quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A triste notícia da morte de um jovem de 18 anos


31 Janeiro 2013


Cláudio Messias*




Passei por situações de demissão por mais de uma vez nessa vida de quase 43 anos de idade. Ora pedi, ora me demitiram. No balanço geral, prefiro recordar das vezes em que fui demitido, pois meus pedidos de saída ou eram motivados por propostas para trabalhar em outras empresas ou simplesmente encerravam, conscientemente, determinados tipos de passagem por organizações. Ser demitido significa que você não faz mais parte dos planos de determinada organização, o que por incrível que pareça pode ser ótimo. Explico ao longo desse texto.

Nessa quarta-feira, dia 30 de janeiro de 2013, fiquei sabendo de uma senhora demissão de jornalistas. De uma vez só, todos, mas exatamente todos os funcionários do jornal Oeste Notícias, de Presidente Prudente/SP, foram comunicados da demissão. Simplesmente, deixaram de figurar nos planos daquele que um dia foi chamado de Grupo Oliveira Lima, resultado da divisão societária familiar de Agripino e Paulo Lima, respectivamente pai e filho. Nos últimos anos, somente Paulo e a esposa Luciane faziam a gestão do impresso. Mais ela do que ele, e, o que é pior, com uma paciência cada vez mais esgotada para os resultados obtidos. Claro, resultados financeiros.

O fechamento, por mais que fosse iminente, chocou a todos. Tal qual a vida, estamos acostumados e preparados para o espetáculo de olhos abertos, sorriso saudável e semblante reluzente. Ver, testemunhar um fim, tem impacto ruim, incomoda. Ainda mais quando envolve algo tão novo e atinge muitas, mas muitas vidas, direta ou indiretamente. O fechamento do Oeste Notícias, a meu ver, é uma morte simbólica que corresponde a um jovem de 18 anos. O jornal nasceu no dia 1º de fevereiro de 1995 e deixou de estar entre nós neste 31 de janeiro de 2013. Paulo Lima praticou metaforicamente a eutanásia de sua empresa sob a fria estratégia de interromper a circulação quando completados 18 anos. Nem esperou que o Oeste fizesse alistamento.

Fui funcionário do Oeste Notícias no período de outubro de 1995 a março de 1997. Era supervisor da sucursal de Assis/SP e acumulava a função de repórter. Meu contato inicial foi comercial, mas tive o respaldo de contratação de Júlio Cézar Garcia e Ulisses de Souza, respectivamente editor-adjunto e editor executivo do jornal. A ponte foi outra plataforma já extinta, ou seja, a Ficar, que em 1995 estava na oitava edição. Através da agência de propaganda MCP eu fiz assessoria de imprensa para a feira e, conhecedor dos projetos de expansão do então recém-criado Oeste Notícias, cuidei dos contatos para trazer o jornal ao evento.

O projeto de Paulo Lima, à época deputado federal pelo extinto PFL – hoje DEM -, era ousado. Além de Assis, sucursais em Dracena, Tupã, Epitácio, Marília, Rio Preto e Ourinhos. Somente Assis e Tupã deram certo, ainda assim, mais a primeira do que a segunda. Foi a política de Paulo Lima que inviabilizou o projeto em sua integridade. Ele e o pai, Agripino, nunca se entenderam em família, pior ainda nos negócios e, fatalidade a exceder, na visão sobre veículos de comunicação. A gestão editorial de Júlio Garcia e Ulisses de Souza, ali, não completou dois anos, coincidindo com a frustração dos planos de expansão via sucursais. Os editores pediram demissão em um mês, eu em outro, rompendo com Agripino. E a vida seguiu.

Meses depois de minha saída da sucursal de Assis o escritório fechou as portas, algo em torno de um ano e meio subsequente. Não sem antes já ter abocanhado uma fatia de mercado publicitário que resultou no fechamento de outro negócio jornalístico familiar semelhante, a Gazeta do Vale. Assisti a isso tudo estando vinculado ao único jornal que continuou a sobreviver no mercado editorial de Assis em 1998: Voz da Terra. No espaço de 12 meses Assis viu fechar Gazeta e a sucursal do Oeste Notícias, voltando a ter apenas um jornal diário em circulação. Ali, a marca Voz da Terra atingiu aquele que acredito ter sido o auge de valorização de sua marca, principalmente pela “ameaça” que significou a vinda do Oeste Notícias para a região. Ou seja, apesar do poder, do dinheiro e da qualidade gráfica do Oeste, VT perseverou e, tal qual Davi, golpeou Golias.

Compúnhamos uma equipe de assisenses que, no Oeste Notícias, era chamada de Máfia de Assis. Tínhamos Reinaldo Nunes, Paulo Tito, Paulo Godoy, José Arthur Gonçalves e Júlio Garcia. Éramos Seis, para parodiar a literatura de Maria José Dupré. Debandamos todos concomitantemente. E sempre ouvi, depois, que aquele grupo era primordial o suficiente para a vitalidade do jornal, de maneira que a desconfiguração do trabalho coletivo realizado surtiria resultados irreparáveis. Um deles, a iminência de fechamento.

Em 2005 e 2006 fiquei no quase-retorno ao Oeste Notícias. Assumiria funções de jornalismo comercial, editoria que aprimorei durante passagem pela imprensa de Marília na primeira metade da década de 2000. Alguns dias de vivência na empresa que quase dez anos antes me contratara e dara a condição de registro, em memória, do melhor emprego de jornalista de minha vida profissional. Frustrante, contudo, ver a pobreza tanto editorial quanto comercial do jornal. Tudo bem, o Oeste nunca deu um centavo de lucro, ou seja, em seus 18 anos de vida jamais faturou 1 real a mais do que custou à família Lima. Mas, em 2005 a disparidade receita/despesa gerava um abismo complicado ainda mais pelo fato de Paulo Lima amargar a pior decadência de capital político de sua vida, não conseguindo a reeleição como deputado federal e, pior, vendo seu nome em condição secundária e até mesmo terciária no cenário político do Vale do Paranapanema, seu berço eleitoral.

De 2008 a 2010 faço retorno ao mercado de trabalho prudentino, agora como professor universitário. Docente no curso de Jornalismo da Uniesp, quando assumi a função de coordenador, em julho de 2009, contratei imediatamente para nosso time o competente André Barbosa, que na equipe de fundação do Oeste Notícias era um menino paparicado por todos da “máfia”. Especialista (lato sensu) pela Unoeste, ele contribuiu sobremaneira na formação de nossos discentes. E já naquela época sinalizava para situações nada favoráveis relacionadas à vitalidade do jornal.

Nesses 18 anos em que sobreviveu, o Oeste Notícias teve quase duas dezenas de gestores, tanto na linha editorial quanto na comercial, Exceto nas equipes iniciais, no restante Paulo Lima colocou, no comando, pessoas que não tinham competência nem para operar suas estratégias políticas, como comprovam os resultados das últimas eleições gerais que disputou para deputado federal, quiçá para viabilizar um jornal diário com circulação regional. Essa série sucessiva de tropeços deu dinheiro a muito gestor-amigo, mas representou a excessiva retirada de capitais financeiro e de credibilidade do jornal de Paulo Lima. Ao ponto de, nos últimos anos, Luciane Lima ter assumido o comando geral e misturado vida familiar com vida editorial. A primeira ela com certeza administra com competência.

Em 2012 o jornal deu o primeiro sinal de tentativa desesperada de permanecer no mercado. Ulisses de Souza voltou mais uma vez ao comando editorial e, com a competência que lhe é peculiar, inovou ao criar a versão digital para atender assinantes. Chegou aos 65 mil acessos em um só mês, ou seja, outubro de 2012, e desde então mantinha a média mensal de 50 mil leituras do conteúdo online. Ao todo, tinha 125 pontos de leitura e comercializava a versão impressa em 76 pontos de venda. Números que poderiam ser um grande atrativo para os olhos do mercado publicitário mas que com certeza não foram transformados em capital simbólico pela equipe que fatalmente ajudou a bater o martelo e, assim, decidir pela eutanásia desse jovem que, de 18 anos, há um bom tempo respirava à base de aparelhos.

* Professor universitário, historiador e jornalista, é mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.


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