A menina dos meus
sonhos, por exemplo, usava sempre a mesma roupa. Não crescia, não cortava o
cabelo louro quase cor de fogo. Uma imagem eternizada, que já dura 35 anos.
Na
infância todos nós simulamos muitos casamentos. Mas no caso de Ana Lúcia não
foi a morte que nos separou; foi o ano letivo. Na segunda série lá estava ela
na 2ª B e eu, na 2ª A. Só que no meio disso tive as férias, viajei pela
primeira vez a São Paulo, de trem, com meus pais e meus irmãos. Conheci outras
pessoas, outra cultura, fui chamado de crente da bunda quente no Jabaquara,
conheci o zoológico, vi a água do Tamanduateí chegar até o penúltimo degrau da
apertada casa de minha tia Alice na Ponte Pequena, comi pastel na feira que
mais parecia um rio de barracas, enfim, rompi horizontes. Percebi a distância física
de Ana Lúcia, porém conheci outras pessoas que igualmente chegaram vindas de
outras salas.
Na sexta
série eu era amigo de todo mundo. Não bastava os pais dizerem, em casa, quem
deveria ser colega ou amigo. Aos onze anos de idade se é amigo de todo mundo.
Algumas companhias, contudo, se destacam. Este era o caso de Claudinha. Um ano
mais nova do que este que aqui escreve, ela era sardentinha, tinha os cabelos
penteados pela mãe em forma de maria-chiquinha e se destacava como uma das
meninas mais inteligentes da escola. Nos encontrávamos no Instituto, mas
voltávamos juntos todos os dias. E na classe, ora eu sentava na carteira da
frente, ora ela sentava na carteira logo atrás. Compartilhávamos das mesmas
músicas, falávamos das mesmas coisas, divagávamos das mesmas utopias típicas de
seres em transição entre a infância e a adolescência.
Lembro de
um dia em que Claudinha não foi à escola. Foi quando senti falta de minha
coleguinha. E percebi que muito mais que uma amiguinha havia, ali, uma
paixãozinha. Como foi triste e longa aquela tarde, vendo a carteira de
Claudinha preenchida por Estevão André Thieful Cruz, camarada com quem, décadas
depois, compartilhei e compartilho a profissão de jornalista. Óbvio, a beleza
de Claudinha fazia bem maior aos olhos. E saí da escola direto para a casa de
minha amiguinha. A resposta sempre educada do pai dela anunciava uma Claudinha
gripada, com febre. E ela saiu à porta, com as bochechas róseas e olhar com
pálpebras ao meio. Foi uma mescla de sentimento de dó e carinho.
Com
Claudinha eu fazia as tarefas todas. E, claro, antes que começasse a novela
Roque Santeiro, levava de volta o caderno que emprestara à tarde, na aula. Nem
tinha lição para copiar... apenas a desculpa para ir à casa dela, à noite, para
devolver o material. E nessas devoluções rolavam conversas que pareciam levar
dias, semanas para terminar. Começava a novela das oito, cuja abertura ia ao ar
às oito e meia da noite, e era hora de Claudinha entrar. E eu subia a André
Perine como se pisasse nas nuvens. Chegava em casa e torcia para sonhar com
Claudinha mais uma noite.
Na sétima
série o amor por Claudinha foi igual ao que sentia por Ana Lúcia. Bastaram as
férias de verão e quando as aulas voltaram a revolução hormonal que afeta
jovens na faixa dos 13/14 anos mudou muita coisa. Continuei, claro, amigo dela,
sentando na mesma fila, compartilhando das mesmas tarefas. Mas Claudinha
começou a namorar Marco Antonio, um cara que jogava basquete, tinha vínculo com
grupos diferentes dos meus. E eu odiava basquete, único esporte que nos jogos
escolares não disputei pelo Clybas. A série sucessória de paixões foi
intermediada por Estevão, meu amigo. Minha mão, para dizer a verdade, numa
referência à metáfora do ditado popular em que se afirma que “vão-se os anéis,
ficam os dedos”. Estevão ficou e foi através dele que conheci Sônia.
Estevão
era de uma família humilde como a minha. Eu havia estudado com a irmã dele,
Lúcia. Sua outra irmã, mais velha, Sandra, estudara com minha irmã. Já o irmão
mais novo dele, Emerson, não estudou com ninguém da nossa tropa. Mas, com
certeza, infernizou a vida de todos, quão mala era o pentelho. E foi nessa
convivência com a família Thieful Cruz, todas as manhãs, antes de ir para a
escola, que conheci Sônia, uma menina que enquanto eu estava na sétima série,
estava na... quinta. E que coisa! A diferença de idade é pequena, mas nessa
fase da vida tem-se um adolescente e uma criança envolvidos numa trama de amor.
Sônia era
uma lourinha que usava óculos de cor bege e roupas confeccionadas pela mãe. O
pai era caminhoneiro, a mãe, dona de casa, e o irmão mais novo, outro pentelho.
Não sei por que, mas nunca tive coragem de me aproximar fisicamente de Sônia.
Jogava futebol e brincava na rua em frente à casa dela, que era proibida pelos
pais de sair sequer à calçada da frente. Dora, esposa do policial rodoviário
Furlan, com quem tanto convivi nesses últimos anos de imprensa, fazia a
mediação do meu romance. Ou tentava mediar. Era vizinha de Sônia e, mãe de
Fioco e de uma pititica cujo nome não me recordo, me alertava para o fato de eu
ser um adolescente e minha paquera, uma criança. Três anos apenas de diferença,
mas uma enormidade em se tratando da etapa de vida de cada um.
Sempre
gostei de escrever. Era uma dessas tentativas de poeta que nunca deram certo
porque ninguém nunca descobriu. Recordo-me, por exemplo, de um pensamento
profundo que rascunhei na contra-capa do caderno de minha irmã e que foi
replicado pelas amigas dela: “por mais longo que seja o voo de um pássaro, um
dia ele sentirá saudade... e voltará”. O pior é que esse mela-cueca pegou tanto
que, depois, quando caiu a ficha da fase quase adulta, eu queimava a cara de
vergonha pela autoria. Mas, enfim, me referi a esse prazer de escrever porque
foi utilizando esse recurso que me aproximei de Sônia.
Escrevi a
primeira carta a Sônia e mostrei a Estevão. Ele achou legal e se ofereceu para
entregar. Topei. Dei a ele o papel e agonizei, em casa, na expectativa quanto à
reação de minha paquera para aquele amontoado de coisas que poderiam até ter
algum nexo. Deixei de ir aos arredores das casas deles por aqueles dias. E na
primeira ocasião, na escola, em que reencontraria Sônia, tremia feito vara
verde. No recreio estávamos nós, os inseparáveis Cláudio e Estevão, quando,
toda saltitante, passou Sônia por mim. Junto dela estava uma magricela que eu
reconhecia: Vanisleia, filha de uma dona de salão de beleza que ficava na mesma
rua onde eu morava. As duas passaram por nós e recebi o maior presente: um
sorriso de Sônia. Era o sinal de que tudo estava dando certo.
Muitas
outras cartas foram escritas a Sônia. E quase tive um enfarto logo aos 13 anos
de idade quando recebi o primeiro bilhete dela. O amor era muito mais que
lindo, pois era correspondido. Nos amávamos e declarávamos isso no papel. Pena
que ficou só no papel. Os pais de Sônia eram contra nossa paquera. Claro, quem
vai deixar uma loirinha, toda educadinha, com 10 anos de idade, se aproximar de
um jogador de futebol com treze anos de idade, barba na cara e falador pelos
cotovelos? Continuamos nos vendo de relance, quando Sônia ia para a casa da avó
a pedido da mãe ou nos intervalos de aula na escola. Nem dava para voltar com
ela para casa, pois sua mãe ia busca-la todos os dias, com sombrinha à mão.
No segundo
semestre daquele ano, no retorno das férias de julho, comecei a fazer cobranças
no período da manhã, ou seja, comecei a trabalhar como office-boy. Primeiro na
farmácia do seo Daniel, na João Pessoa, onde meus pais tinham conta. Depois,
nos escritórios ServTec e Alevato. A distância dos arredores da casa de minha
paquera foi afastando-me aos poucos dela.
Nunca
troquei uma palavra sequer com Sônia, mas fiquei muito amigo de Vanisleia.
Daqui a pouco chego a um ensaio de desfecho que tem a mesma Vanisleia como
protagonista.
Trabalhando
no decorrer do ano de meus cartorze experimentei outras vivências. Minha
geração inteira de amigos trabalhava também e, uma vez por mês, nos reuníamos
para gastar parte do salário que ficava com nossas famílias, geralmente comendo
pizza no Duas Rodas. Não tive grande paixão naquele ano, mas acumulei amizades
maravilhosas que hoje, veja só, são lembradas por amigos de meus filhos. Júlia,
uma figurinha que me chama de tio e que só não é minha sobrinha porque a vida
não quis assim, é aluna de Lucimar, doidinha com quem estudei naquela oitava
série. Nos bordões que criávamos tinha Estevãopiro, Sandrácula e, claro, ela:
Lucimartelo. Eu ia de Ovelha a Abelha e Carneiro, dados os cachos da cabeleira.
Lucimar não era adepta do uso de sutiã e, para arrebentar de vez os protocolos
sociais da época, prenunciava o fim da repressão indo à escola com as mangas
das camisetas cortadas, fazendo sobrar um vãozinho próximo às axilas que
deixava perplexa a mulherada mais conservadora da sala.
Éramos
amigos demais e não sobrava brecha para malícia. Andávamos abraçados, agarrados
pelo pescoço e curtíamos a adolescência sem encanações. Queríamos mais é que o
Menudo fosse para o quinto dos infernos, levando junto Dominó, Tremendo e
outras pragas da música latina. No toca-disco, Iron Maiden, Led Zepelin, Black
Sabath, Withesnake, AC/DC, Metálica e alguma coisa de Scorpions e Van Halen. Sim,
namorar um cara assim era um problema. O que sobrava, mais uma vez, era a
apreciação a partir do imaginário. E o rádio proporciona isso. No ar,
diariamente, às 18h00, estava Silvinha, no comando do Hit Parade da Cultura FM.
A voz feminina mais linda que tanto ouvi quanto com que convivi
profissionalmente.
No ano
seguinte entrei no colegial e troquei de período. Lucimar, Sandrinha e outras
amigas ficaram no período da manhã, naquela divisão social típica da época:
homem tem de trabalhar e, portanto, estudar à noite, enquanto as meninas cujas
famílias tinham condições de mantê-las fora do mercado de trabalho continuavam
matriculadas de manhã. Foi naquele ano que fiz meu primeiro estágio na equipe
de esportes de Chico de Assis, na rádio Cultura, e iniciei meu ingresso na
comunicação. Estava na mesma emissora de Silvinha, uma baixinha que, amiga de
minha irmã, recepcionista na Cultura, estava sempre em casa. Para a alegria da
minha imaginação.
Com o
rádio descobri a forma pré-histórica do amor virtual. Atendíamos dezenas de
telefonemas diariamente, principalmente após as 18 horas, quando minha irmã ia
embora da emissora. As tais “marias microfone” tinham todas as idades, mas, tal
qual o profissional do rádio, eram dotadas de vozes que, diríamos, enganavam.
Era mais ou menos como a cena que volta e meia eu testemunhava envolvendo Luiz
Luz (dono de um vozerão, criava no imaginário da mulherada a forma de um homem
alto e forte. Alto, sim, porém forte... menos, muito menos que isso), só que ao
contrário. Vozes femininas doces, meigas, dignas de princesas, nem sempre se
materializavam de tal forma quando suas protagonistas apareciam na portaria
chamando por determinado funcionário que ‘conheceram’ ao telefone na noite
anterior.
Já vi cena
de colega meu de trabalho ficando na rádio até o final da tarde, mesmo com o
horário de serviço tendo sido encerrado às 12h00. Tudo porque na portaria
estava a tal princesa da voz deliciosa, com quem conversara por noites, ao
telefone, e que na aparência física, na estética, em nada correspondia à
expectativa gerada pela injeção de testosterona no organismo. Nem almoçar
naquela tarde o cara almoçou, tamanho era o desespero. E, para piorar, a maria
microfone só foi embora com a coitada da minha irmã, às 18h00, depois de ouvir
à tarde inteira a mentira de que o príncipe encantado não estava na emissora.
Em casa, ouvi a célebre frase de minha irmã: “credo, esse povo arruma cada
coisa para sair, né”.
Mas foi ao
telefone, depois das 23h00, que ouvi uma voz cujo som me fez entender por que
meu amigo, iludido, teve de perder uma tarde inteira fugindo da moça nada
bonita que assediou. A música pedida era “Aways”, uma balada romântica típica
da programação de fim de noite. Até atender ao pedido eu tinha de tocar, ainda,
três músicas programadas pelo discotecário Antônio Carlos, um carcereiro que
trabalhava na cadeia pública, fazia bico na rádio nos horários de folga e
curtia demais da conta os Beatles, para o meu desespero. Toninho não sabia (ou
fingia que não sabia) que pulávamos a programação dele e tocávamos músicas
pedidas por telefone ou, simplesmente, de nosso gosto pessoal (o que não era o
meu caso, pois tocar Aces Hight, do Iron Maiden, à meia-noite, era assinar
demissão no dia seguinte).
Até tocar
a música da ouvinte fiquei conversando por horas. Toquei “Aways” e continuamos
conversando. Desliguei o transmissor à 1h00 e continuamos conversando. Manoel
Martinez fechou o AM, foi embora e eu continuei ao telefone. Isso se repetiu
uma, duas, três... inúmeras noites. Até que conheci a ouvinte pessoalmente. Uma
jovem que por telefone tinha 15 anos e, pessoalmente... 13 anos de idade. Sim,
a diferença de poucos anos continua sendo grande, enorme, nessa faixa etária.
Eu era quatro anos mais velho do que ela e, tal qual havia vivido com Sônia,
sabia que aquilo não daria certo.
Num sábado
atendi a um convite que era típico daquela fase de passagem profissional pelo
rádio: um jantar. E era na casa daquela ouvinte, uma baixinha que havia mentido
a idade mas nem por isso tinha perdido a minha amizade. Fui até a casa dela e,
quando lá chego, os pais e o irmão estão todos arrumados tal qual
sogro/sogra/cunhado, a casa limpa como um brinco e ela, Neia, toda perfumada.
Conversamos, comemos, contamos histórias e conforme a hora foi passando o
patriarca da casa começou a conduzir a prosa para um rumo que remetia a planos
para o futuro, preço de terreno, custo de construção. Isso, depois de um raio-x
completo na minha família.
Caiu a
ficha e me dei conta. Eu estava pedindo a ouvinte namoro, mesmo sem está-lo. Tudo
foi ajeitado mas só faltou o detalhe de me contarem. E a situação era
irreversível, pois as amigas dela quase afundavam a calçada, de tanto passar
minuto a minuto em frente. Constrangido, formalizei aquilo tudo. E, ufa, trouxe
a primeira namorada para casa. O fiz porque havia gente demais envolvida e eu
teria que traçar uma estratégia para desconstruir aquilo tudo, sem enganar a
ninguém, principalmente à menina.
Tentei,
confesso que tentei. Aquela ouvinte, ora namorada, era uma negra linda,
simpática, um doce de pessoa. Mas, a diferença de idade nos colocava em lados
opostos, em realidades díspares demais. Tomei a iniciativa de terminar,
contrariado, apenas, pelo sentimento de compaixão por aquela menina de quem
gostava muito, como amigo mais velho. Isso tudo, quatro meses depois, com
direito a um Natal e um Ano Novo no meio.
Pulo o ano
de 1988 para chegar, então, a 1989. Eu fazia Tiro de Guerra e experimentava,
profissionalmente, entrar no mercado de comercialização de discos, os chamados
Long Play, ou, simplesmente, LP. Convidado por Mário e Regina, da Discoteka da
Cidade, entrei no ramo com um capital considerável: meu conhecimento em música.
Fazia boas vendas por saber atender às expectativas de clientes que entravam na
loja em dúvida sobre que LP ou fita K7 levar.
Atrás do
balcão conheci outra baixinha, negra, simpática, com sorriso igualmente
apaixonante. E um ano, só, mais nova do que eu. E, pelas mesmas razões que me
fazem pular o ano de 1988, com uma decepção amorosa recente. Conversa vai,
conversa vem e ficamos sabendo que estudamos na mesma escola, o Clybas, mas em
períodos adversos. Enquanto ela foi para lá para fazer o colegial no período da
manhã, justamente naquele ano eu tinha ido para a noite. Fomos, portanto,
amigos dos mesmos amigos. Lucimartelo, Sandrácula e outros eram vivências em
comum.
Muita
coisa coincidia em nossas vidas de jovens apaixonados, cada um com o seu
romance para contar. Naquela época eu tinha uma moto, uma DT 180 cuja fumaça
destruía qualquer banho recente tomado. Mas era o que se tinha para o momento e
com aquela barulhenta ferramenta de duas rodas eu e a baixinha rodávamos a
cidade, durante o dia ou durante a noite. Estávamos trabalhando, juntos, na
loja de discos Sertaneja, empreendimento que Mário e Regina haviam inaugurado
no Mercadão.
Boas e
sólidas amizades naquele pedaço que está fincado na raiz de Assis, o Mercadão.
Tínhamos vizinhos de comércio como Elisa, esposa de Mílton, gerente, então, da
Empresa Elétrica, a EEVP, proprietários de uma loja que vendia produtos para
higienização de piscinas. Lá tinha um funcionário de nome Sílvio, uma figura
carismática, com quem dávamos altas risadas nas paradas tardes sem venda, em
frente ao Bar do Vicente. Do lado de cima da loja tinha Rosete, irmã de Elias,
que com um humor incomparável se sobrepunha à difícil rotina de cuidar de pai e
irmãos sozinha, além de ajudar a administrar a loja de confecções. Do outro
lado da rua tínhamos a família Nucci, em especial Mauricião, que volta e meia
atravessava a via numa dessas tardes de venda zero e contava uma anedota, quase
sempre sem graça.
Todos
esses amigos e muitos outros prenunciavam o que entendiam como óbvio: o meu
namoro com aquela baixinha com quem trabalhava. Nossa amizade, contudo, impedia
que sequer entrássemos nos detalhes daquele tipo de comentário. Nos víamos
amigos, e não enamorados. Não ficávamos um sábado sequer sem sair, juntos, à
noite, seja indo ao Gaudério, ao Rancho, em Paraguaçu Paulista, ou ao Brasacan,
em ocasiões mais raras. Nos gostávamos, não nos largávamos, porém não
namorávamos, contrariando a todos.
Um dia a
baixinha chegou em mim e disse que não daria para sairmos naquele final de
semana. Era um sábado e, à noite, ela atenderia a um convite para ir ao Fofão
Lanches, na avenda. O autor do convite e eu conhecia e, inclusive, já havia
percebido enquanto visitante frequente, à loja, naqueles dias. Um cara pouco
mais velho do que eu, do meu círculo de colegas e com uma moto mais nova, mais
potente e menos fétida do que a minha.
Pronto.
Fiquei sem chão. O que eu iria fazer sozinho naquele final de semana? Para
minha sorte a loja abria aos domingos. Meia sorte, pois aos domingos eu, que
era cabo, tinha obrigações a cumprir no Tiro de Guerra, até as 9 horas. Menos
de 9h05 eu estava na loja. E a baixinha, ufa, estava sozinha. Com o jeitinho
dela, ouvia um disco enquanto tirava uma poeira daqui, ajeitava um disco ali,
enfim, preparava a loja para o movimento. Pelo semblante, algo havia dado
errado na noite anterior.
No
decorrer daquela penúltima semana de agosto de 1989 eu fui sabendo, aos poucos,
os atos falhos do galã da moto preta mais nova que a minha. Que continuava a
passar em frente à loja, ora descendo, ora entrando nos comércios dos
arredores. E a cada passada, eu percebia, os olhinhos da baixinha acompanhavam.
Aqui, por dentro, bateu aquela angústia. Estaria, eu, perdendo minha amiga,
minha companhia, a pessoa que tão bem me ouvia e a quem eu ouvia tanto? Que
nada! Estratégia à vista, papel na mão e uma articulação metódica.
Na
segunda-feira daquela semana levei para a loja um pedaço de pudim caseiro. Nas
minhas palavras era um pudim feito por minha mãe e dedicado a ela, a baixinha, enquanto
na realidade era um pudim que minha cunhada havia feito e, com receita
questionável, sobrado na geladeira no domingo anterior. Na quarta-feira, vendo
o predador rodeando demais e perigosamente a presa, fiquei na loja depois das
18h00, sozinho. Peguei um pedaço de papel de presente, desses que vêm em rolo,
e escrevi algumas palavras para a baixinha. Coloquei a agulha do toca-discos na
última faixa do lado A do disco do Grupo Minuano, intitulada “Te amo guria”
(ouça aqui: http://www.youtube.com/watch?v=HaJnYRw5otc). Era só ela chegar à loja naquela
quinta-feira, olhar sobre o balcão, ler o que eu havia escrito, ligar o
toca-discos e ouvir, em forma de música, a declaração.
Nas
palavras escritas mais uma mentirinha envolvendo minha mãe. Eu dizia à baixinha
que minha mãe, já separada de meu pai, a convidava para jantar naquela
quinta-feira, 24 de agosto de 1989. Eu, na realidade, avisei minha mãe que
levaria aquela minha amiga do peito para jantar. Inventei, portanto, esse
convite. Sim, admito: menti para a duas.
Naquela
quinta-feira, 24 de agosto de 1989, cheguei à loja às 9 horas, depois de sair
do Tiro de Guerra. A vizinhança já sabia do teor da minha carta e do desfecho
daquela escrita, que dava tempo até o final da noite para um aceite ou uma
recusa a meu pedido de namoro. Era a noite do penúltimo capítulo da novela “O
Salvador da Pátria”, que assistimos após o jantar na casa de minha mãe. Minha
mãe, aliás, que não sabia de nada, mesmo sabendo, mãe que era e é.
Terminada
a novela, fomos embora, sob o olhar penetrante de minha mãe. Deixei a baixinha
na casa dela e, enquanto ouvia que sim, estávamos iniciando o namoro, minha a
partir de então sogra apareceu, vindo da escola onde estudava, deu boa noite e
entrou.
A partir
daquele 24 de agosto de 1989 meu colega da moto preta ainda passou algumas
vezes em frente à loja, esboçou uma tentativa de insistência no erro, mas se
deu conta de que ali nascia um grande amor e ele, óbvio, não era protagonista.
Um amor fincado na amizade, vivido por duas pessoas que aos olhos de muitos não
se entendiam mas que, na realidade, encontravam no diálogo, na comunicação, o
caminho para expor as diferenças, entende-las e superadas.
Aquela
baixinha responde pelo nome de Rozana e até hoje, passados quase 23 anos desde
o início de tudo, responde como minha esposa. Do início do namoro ao noivado e
ao casamento tivemos, cada um, uma oportunidade de meter o pé no rabo do outro.
Mas sempre voltamos. Dois finais de namoro, dois recomeços e entendemos
definitivamente o quanto somos, cada um ao seu jeito, importantes um para com o
outro e, a partir de 1994, para a nossa família Lopes Messias.
Lá no
início, no título deste longo texto, eu me referi que entre meus dois
casamentos havia uma Dia dos Namorados no meio. Eu e Rozana casamos no civil no
dia 28 de maio e, por falta de calendário nas paróquias de Assis no mês de maio
daquele 1994, no religioso no frio 25 de junho, cuja madrugada recebeu a última
geada negra do século passado. Católicos que somos, unimos nossos corpos num só
exatamente na celebração do matrimônio, ou seja, passamos a viver sob o mesmo
teto, dividir a mesma cama, naquele 25 de junho. Em 12 de junho de 1994,
portanto, éramos namorados exatamente no meio de dois casamentos.
E sabe a
Vanisleia, a magricela que era amiga de Sônia? É prima de Rozana.
*Jornalista,
historiador e professor universitário, é mestre em Ciências da Comunicação pela
ECA/USP.
FISCALIZAÇÃO ELETRÔNICA
DIVISÃO
A
diretoria do Assis Tênis Clube está recadastrando os profissionais de Educação
Física que atendem sócios na academia do clube porém não figuram no quadro de
associados. No recadastramento o personal trainer tem não só de apresentar
formação superior que o habilite para a função, mas, principalmente, comprovar
registro junto ao Conselho Regional de Educação Física.
SOBRA
Levantamento
preliminar aponta mais de 50 profissionais do gênero atuando na academia do
ATC. Convocados, somente 20% compareceram à secretaria do clube para
regularizar a documentação. São estudadas formas que regulamentem a atuação de
tais educadores físicos e, ao mesmo tempo, representem compensação financeira
para orientação na academia, uma vez que cada sócio paga, em média, de R$ 20 a
até R$ 50 por cada sessão de atendimento personalizado dentro do clube.
NO PAPEL
Aquele que
no meu entender é a mais promissora revelação da literatura assisense nas
últimas décadas está prestes a lançar o primeiro livro. Recomendo atenção para
o vindouro livro de Kallil Dib, colunista aqui neste Assiscity e dono de um
texto que é deleite puro, com o perdão do trocadilho. Kallil é quartoanista da
derradeira turma de Jornalismo da Fema.
BOLA TODA I
Outro
estudante de Jornalismo que está usando a criatividade para coletar dados
visando à elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso na Fema é Nestário Luiz.
O estudante sorteará, no dia 2 de julho, uma bola Penalty entre os internautas
que enviarem mensagem eletrônica para o endereço circuitoesportivo@femanet.com.br.
BOLA TODA II
Nestário é
um dos apresentadores do programa Circuito Esportivo, que vai ao ar às
segundas-feiras, das 18 às 19 horas, na rádio Fema FM 105,9. Em seu TCC ele faz
uma avaliação sobre o perfil de audiência do programa esportivo, que está no ar
há 4 anos.
AGORA, SIM
O
engenheiro de gravação Faustinho Nóbile comemora o lançamento da trilha sonora
da novela Carrossel, pelo selo SBT Music. Das 18 faixas do CD, 14 passaram
pelas habilidosas mãos do assisense. Trabalho conjunto com magos como Arnaldo
Sccomani, Sidnei Santoro, Laércio Ferreira e Ney Marques.
GÁS
Meu amigo Emílson
Cavalcante deixará um pouco de lado a rotina de agência, na MCP, e de docência,
na Unip, para encarar, em 4 de novembro, a Maratona de Nova Iorque, nos Estados
Unidos. Parceiro, entre outros, de Lúcio Coelho, o fotógrafo, nas pistas, o
publicitário será um dos 47 mil inscritos para percorrer os 42 km que passam
por quatro distritos da cidade norte-americana.
TEM MAIS POR AÍ
O
ex-deputado Paulo Lima continua de olho em fatia do mercado televisivo na macro
região de Marília. Depois de, em 1996, investir na tentativa de desmembrar
parte da antiga TV Modelo e incorporar à TV Fronteira, o empresário deu um
tempo. Agora, mira novamente a expansão de sua área de cobertura.
SOBRIEDADE
Recebi, e
agradeço, convite para visitar a loja Centauro do Catuaí Shopping.
JORNAL DA SEGUNDA
A edição
impressa do jornal impresso de maior credibilidade de Assis voltou a ganhar
periodicidade semanal, ao passo que a versão online acumula queda no volume de
acessos. Na semana passada a média de acessos, pressionada pelo feriadão, ficou
abaixo dos 950/dia.
CARA NOVA
As
instalações internas do Mercadão foram totalmente reformadas. A pintura, nova,
dá outro aspecto, de limpeza, ao local. Em tempos de revigoramento do comércio
da Marechal Deodoro é bom ficar de olho em ponto comercial naquele que é o mais
antigo empreendimento do gênero da região.
PISADA
Pedi, dia
desses, esfirra em tradicional empresa que oferece o serviço de entrega em
domicílio na cidade. Uma hora e quarenta minutos depois, liguei cancelando. E
de imediato pedi uma pizza em estabelecimento da Dom Antonio. Pizza,
encomendada, chegou junto com as esfirras, canceladas. E vinte minutos depois.
CARDÁPIO
Já
estamos, em casa, com dois dos sete dias da semana tendo peixe no cardápio.
Assim, restam dois dias para o frango, um para o porco e dois para o boi. Na
eliminação do cardápio diário estão fora o açúcar, o sal e o óleo.
CÁ ENTRE NÓS...
...
fazenda de R$ 2,5 milhões em MS comprada com salário temporário de R$ 7
mil/mês?
CONTRAPONTO
Os dois
devem continuar discutindo assuntos relacionados a política no espaço que o
pós-morte lhes reservou, mas em 1988 Celso Camilo Costo e Nelson Fernandes, o
Bentinho, se encontraram na minha redação, na rádio Cultura, numa tarde de
pagamento. A época era de inflação alta e quem recebesse o pagamento em um dia
e depositasse na conta bancária no outro perdia algo em torno de 8%, tamanha
era a desvalorização implicada pelo alto custo de vida. Bentinho fora receber o
salário, enquanto Celsão ocupava sua cadeira na redação para, entre um Hilton
longo e outro, esbaforir fumaça e provocações a quem na frente aparecesse nas
tradicionais tardes de suas idas à emissora. E lá estava Bentinho, com o
pinga-sangue Notícias Populares em mãos, exalando cheiro da água-ardente que
consumira no caminho. Estava quietinho no canto dele, enquanto eu, na minha
Olivetti, fazia os boletins informativos da tarde. Celsão, depois de uma
ligação, muito provavelmente para o Braga, da Braga Máquinas, vira-se para
trás, fixa o olhar 43 em mim e lasca: “Já imaginou a Rádio Cultura sem o Celso
Camilo Costa?”. Nem deu tempo de eu aspirar ar e Bentinho, de imediato,
complementou, cutucando-me pelo cotovelo: “Já imaginou o Celso Camilo Costa sem
a Rádio Cultura?”. Silêncio na redação, mais um Hilton longo aceso e lá foi
Celsão, calado, amassar o ódio na pequena sala ao lado da redação, quando a
Cultura AM/FM ainda funcionava na Capitão Francisco Rodrigues Garcia.
Um comentário :
Que bom...bom mesmo ler isso!
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