20 Setembro 2011
Ninguém mais quer ser pedreiro em Assis?
Cláudio Messias, historiador, jornalista, professor
universitário e educomunicador.
Iniciamos, em casa, uma reforma programada para durar vinte
semanas. Antes, fizemos o planejamento da obra. Arquiteto contratado, recebemos
a recomendação de, também, solicitar o serviço de um engenheiro civil. Todas as
plantas nas mãos (hidráulica, elétrica, estrutural e física), documentação
regularizada junto ao CREA e à Prefeitura, demos largada à nossa saga: reformar
a casa morando nela.
Amigos que passaram recentemente pela experiência de
reformar e/ou construir prenunciaram diversos tipos de caos, agora confirmados:
o orçamento estoura, os prazos são dilatados e a paciência esgota-se
concomitante ao esvaziamento de seu crédito bancário. Até aí, tudo bem. Não
posso me dizer desavisado. O que ninguém me avisou, talvez por também
desconhecer essa realidade, é que pedreiro é um profissional em extinção. Não,
não é exagero. Ninguém mais quer ser pedreiro. Preconceito ou distinção em relação
a essa honrosa profissão? Não. Vamos contextualizar.
Meu construtor contratado é da nossa confiança há mais de
dez anos. Com os projetos em mãos ele nos passou um orçamento inicialmente
questionado mas posteriormente, sob conselhos de arquiteto e engenheiro,
aprovado de maneira a arredondar o valor para mais. Sim, me convenci de que o
desafio da obra era grande e deveríamos pagar até a mais.
Na vida é assim: só percebemos que existe um pé de Ipê
quando ele, entre o outono e o inverno, dá suas lindas floradas brancas, rosas,
amarelas ou roxas. Ademais, é uma planta até certo ponto feia, desajeitada. O
que isso tem a ver com a minha ou qualquer outra obra? Igualmente, só
percebemos o espetáculo que envolve uma obra quando a vivenciamos de perto.
Principalmente se o prédio reformado for a sua casa, a sua morada. Afora isso,
qualquer obra é até4 certo ponto feia, desajeitada e torna-se bonita, florida,
quando pronta, acabada.
Desde que a obra começou já vi um sem-número de serventes e
pedreiros passando por cômodos onde antes foram nossa sala, o quarto de nossos
filhos, o banheiro coletivo. A rotatividade é grande. O construtor não muda,
mas os demais... E isso me intrigou um pouco. Chamei o construtor para
conversar e perguntei o por quê daquela situação, até porque teve dia (7 até
agora) que a obra simplesmente parou por insuficiência de mão-de-obra. “Ninguém
mais quer ser pedreiro, Cláudio”, me disse, já conformado, o chefe da tropa.
E por que ninguém quereria ser pedreiro? Vamos, por partes,
ao perfil dessa profissão para tentar entender essa incógnita. Se você decide
aprender a práxis da construção civil e não quer fazer um dos diversos cursos
profissionalizantes que existem na cidade e na região, vai para o canteiro de
obras ser servente, ou seja, pegar pesado. Na divisão de classes o servente é
aspirante de pedreiro. Abre a cova para que este levante o alicerce. Alicerce
este cuja massa, concreto e ferragem também são preparados pelo servente e
aplicados pelo pedreiro. E este pedreiro é um só? Não. Há o pedreiro que
assenta tijolos, o que reboca paredes e o que dá acabamento. Afora isso tem o
serviço do encanador, do eletricista e do carpinteiro. E, claro, do pintor.
Todos sob supervisão do construtor, sendo, este, um profissional que geralmente
foi servente há 20 ou 30 anos atrás, quando quis aprender o ofício.
E quanto ganha um servente ou um pedreiro? Na média,
respectivamente, R$ 35 e R$ 75 por dia. Quantos dias eles trabalham? Cinco ou,
em alguns casos, seis dias, entrando às 7h00 e saindo às 17h00, com uma hora de
intervalo para almoço. Um servente, portanto, ganha de R$ 175 a R$ 210 por
semana, ou de R$ 700 a R$ 840 por mês. Já o pedreiro ganha de R$ 375 a R$ 450
por semana, ou R$ 1.500 a R$ 1.800 por mês. O construtor que faz a gestão da
empreita ganha o que restar disso, fixando o valor por metro quadrado
trabalhado.
Voltemos ao início dessa interessante divisão de classe. Um
servente que não se acomode na função pode tornar-se um pedreiro caso queira
aprender o ofício que está à sua frente. Ou seja, mais que dobra o ganho se
acaso aperfeiçoar-se no ramo que escolheu para trabalhar.
E você pode estar me perguntando: e por que pedreiro é um
profissional em extinção, como disse meu construtor, responsável pela empreita,
se há tantas obras espalhadas pela cidade? Realmente, é complicado entender
isso, mas com esforço chegamos lá. Complicado porque na ponta do lápis um
servente ganha mais do que uma empregada doméstica que fica na labuta 8 horas
por dia e recebe um salário mínimo por mês. Um pedreiro ganha o equivalente a
um jornalista em início de carreira em emissoras de rádio, e TV ou jornais do
interior de São Paulo. E o construtor, desde que administre bem a obra, tem
lucro maior do que muito microempresário esfolado por taxas e impostos.
A explicação que encontro para esse fenômeno está na
educação. É observando e comprovando que a classe média realmente aumentou, ou
seja, que cada vez mais cidadãos deixaram a condição de pobreza extrema, que
entendemos que a educação, no Brasil, está timidamente avançando. Timidamente,
mas com profundidade. Com nível de escolaridade melhor as aspirações por uma
profissão menos sacrificante aumentam.
Nos anos 1990 uma grande usina da região investiu na
formação dos seus profissionais, especialmente os cortadores de cana. O
objetivo era, também, dar qualificação para que a mão-de-obra existente
estivesse preparada para a mecanização da colheita da cana de açúcar.
Resultado: poucos ou quase ninguém mais quer cortar cana à mão. Igualmente,
buscam-se maiores e melhores aspirações profissionais. Sai-se ainda mais do
campo e busca-se emprego na cidade. Emprego de pedreiro? Não. Emprego que as
inúmeras oportunidades de cursar o nível superior propiciam.
Se os pedreiros vão acabar eu não sei. Mas que estamos
vivenciando algo que, por exemplo, economias fortes como a do Japão experimentaram
décadas atrás, isso estamos. Basta olhar para o perfil de nossos cortadores de
cana e veremos muitos maranhenses, enfim, nordestinos vindos de longe. Eles vêm
cortar a cana que os escolarizados daqui preferem não cortar para inserirem-se
no mercado que a qualificação lhes proporciona.
Um dia vimos nossos parentes indo para o Japão em busca de
emprego e renda melhores. Não seriam, estes brasileiros, os maranhenses que
hoje vêm cortar a cana que preterimos como profissão? Eu acho que sim, pois
nossos brasileiros, menos qualificados, aceitavam fazer o que os japoneses,
qualificados, preteriam.
Algo a refletir e aplausos a reservar a quem na sala de aula
rompe paradigmas em busca de uma educação de melhor qualidade: os educadores. É
o ensino de qualidade que está fazendo a diferença na vida de um número cada
vez maior de assisenses brasileiros. E como disse o engenheiro que fez nosso
projeto estrutural, o risco é que daqui a dez, vinte anos tenhamos de comprar a
casa pré-moldada. Quem trabalhará nessas fábricas, comandando máquinas, aqueles
que se não fosse a educação de intervenção ficariam eternamente sendo pedreiros
fincados no mercado informal.
Pergunta básica: você já abraçou um professor hoje? Assim
que puder, o faça, pois este profissional está mudando a realidade social à sua
volta.
PAREM O MUNDO QUE EU QUERO DESCER!
Não ouvi a entrevista dada por Beleco ao repórter Alves
Barreto, na Cultura AM, mas li a respeito no Jornal da Segunda. Ele chama de
burrice as realmente trágicas mudanças a que está sendo submetido o trânsito de
Assis nas últimas semanas. Mas, relembremos, Beleco também foi, na equipe do
ex-prefeito Romeu Bolfarini, responsável pelo trânsito desta Sucupira do Vale
chamada Assis. E iguais alterações de sentido de direção de ruas e avenidas
foram feitas lá pelos idos da década de 1990, revoltando, idem, alguns
comerciantes, condutores e transeuntes. Burrice, então, é algo realmente
preocupante, pois além de estragar o trânsito apaga a lembrança da mente de
seus portadores.
ETERNO RETORNO
Assumi, há duas semanas, aulas no curso de Jornalismo da
Fema, em Assis. Uma turma muito boa, no terceiro e penúltimo ano, composta por,
assim dizer, já jornalistas. Há um significado muito especial, para mim, neste
desafio. Remonto uma situação que em 1995 colocou-me com dona Cida Santilli e o
então secretário da Educação do município, José Luiz Guimarães, homem de
confiança de seo Zeca Santilli. Na ocasião, na chácara da família Santilli,
atrás do Centro Social Urbano, recebi a incumbência de produzir uma carta de
intenção na representação de jornalistas da região. Tal documento seria anexado
ao projeto pedagógico de implantação do curso de Comunicação Social com
habilitação em Jornalismo, que passou pelos trâmites dos conselhos estadual e
nacional de Educação, até chegar ao MEC. Naquela época eu era supervisor da
sucursal de Assis do jornal Oeste Notícias, de Presidente Prudente, e sonhava
com a graduação em Jornalismo na minha cidade natal. Quis o destino que minha
graduação fosse em História, na Unesp local. Hoje, passados 25 anos desde meu
primeiro emprego como redator na rádio Cultura de Assis AM/FM, concluo mestrado
em Ciências da Comunicação pela USP, confirmando uma vontade de dona Cida, seo
Zeca e Zé Luiz Guimarães: “vá ser um teórico da comunicação”. Aonde quer que os
três estejam agora, em alma, sabem que Deus providenciou o retorno.
Até a próxima coluna, corajosos leitores.
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