25 Outubro 2011
De Assis e do mundo: verdades, incertezas e
construção de sentidos
Cláudio Messias*
Passei mais da metade da minha vida enfiado em
redações. Comecei no rádio, como já disse aqui neste espaço virtual, numa época
em que fumava pelo nariz os cigarros Hilton longo devorados por Celso Camilo
Costa Pinto, cuja sigla formada pelas iniciais, naqueles anos de 1980,
correspondia, e bem, ao período final da Guerra Fria: CCCP. Em duas décadas e
meia transitando das hoje velhas, mas na época novíssimas máquinas Olivetti –
devo ter até hoje minúsculas partículas, enfiadas nas digitais, oriundas
daquelas malditas fitas nas cores vermelho e preto, que escapavam dos ‘guias’ e
tinham de ser desastrosamente acertadas em um jogo de habilidade para não
arrancar a cutícula das unhas e/ou lascar estas o suficiente para dar socos
naquelas tampas que, não por acaso, eram feitas de material mais resistente que
o restante da ‘capa’ – para os computadores em rede, escrevi textos lidos na
infinitude das ondas eletromagnéticas do rádio, em páginas impressas e nas
telas analógicas da TV e digitais da internet.
Desde bem cedo houve a doma. Aprendiz que era de
redação, logo aos 15 anos soube, simultaneamente, que batom na cueca é um
problema, assim como andar sem portar documento de madrugada e, pior, dizer a
verdade não representa que haja verdade no enunciado. Vou ficar com o terceiro
e talvez menos importante dos elementos deste excerto. Prefiro falar das
verdades que ora ficaram sepultadas no passado, ora vejo repetidas em um eterno
retorno que deixaria Schopenhauer mais arrepiado do que naturalmente foi.
Observar a comunicação é um fascínio que descobri
ainda criança. Ficava maravilhado com o fato de uma bostinha de um aparelho,
que cabia na palma das mãos, tocar as músicas que eu ora gostava, ora odiava.
E, como podia? Uma ou mais pessoas caberem ali dentro? Elucubrações de um
pequeno e tolo ser de, sei lá, uns 4 anos de idade. Meu ídolo era Lourival
Servilha, a quem minha mãe ouvia lavando ora nossas roupas, ora as de famílias
que a contratavam como lavadeira.
Mal sabia, eu, que dali a então 10 anos eu estaria
dentro daquele aparelho, produzindo as notícias que naquela mesma rádio Cultura
AM em que escutara músicas e vozes eram lançadas ao infinito. Meu ídolo, uma
pena, já havia partido desta vida e não encontrei lá dentro daquela caixinha.
Mas, ufa!, havia Luiz Luz e Chico de Assis para compensar.
Vinte anos depois eu já havia trocado as ondas do
rádio pelas páginas impressas dos jornais. Trinta anos depois? Estava, no mesmo
campo da comunicação, atuando na condição de relações públicas. E quarenta anos
depois? Calma, ainda tenho 41 e faltam quatro anos para saber. Mas, uma coisa é
fato: meu fascínio pela comunicação continua.
Estou às vésperas de iniciar meu doutorado nas
Ciências da Comunicação. De aprendiz passei a aprendido. Desde 2006, nesse
ínterim, vivencio a realidade de quem ensina; contribui para a construção de
conhecimento. E não vejo desafio maior, na função tanto de editor quanto de
professor universitário, do que tratar a verdade enquanto elemento primordial
do Jornalismo àqueles dispostos a aprender.
Em 1986 estourou um escândalo envolvendo o DER, o
ex-governador Orestes Quércia e alguns personagens políticos com vínculo direto
ou indireto ao Vale do Paranapanema. Era meu primeiro ano como redator e editor
do Jornal Cultura Notícias. Celso Broa Camilo Costa adentrou à redação com a
delicadeza que lhe era peculiar, debruçou-se sobre a nobre e, diga-se de
passagem, resistente mesa onde estava minha Olivetti e exalando aquele inconfundível
perfume comprado em catálogo afirmou: “não sai uma linha sobre o Quércia”. Na
edição do dia do Estadão tinha uma reportagem de página inteira, mostrando umas
cercas com pilares de concreto que demarcavam uma fazenda de Quércia e tinham
três letras estampadas em forma: D E R (dê, ê, erre). Fiz uma nota resumida,
coloquei no informativo das 10h00 e continuei preparando o jornal do meio-dia.
Às 10h02 José Carlos Domingos, o Pé na Cova,
chama-me, por ramal, à sua central técnica. Broa, ou seja, Celsão, pedia minha
presença no rádio interno de comunicação. Em seu Comodoro marrom metálico ele
delicadamente dizia, via HT, que não era para eu ter colocado aquela notícia. A
esse ato, segundo ele, falho, um estereótipo: burro. Tudo bem (bem o escambau!):
eu era burro por ter resumido uma notícia publicada pelo Estadão e que envolvia
Quércia. Qual Quico, do mexicano Chaves, magoei. E fui chorar as pitangas a
Eduardo de Camargo Neto, para mim o príncipe da porcada porque havia sido o
responsável pela minha contratação. Digo príncipe porque o rei era o ‘chefe’
Toninho Camargo.
O hoje Camarguinho, já quase rei da porcada a que
metaforicamente me referi, disse-me coisas que horas e dias depois foram
praticamente repetidas pelos demais interolucotres que àquele moleque ouviram
(sim, fiquei muito puto da cara por ter sido chamado de burro). “Cada um
defende o seu interesse; Celsão está defendendo o dele”. E quem era Celsão? O
vendedor de anúncios mais bem sucedido da emissora. Era só ir ao escritório,
pegar as faturas comerciais com Rosinha e fazer uma pirâmide imagética: no
topo, com as melhores vendas e consequentemente as comissões mais polpudas,
estava Celsão. No pé daquela pirâmide, coitada, estava minha irmã, que suava
para pagar as mensalidades da faculdade de Educação Física agregando comissão de
vendas ao salário de recepcionista da emissora.
Entre Celsão e minha irmã, claro, mandava Celsão –
na rádio, pois em casa eu, caçula, sempre era hierarquicamente inferior a esta
segunda. Mandava prender, como diziam, numa alusão ao poder da língua de fogo
do homem por muitos apelidado ou intitulado de Comendador. Desde os primórdios,
portanto, mandava quem podia e obedecia quem tinha juízo. Sim, estou assumindo:
nunca tive muito juízo.
Cito esse exemplo para ilustrar o poder existente
no discurso das mídias. Durante muito tempo o rádio reinou como veículo dono da
verdade nos municípios do interior. Tal poder ainda existe, mas, dada a
abertura das novas mídias, está gradativamente enfraquecendo.
Quando chegávamos à redação, nas manhãs, o início
de conversa não era “o que aconteceu”, mas, sim, “o que podemos divulgar”.
Minha estratégia: eu nunca perguntava o que tinha acontecido. Quando cobrado,
tinha posição: eu não sabia que não era para divulgar.
Esse cinismo tem prazo curto de validade. Uma vez,
dá certo. Lá pela quarta ou quinta vezes já não cola mais. Daí a explicação
para a alta rotatividade de minha presença em empresas de comunicação. Não vou
elencar todas aqui – até porque estou lotando a segunda carteira profissional
-, mas só pela rádio Cultura eu passei quatro vezes. Em uma delas fui demitido.
A mando de quem? Celso Camilo Costa. E eu e Toninho Camargo acabamos decidindo
o resultado disso na Justiça do Trabalho. Nada que impedisse que eu retornasse
à emissora depois nem que tomasse uma ou outra cerveja com o próprio ‘chefe’,
Camarguinho ou Zé Pecado. Nem, também, que impedisse a trajetória de Celsão.
Quem ouve rádio, lê jornal ou assiste TV só vê o
resultado da guerra; não vê a batalha que é fazer a gestão da comunicação
envolvida entre o registro do fato e a construção da notícia. Não sabe, por
exemplo, que por não ter ficado sabendo de uma determinada informação não
significará que aquilo não acontecera.
Em 18 de janeiro de 1994 muitos leitores de jornais
não teriam ficado sabendo, aqui na região, que Ayrton Senna chegou pela manhã
ao aeroporto estadual de Assis, pilotando o próprio jatinho, deslocou-se até
Cândido Mota, comprou alevinos para o pai, pescou e almoçou arroz, feijão e ovo
frito, e depois retornou a Tatuí, no final da tarde. Só a Gazeta do Vale
registrou aquela passagem, pois os concorrentes não acreditaram naquilo que de
início era um boato. Em outro texto conto os detalhes desse episódio,
vivenciado com o piscicultor Ivo Guiotti.
O importante, em tal contexto, é analisar quão
importante é a confiabilidade que se dá ao que é mediado por rádio, jornais e
TVs. Se um fato foge a essas mídias, é boato. Se está nelas, foi fato.
Poderia, aqui, ficar mais duas ou três partes
iguais a esta, escrevendo sobre as vivências que envolvem a mediação da
comunicação com base na verdade. O faço em outras ocasiões. O que quero
encerrar é um raciocínio que envolve a verdade absoluta presente no conceito de
legitimação de cada ponto de vista.
Tenho visto uma crise de identidade profunda nos
veículos de comunicação da região. Não por acaso, é cada vez mais frequente a
manifestação de usuários das redes sociais, criticando o papel da imprensa de
Assis e da região. Trinta anos atrás as pessoas comunicavam-se em comunidade,
comentando umas com as outras o que cada uma das partes poderia não saber e
seria, então, informado mutuamente. Hoje, qualquer informação pode ser checada
em segundos, via conteúdo online. Aqui no Assiscity havia fotos da desgraça
provocada pelo temporal do dia 14 de outubro, minutos após ou mesmo
simultaneamente ao fenômeno natural. Quem lê, consome o fato transformado em
notícia, já não recorre com tanta frequência, mais, ao “será que é isso
mesmo?”. Estamos na geração do “é isso, por isso”. Consumimos tecnologia como
nunca dantes, porém não ignoramos um fator base na construção da credibilidade:
o nível de verdade presente naquilo que lemos, assistimos ou ouvimos
midiaticamente.
Não se iludam, contudo, os mais entusiasmados. Do
ponto de vista da cultura ainda esbarramos em cristalizações. Engana-se quem
acha que a lavadeira que trabalhava ouvindo rádio e cantando, na década de
1970, hoje é aberta o suficiente para aceitar tudo que é construído para o
consumo. São os contrassensos da comunicação. Quem não via relações de
distinção no trato social com a personagem Tia Anastácia na primeira versão do
Sítio do Pica-pau Amarelo e considerava humor o que Didi fazia com Mussum, nos
Trapalhões, hoje fica indignado com a construção de sentidos presente na fala
de Rafinha Bastos e seu apetite completo por determinadas gestantes. O conceito
de verdade, portanto, perpassa por valores ora de quem enuncia, ora de quem é
enunciado e, ainda, ora de quem é enunciável. E se isso tudo for analisado numa
transposição do individual para o coletivo, a complexidade fica ainda mais
profunda.
FISCALIZAÇÃO ELETRÔNICA
FINAL CAIPIRA I
Jornalista esportivo amigo meu, da capital,
consultava-me, neste dia 23, sobre as condições do estádio Prudentão. Motivo:
pode ser lá, no dia 4 de dezembro, o jogo entre Corinthians x Palmeiras, pela
última rodada do Brasileirão.
FINAL CAIPIRA II
O Corinthians, mandante do jogo, aceitaria o confronto
em Prudente em duas situações. Primeira: se o clube, na penúltima rodada,
estiver em condições reais – e não matemáticas – de briga pelo título. Segunda:
se for mantida a cota de 95% de ingressos para o mandante, como determina o
Ministério Público para clássicos dos grandes da capital.
FINAL CAIPIRA III
O mando de jogo, em clássicos, é da Federação
Paulista de Futebol e da CBF, na ordem sucessiva. Há informação – não
confirmada – de que o único estádio com capacidade para mais de 45 mil pessoas
em condições de receber o jogo no Estado seria o de Prudente. O Morumbi é
preterido pelo Corinthians.
VITRINE
Reencontro virtualmente, aqui neste espaço, meu
amigo César Mendes, que teve passagem pela Antena Jovem FM no início da década
de 1990. Na época tínhamos Marcos Biondi como diretor artístico e produzíamos o
InformaSom, jornalístico das 7h00 às 8h00 que mesclava notícias locais e
regionais com músicas da MPB. César retornou a Ourinhos, onde tem uma produtora
que abastece mídias com audiovisual.
OFICINAS I
Em dezembro o conceito de Educomunicação se
espalhará pelo Brasil. Numa iniciativa da Universidade de São Paulo será
promovida a Virada Educomunicativa, com ações do gênero espalhadas por todo o
território nacional. Em Assis, serão desenvolvidas atividades na Escola
Estadual Léo Pizzato, onde desenvolvi o projeto Jornal D´Escola, de 2006 a
2008.
OFICINAS II
As atividades são parte do III Encontro Brasileiro
de Educomunicação, que acontecerá dias 2 e 3 de dezembro, na ECA/USP, na
capital. Educomunicação é a inter-relação entre os campos da comunicação e da
educação. Meus objetos de mestrado e doutorado na ECA.
PAREM O MUNDO PORQUE EU QUERO DESCER I
Durante a greve dos bancários não consegui pagar um
boleto devido a problemas teoricamente técnicos não só em um, mas em todos os
caixas eletrônicos em que fui numa determinada noite, numa agência da cidade.
Comuniquei a empresa onde comprei e soube que os títulos são lançados pelo
banco e ficam passíveis de protesto após não sei quantos dias. Hoje, recebo uma
carta do banco dizendo que se eu não pagasse até o dia 20 (SIM, EU DISSE DIA
20, e hoje é dia 25), iria a protesto.
PAREM O MUNDO PORQUE EU QUERO DESCER II
Na empresa, que fica em Marília, sou informado de
que é tarde, pois já está em cartório. Vou ao banco, tentando me antecipar ao
problema, e tenho a seguinte notícia: a carta só chegou hoje, dia 25, por causa
da greve dos Correios, pois foi postada no dia certo. Tenho ou não motivos para
desejar que quem cria greves que não se sabe por que começam nem se sabe por
que terminam, só não passe fome?
IMPRENSA 2.0
Meu amigo Português comemorou neste sábado os 100 mil
acessos ao site co-irmão do Jornal da Segunda Online. Desde março até agora o
equivalente a cada um dos habitantes de Assis teve contato com os conteúdos da
versão virtual. Não tenho mais dúvidas de que cada um dos portais com conteúdos
jornalísticos online, como este Assiscity, têm muito mais leitores diários do
que jornais impressos e suas tiragens que saem das rotativas. Sem fatalismo nem
homicídio precoce sobre o jornal impresso, mas que essa nova mídia tem futuro,
isso tem!
PERGUNTINHA BÁSICA
Vai precisar alguém cair, machucar-se ou morrer
para interditarem a calçada destruída pelas chuvas embaixo do túnel da Fepasa,
próximo ao Fórum?
Um comentário :
Bonito texto que escreveu sobre suas andanças pela rádio Cultura. Me fez lembrar de episódios que me contou na época dos fatos e relembrar daqueles velhos tempos de muita alegria e amizade.
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