Cláudio Messias*
Meu domingo, em Campina Grande, começou atípico. Primeiro, com a vida mais ou menos acomodada depois de transitar de hotel para apartamento e comprar coisas básicas para o novo lar, senti, pela primeira vez, o peso de estar fora do meu ninho. Aos domingos, via de regra, meu dia começava fazendo café preto, lendo o jornal, cuidando de plantas e animais e preparando o ritual do almoço com a família. Hoje, nada disso aconteceu. E pela primeira vez tive vontade de largar tudo e voltar para Assis. Sim, homem chora.
Aqui na Paraíba o sol levanta por volta de 5h00. E meu relógio biológico é controlado pela luz do dia. Logo, antes das 6h00 pulo da cama, o que talvez explique essa sensação de solidão que bateu hoje. De barulho, somente uma curruila que por cá canta, logo cedinho, fazendo lembrar igual espécie de pássaro que visita minha casa em Assis. O prédio, adormecido, era um silêncio só. De quebra-regra, algo parecido com intoxicação alimentar, que ocupou minhas primeiras horas do dia e deu-me uma dor no corpo que fazia lembrar a dengue que tive em 2010. Dois comprimidos de Dorflex e tudo estava resolvido.
Fui à loja oficial do Treze para buscar meu ingresso para o Clássico dos Maiorais de logo mais à tarde, no estádio Presidente Vargas, casa do Treze. Ainda suava muito e sentia fortes dores nas pernas e no corpo. A caminhada, contudo, serviu para desenferrujar, pois daqui do apartamento até o centro levo 20 minutos na passada. A medicação fez, enfim, efeito e cheguei de novo ao lar com o jogo Vocem x Presidente Prudente, pela Segundona, em andamento e já com o Esquadrão da Fé em vantagem pela contagem mínima. Ouvi o jogo na transmissão experimental da Rádio Assiscity Online, de minha amiga Bruna Fernandes, a mais competente e arrojada jornalista revelada por Assis nas últimas décadas.
No caminho de volta passei no bar de seo Avacir, o mais fanático dos torcedores do Campinense que conheci até hoje. Ratifiquei minha posição, de decidir, hoje, para que time torcerei, na Paraíba, daqui por diante. Se houvesse vencedor, seria o próprio a agremiação que somaria ao Corinthians no meu fanatismo pelo futebol. E se o jogo terminasse empatado, a opção seria pelo Campinense, uma vez que havia, por determinação da Justiça, uma só torcida, mandante, no estádio Presidente Vargas.
Saí do apartamento às 15h30. E cheguei ao Presidente Vargas antes das 16h00. O jogo começaria às 17h00. Muito policiamento nos arredores e tempo para fazer amizades com os torcedores que dividiam o mesmo setor, coberto, da arquibancada. Paguei R$ 30 pela entrada inteira e cheguei rapidamente ao meu lugar especificado no bilhete. Segundo meus novos amigos, por ter somente uma torcida no estádio era mais perigoso ainda, pois se o Campinense vencesse, com certeza haveria briga entre os próprios torcedores do Treze. Essa tese se confirmou pouco tempo depois.
Não houve divulgação de público e renda durante os 90 minutos do derby. Creio, contudo, que não mais do que 10 mil pessoas caibam naquele estádio, que faz lembrar, em muito, o "Carlos Affini", de Paraguaçu Paulista, com parte das arquibancadas baixa e um setor de cobertas que tem alta concentração da 'turma do amendoim', que bota pressão na arbitragem, no time adversário e na imprensa. Estádio com bom sistema de iluminação e um gramado com forragem da espécie esmeralda, a mesma do Tonicão, só que numa versão muito, mas muito bem cuidada. Aqui, devido ao clima e o avanço do outono, a grama já está amarelada, renovação considerada normal para essa espécie.
As diversas facções de torcida do Treze são barulhentas e fanáticas. Cantam o tempo todo, aos gritos de "vamos ganhar, Galô!". Eu não sabia desse detalhe, mas apesar da tradição do Clássico dos Maiorais, Treze x Campinense se reencontravam no estádio Presidente Vargas havia 29 anos. O último confronto, pelo Paraibano, aconteceu em 1985 e terminou com empate em 0x0. Senti-me, pois, um privilegiado, pois os detalhes do confronto justificavam o esforço de estar ali.
Quando os dois times entraram em campo para aquecimento deu para ter noção exata da rivalidade. Márcio Alemão, zagueiro central do Campinense, foi logo de cara hostilizado pela massa e revidou com caretas e gestos de desprezo feitos com as mãos. Ouviu, claro, elogios à mãe e a todas as gerações anteriores do lado materno. Não fiz um levantamento preciso, mas tenho a sensação de que esse Márcio Alemão já passou pelo MAC, de Marília, na década passada.
Quando as equipes entraram definitivamente no gramado, dois detalhes chamaram minha atenção. Primeiro, o Campinense não fez o civilizado gesto de cumprimento à torcida da casa, como manda o protocolo, uma, entendo, resposta à decisão do Ministério Público de permitir acesso somente de uma torcida ao estádio. Os atletas da Raposa entraram, formaram pose para a foto oficial e partiram para o aquecimento definitivo, para, então, a bola rolar. Isso, com o som, ao fundo, de rojões cuja queima de fogos foi feita em alguma residência vizinha e foi interpretada pela torcida do Treze como provocação. A resposta das arquibancada veio na forma de grito: "queima a casa, queima".
Com o jogo em andamento deu para ver um Campinense mais técnico e um Treze mais força. O visitante construía melhor as jogadas de ataque, rápido, fazendo a ligação defesa>meio-campo>ataque. Já os donos da casa armavam jogadas de ataque com lançamentos longos, desde a defesa, o que não dava muito certo e aos poucos irritava a própria torcida.
Logo a 5 minutos o Campinense quase abriu o placar. Chute de fora da área foi tirado com as pontas dos dedos do goleiro do Treze e a bola acertou a trave esquerda, silenciando o Presidente Vargas. Com o jogo lá e cá, foi aos 22 minutos que o Campinense fez o gol. Chutaço da esquerda acertou o ângulo cruzado do goleiro do Treze, tipo de lance que talvez o autor do gol nunca mais repita, tamanha a felicidade de colocar o chute-de-três-dedos com perfeição.
A partir de então apareceu a estrela do goleiro do Campinense. Ele protagonizou duas defesas milagrosas contra o ataque do Treze e garantiu o placar mínimo no primeiro tempo. Não sem antes assistir a uma briga generalizada entre torcedores que criticavam o próprio time e um grupo que cobrava apoio.
Choveu bastante em Campina Grande durante o jogo. Mas, foi no segundo tempo que a água desabou sobre o estádio. Ninguém reclamou. Pelo contrário, ouviam-se murmúrios de agradecimento a Deus e a diversos santos pela água que despejava sobre o sertão, pois desde 2010 o Nordeste sofre o impacto da pior seca dos últimos 30 anos.
Visivelmente disposto a manter o resultado de 1x0, em detrimento da construção do segundo tento, o Campinense recuou na etapa complementar e passou a explorar os contra-ataques. O Treze tentava organizar-se, mas perdia-se diante de um ligeiro adversário, que saía em velocidade principalmente pelas laterais. Esse excesso de precaução dos donos da casa rendeu vaias por volta dos 30 minutos finais. Esse burburinho vindo das arquibancadas, no entanto, durou pouco. Parecendo entender o recado da massa, o Treze empatou aos 32 minutos, depois de um bate-rebate intenso na pequena área.
A partir de então o técnico do Campinense até tentou colocar o time no ataque, para ficar novamente na frente do marcador. Chegou a tirar um zagueiro e colocar um atacante, mas a pressão do Treze fez com que o visitante se fechasse atrás. Nenhuma chance clara de gol de ambos os lados no restante do jogo e um placar de 1x1 que agradou mais ao Campinense, que continua líder do segundo turno, do que aos mandantes, fora da zona de classificação.
Na saída do estádio tive pressa. É que o jogo terminou já noite e eu teria de cruzar uma parte da cidade famosa por assaltos. Ouvindo a 98,1 FM, fiquei ainda mais assustado, pois o repórter dizia que na saída a Polícia Militar havia prendido um torcedor que portava uma pistola. Estava, então, explicado o por quê do burburinho que agitou as proximidades do setor em que eu estava, pois o tal torcedor armado ali encontrava-se.
Os dois times voltam a se encontrar domingo que vem, agora sob o mando do Campinense e sem a torcida do Treze. Lá pretendo estar novamente, agora torcendo pela Raposa.
Fotos - Blog do Messias
Estádio Presidente Vargas ainda vazio, às 16h00, uma hora antes do jogo
Entrada do Treze, com estádio já quase lotado
O tradicional cumprimento à fanática torcida do Galo
Pose para foto e, ao fundo, a imagem da chuva aproximando cada vez mais
Setor de cobertas do estádio Presidente Vargas totalmente lotado
Tobogã da Torcida Jovem do Galo, o inferninho do Treze
Depois de não cumprimentar a torcida local o Campinense posou para foto, com dedo médio em riste
Fim de jogo: 1x1 e minha decisão anunciada de torcer pelo Campinense
*Professor universitário, historiador e jornalista, é mestre e doutorando em Ciëncias da Comunicação pela ECA-USP.
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