terça-feira, 8 de abril de 2014

Segundona e os primeiros prognósticos rumo à Série A-3

Cláudio Messias*

A bola ficou parada durante exatos 160 dias nos estádios do interior paulista, especificamente na casa dos clubes inscritos na Segunda Divisão, um jeito 'bonito' que a Federação Paulista de Futebol encontrou para denominar a quarta e última das divisões do maior campeonato regional do planeta. E voltou a rolar envolvendo justamente um clube de Assis, o Atlético Assisense, que no sábado foi a Presidente Prudente enfrentar, no lendário estádio Paulo Constantino, o Prudentão, o Grêmio Prudente.

No domingo, mais uma coincidência envolvendo Assis e Presidente Prudente. No eternamente inacabado estádio Tonicão o melhor público da primeira rodada da Segundona tomou sol na moleira para testemunhar o retorno do Vocem ao futebol profissional. Duas equipes de Assis, duas equipes de Prudente e 1 a 1 no primeiro confronto de cidade contra cidade, pois o Atlético Assisense tomou 2x0 do Grêmio e o Vocem aplicou 2x1 no Presidente Prudente Futebol Clube. Respondendo ao que Tadeu Schmidt perguntaria, no final de noite de domingo, sabe o que isso significa? Exatamente. Não significa nada.

O torneio da Segundona é o único dos promovidos pela Federação Paulista de Futebol que regula idade de atletas inscritos. Somente três podem, na inscrição, ter idade superior a 23 anos. Ou seja, a base de qualquer um dos times tem de ser composta por uma rapaziada com até 22 anos, 11 meses e 29 dias de vida. Quem é pai ou mãe e tem uma cria com idade igual ou inferior a 23 anos sabe muito bem o quão imaturos, emocionalmente, são esses seres que ainda transitam entre a maioridade civil e o mundo adulto propriamente dito. O que quero dizer, pois, é que se qualquer jogador profissional treme na base quando da estreia em abertura de temporada, quiçá esses atletas que têm até 22 anos.

Raros são os casos de jogadores da Segundona que recebem mais de um salário mínimo por mês. Geralmente, esses valores maiores representam a remuneração de atletas com idade superior a 23 anos, que além da missão técnica e tática chegam aos clubes com a tarefa de repassar experiência aos aspirantes de jogadores profissionais. Igualmente raros, contudo, são os clubes que conseguem pagar mais do que um salário mínimo a seus contratados, via de regra enfrentando dificuldades até mesmo para manter alimentação digna e até mesmo transporte quando da disputa de jogos fora de seus domínios. Em Assis, esse cenário caracterizou gestões passadas, recentes, tanto de Atlético Assisense quanto do próprio Vocem, esse último em suas últimas temporadas antes da desativação, em 2002.

Sem entusiasmo financeiro resta às jovens promessas do futebol da Segundona o sonho. E esse sonhar esbarra, na primeira rodada do torneio, na ansiedade. E nessa hora não importa receber um salário mínimo ou os milhões de reais pagos pelos clubes da elite. Véspera de estreia significa perder o sono, não ter sequer fome para jantar e acordar junto com o raiar do sol na data da estreia. As pernas bambeiam, o frio na barriga quase congela o estômago e a tarefa mais impossível do dia é conseguir passar um fio na cabeça da agulha, tamanha é a tremedeira. No Tonicão, no Maracanã, no Santiago Bernabeu ou na lua, é esse o cenário que envolve o emocional de quem joga futebol por paixão.

Estrear, portanto, foi o desafio do pontapé inicial dado por 396 jogadores no final de semana passado. Eles abriram a Segundona de 2014 e protagonizaram 48 balanços de rede e comemorações de gol. A média de gols por jogo foi de 2,6, melhor do que a de outras divisões tidas como superiores no mesmo Campeonato Paulista. Somente em dois confrontos não houve gols: Atlético Mogi 0x0 Jacareí e Inter de Bebedouro 0x0 Fernandópolis.

Citei, acima, o fator emocional da estreia para chegar a essa situação que entendo como peculiar, da Segundona, na primeira rodada. Considerando o que já vi, nesse tipo de torneio, desde os tempos em que o campeonato era denominado Série B-2, na década de 1990, já com regulação de idade dos atletas, defino como bom estreante, respeitável, o time que vence fora de seus domínios, ou seja, que é visitante na primeira rodada. Nesse ínterim, empatar fora de casa, marcando gol, também é tão importante e, pra mim, tem o mesmo peso de vencer em casa na estreia.

Olhando os resultados lançados pela Federação em seu site oficial vejo quatro ocupantes da dianteira na corrida em busca das 4 vagas na Série A-3 de 2015. O Taquaritinga foi a Pirassununga e venceu o "ense" local por 2x1. Já o União São João foi visitante ingrato para o novamente fraco XV de Jaú e abriu 2x0. Em São Paulo, o Mauaense fez 2x1 sobre o Jabaquara e, no grupo dos times de Assis, o Bandeirante foi a Osvaldo Cruz e fez 2x1 no rival. Taquaritinga, União São João, Mauaense e Bandeirante souberam sobressair-se ao peso da estreia, ignoraram o mando de campo adversário e fazem jus a cada um de seus projetos jã colocados em prática.

Suzano, Olímpia e Sumaré ficam, na minha análise, como ocupantes da quinta, da sexta e da sétima campanhas que se destacam nessa primeira rodada. O Suzano fez 2x2 no Taboão da Serra, o Olímpia arrancou um 2x2 frente ao badalado Tanabi e o Sumaré, outro 2x2 no SEV-Hortolândia, ou seja, empates com gols marados ora de casa. Doze gols marcados, ou quase 1/3, nesses três confrontos, do total de gols da primeira rodada. Observemos, com atenção, Suzano, Olímpia e Sumaré no transcorrer dessa primeira fase e no avançar das demais etapas, pois dois deles cá estiveram, no ano passado, e muito trabalho deram ao Atlético Assisense.

Como terceiro fator de análise destaco os clubes que tiveram tranquilidade para mandar seus jogos e abrir vantagem diante das torcidas. Nacional, Paulínia, Guariba e Portuguesa Santista integram e completam o batalhão de agremiações que, se souberem administrar esse início favorável de campeonato, devem ao menos brigar por uma vaga na segunda fase. O Nacional fez 1x0 no Guarulhos, o Grêmio Prudente emplacou 2x0 no Atlético Assisense, o Guariba protagonizou a maior goleada da rodada, com 5x1 sobre o Lemense, o Paulínia fez 2x0 no Elosport, e a Portuguesa venceu o São Vicente por 1x0 no clássico da Baixada. À exceção do goleador Guariba, os demais mandantes vencedores não sofreram gols, o que demonstra, teoricamente, solidez na relação defesa>meio-campo>ataque.

É claro que uma infinidade de fatores precisaria ser levada em consideração e alteraria, para mais ou para menos, o favoritismo desses clubes que cito como destaque inicial da Segundona de 2014. Mas, é preciso ressaltar que ao contrário dos demais campeonatos organizados pela Federação Paulista, a Segundona é dividida em fase de grupos e não por pontos corridos. Portanto, a primeira fase termina muito rápido e exige que os clubes se adequem o quanto antes ao ritmo de sua dinâmica disputa. Demorar para entrar nesse ritmo pode significar não ter tempo nem condições de reverter situações desfavoráveis implicadas por derrotas nesse início. Da mesma forma, quem venceu sem convencer, nessa primeira rodada, pode estar na mesma situação de quem estreou com derrota ou empate.

Dos dois times de Assis a situação mais preocupante, a meu ver, é a do Atlético Assisense. Meus amigos jornalistas de Prudente que foram ao jogo de sábado afirmaram que o Falcão do Vale vendeu caro a derrota por 2x0 para o Grêmio Prudente, jogando de igual para igual, em alguns momentos, com aquele que demonstra ser, profissionalmente, o clube mais bem estruturado e projetado para, no Grupo 1, chegar à Série A-3. Tanto que os gols foram assinalados somente no final do segundo tempo. Mas, lamentavelmente, equilíbrio dentro de campo é uma coisa, estatística oficial de jogo é outra. O placar é de 2x0 e faz o time de Assis voltar para casa com 2 gols negativos de saldo e precisando estrear em seus domínios, contra o Osvaldo Cruz, pressionado para, ao menos, repetir o placar de 2x0, agora a seu favor. Ideal, mesmo, é vencer por 3 gols de diferença, no Tonicão, caso o projeto realmente seja o de subir.

Já o Vocem transita, nessa semana, entre a sensação de dever cumprido, por ter vencido por 2x1, em casa, ao fraco Presidente Prudente, e o peso de ter enfrentado dificuldades para passar pelo frágil adversário. Não estou em Assis e, portanto, não falarei sobre o que não vi. Acompanhei a transmissão de Vocem 2x1 PPFC pela Rádio Assiscity Online e faço paráfrase sobre a opinião de dois profissionais por quem guardo muito respeito, quais sejam, Augusto César e Carlos Perandré, radialistas com quem dividi jornadas de trabalho estado de São Paulo afora, cobrindo, décadas atrás, jogos de Vocem, Atlético Assisense e Conti Assis (basquete). E a análise final dos dois profissionais que mais história têm com o futebol profissional de Assis é de que ajustes são necessários nesse Vocem, o que é perfeitamente normal nesse início.

Muitos são os fatores positivos nesse pontapé inicial. O Vocem foi, disparado, o clube que mais levou torcedores ao estádio. O boletim financeiro lançado pela Federação em seu site oficial mostra que 1.188 pessoas pagaram ingresso para ver o Esquadrão da Fé. Com projeto de sócio-torcedor e tudo o Grêmio Prudente levou, pelo mesmo grupo 1, no sábado, 477 pessoas ao faraônico Prudentão, não conseguindo tirar da Portuguesa Santista a condição de segundo melhor público, uma vez que 880 torcedores prestigiaram o clássico da Baixada, contra o São Vicente, no domingo. O Diadema continua não convencendo seu público a ir ao Estádio Distrital de Inamar, onde somente 44 pessoas pagaram para ver o time da casa fazer 3x1 no 'outro' São Bernardo, carregando a condição de pior público da rodada de estreia.

A segunda rodada mostra, e bem, esse cenário de decisões a que me refiro já nesse início da Segundona. O Vocem faz sua estreia como visitante enfrentando o arquirrival Bandeirante, em Birigui, já na sexta-feira (20h30, transmissão da Rádio Assiscity Online). Qual dos dois vencer assumirá a liderança do grupo 1, frente essa que pode ser isolada caso o Grêmio Prudente tropece diante do Presidente Prudente no clássico prudentino de sábado à tarde. Considerando a fase de ajustes que aparentemente se faz necessária, um empate do time de Assis em Birigui poderá ser considerado um bom resultado.

Já o Atlético Assisense vai para a segunda rodada com a obrigação de fazer o dever de casa e vencer o Osvaldo Cruz, para não correr risco de distanciar dos três primeiros colocados que garantem vaga na segunda fase e mantendo proximidade da quarta colocação que, em cruzamento com outros grupos, pode render igual avanço. Se um empate pode ser considerado péssimo resultado para o Falcão do Vale, uma eventual segunda derrota significaria um golpe duro de ser revertido, caso Vocem, Bandeirante ou Grêmio Prudente saiam da rodada vencedores.

É esse o universo fascinante, raro e exceto leitor, que faz da Segundona um campeonato diferente de qualquer outro. É emoção do começo ao fim, aumentando em dramaticidade a cada rodada. Engana-se quem acha que esse começo pode ser ignorado, iludindo-se com o fato de o torneio ir até novembro. Cada uma das cinco fases é um campeonato à parte, de maneira que quem está bem agora, no início, pode não estar, necessariamente, entre os 8 clubes que na reta final decidirão as 4 vagas da Série A-3 de 2015.

Estatísticas ajudam a construir prognósticos, mas é a suficiência de gestão de cada clube que faz a diferença no final. Basta observar o início da Segundona de 2013 e ver que um ano atrás o Tupã perdeu, em casa, para o Grêmio Prudente, na estreia, por 1 x 0, e hoje está, aos trancos e barrancos, na A-3, enquanto o algoz daquele confronto não passou da segunda fase. O Água Santa, que também subiu, foi a São Bernardo e fez 2x1 nos donos da casa, mesmo placar que o Cotia aplicou no Elosport. A Matonense, dentro da lógica de empatar fora de casa com gols, estreou ano passado com um 2x2 em Olímpia. Hoje, Matonense e Água Santa estão garantidos na fase final da A-3 e podem subir para a A-2 do ano que vem.

Que venha, pois, a segunda rodada.



*Professor universitário, historiador e jornalista, é mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.



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