06 ABRIL 2013
Cláudio Messias*
O amistoso da Seleção, hoje, era tão importante e destacado
que quando acordei de um cochilo, à tarde, já havia passado 15 minutos e estava
1 a 0 pra gente. Tempo suficiente, contudo, para confirmar o óbvio: abismo em
forma de diferença entre as duas seleções.
O Brasil entra em campo, até 2014, já classificado para a
Copa do Mundo. Já a Bolívia entrou em campo, neste sábado, para ratear a renda
do jogo e ajudar a família do menino Kevin, morto naquele jogo do Corinthians
contra o San Jose, em Oruro, na estreia pela Libertadores’13. Em campo os
bolivianos colocaram o que havia de ‘melhor’, pois o que é de pior ficou para
trás na pífia campanha pelas Eliminatórias.
Na corrida em busca por uma vaga na Copa de 2014 a Bolívia
está mal. É a penúltima seleção da América do Sul, à frente somente do Paraguai.
Em 11 jogos ganhou apenas dois, empatou três e perdeu 7. Fez 13 gols e sofreu
20. Só nessa tarde a fraca defesa boliviana viu as próprias redes balançando 4
vezes. Está a 11 pontos da zona de classificação, em repescagem, faltando 7 jogos para o final das Eliminatórias.
Chega de falar da Bolívia, pois o foco são os garotos
legitimamente brasileiros convocados por Felipão ‘Menezes’ Scolari. Felipão
Menezes porque, na mais contraditória das discursividades, a Seleção deixou de
enfrentar adversários de peso e encarou nanicos. Não por acaso, escolheu
Bolívia e Chile para a preparação final antes da Copa das Confederações. E se
não venceu Inglaterra, Rússia e Itália, agora goleou a Bolívia. Só não sei se
fará o mesmo com a marrente seleção do Chile, daqui a duas semanas.
Percebe, raro e exceto leitor, que o assunto avança e destoa
do futebol da Seleção hoje à tarde? Parece até mais importante falar do corte
de cabelo de Neymar, que mudou mais, nos últimos 4 jogos, do que o futebol e o
sistema tático da Seleção. Não consigo conceber essa maneira de Felipão armar o
time. Em um rápido jogo de memória você lembrará, meu amigo leitor, a diferença
de postura da Seleção a cada reinício de jogo no segundo tempo. E olha que a
formação da Seleção mudou drasticamente nesse jogos sob o comando do sucessor
de Mano Menezes. Nossos segundo tempos são fracos, mornos.
Não tenho dúvidas de que uma seleção formada por jogadores
que atuam somente no Brasil daria conta de repetir o mesmo futebol ou até
sair-se melhor do que o Brasil de Felipão apresentou contra Inglaterra, Rússia
e Itália. O pecado é que a novela Ganso/Santos colocou o meia na geladeira e,
com isso, perdemos aquele que é o jogador quase gêmeo siamês de Neymar em
campo. Passei os últimos anos sonhando em ver a formação, na Seleção principal,
daquele meio campo/ataque campeão Sul-americano de 2010, com Oscar, Lucas,
Ganso e Neymar. Sim, gosto do futebol de Neymar. Só não gosto de sua postura de
aparecer mais contra adversários inexpressivos e desaparecer frente aos de
peso.
Ronaldinho Gaúcho fez pela Seleção, hoje, o que o Paris
Saint Germain esperou de Beckham na terça-feira passada, em casa, frente ao
Barcelona. O segundo gol do Brasil, contra a Bolívia, foi uma pintura no passe
de Gaúcho para Neymar. Ou seja, não precisa estar no fio médio da juventude
para usar o cérebro e, sem esforço, meter o atacante na cara do gol.
Não vejo parâmetros para analisar a defesa brasileira contra
uma Bolívia frágil, que centrava as jogadas em um Marcelo Moreno bem longe de
merecer a trilha de fundo de “moreno alto, bonito e sensual” com que Tadeu
Schmidt costumou brincar no Fantástico, aos domingos à noite. Com aquele
futebol, sinceramente, agora é o Palmeiras que não o quer vindo do Grêmio, pois
Leandro saiu do caminho rumo à Série B e fez, nos 5 minutos em que jogou na Seleção, um gol arquitetado, aí sim, pela
criatividade do jogador brasileiro: Pato para Paulinho, que toca para Osvaldo,
que ajeita para a finalização certeira, iluminada, do moleque de cabelo diferente
chamado Leandro. Não teve, nisso, dedo de Felipão. Teve a categoria típica do
jogador tupiniquim. O quarto gol teve, pois, quatro pés: Paulinho>Pato>Osvaldo>Leandro.
Continuo não vendo Dedé titular nem reserva da Seleção.
Pode, quando muito, ser uma opção de reposição. Ainda assim, até a Copa, com a
sombra ameaçadora de outro corintiano, Gil, que joga muito, avança e reveza-se
na formação com os volantes, permitindo com segurança o avanço de Paulinho.
Avanço esse que foi intimidado, hoje, pelo fato de Dedé ficar plantado atrás e
fugir de sua característica, no Vasco, de ser um essencial apoiador do ataque, o que fez destacar o futebol de Ralf, outro volante.
Na janela de transferência do meio do ano, por sinal, Dedé, se sair do Vasco,
irá para qualquer outro clube, menos para o Corinthians, como quase fora
efetivado dois meses atrás. A solução caseira, além de mais barata, mostra-se
mais eficiente.
Assim caminha a realidade dos jogadores selecionáveis.
Entendo, nesse ínterim, a cabeça de Felipão, assim como entendia e continuo
achando injusta a decisão de substituir Mano Menezes. Tem jogador que faz chover em sua terra natal, jogando pelo clube,. Mas chega na Seleção e não repete o
desempenho. Messi, o ET azul calcinha, precisou de muita paciência da crítica e
da torcida hermana até que passou a desempenhar com a camisa argentina ao menos
parte daquilo que milagrosamente faz no Barça.
Neymar é uma incógnita e é nessa hora que se vê o árduo
papel do treinador. O jogador do Santos não faz nada pela Seleção há um bom
tempo. Aliás, todas as expectativas criadas sobre ele nas Olimpíadas ruíram,
mas foi a credibilidade de Mano Menezes que desabou. Jogador que rende cifras
ao clube e à CBF, recebe R$ 3,5 milhões/mês, não é demitido, por mais que não
faça nada. Mas sua apatia naquilo que deveria fazer com maestria e com
regularidade fere a imagem de quem o comanda. Quer mais um exemplo? Vejamos o
caso de Muricy Ramalho, que tem no time aquele que é considerado o melhor do
Brasil e um dos melhores do mundo e sequer conseguiu disputar a Libertadores em 2013. Ou seja, com Neymar em
campo ele não conseguiu nem ficar entre os 4 melhores clubes brasileiros em 2012.
Culpa de Muricy? De Neymar, com certeza, não é, mesmo que ele dê chapéu no
adversário com a sola da chuteira
tocando a bola no gramado e esse lance rode o mundo em uma semana e, na outra,
o mesmo cidadão pai solteiro não faça nada contra a Inglaterra. Corporativamente, Neymar sai da alça de culpa.
Aprendi a ser reticente com relação a favoritismos
relacionados à conquista de uma Copa do Mundo. Depois que Ricardo Teixeira caiu
do jeito que caiu, que a Fifa ficou envolvida com cidadãos do mesmo naipe desse
ex-presidente da CBF, mas relacionados ao rico mundo do Oriente petrolífero,
confesso que temo haver um preço por esses títulos mais importantes do futebol
internacional. Mas, em campo, imagino que seja em vão acreditar que haja algo
sério por trás de todo o trabalho que prepara a nossa Seleção para a segunda
que organizamos. Quem quer apagar 1950 da história e compensar com a conquista
em 2014 não pode ter o comportamento amador que o senhor Marin vem tendo desde
que assumiu o posto.
Somos mais de uma centena de milhões de torcedores técnicos
e também nos metemos a dirigentes. Convocamos jogadores, demitimos técnicos,
mas continuamos escondendo atrás do paradigma da violência para ficar em casa,
dormindo ou vendo TV, em vez de lotar estádios. Não por acaso, as arenas da
Copa 2014 terão, em média, de 45 a 55 mil lugares. O Maracanã de 1950 comportou
mais de 110 mil pessoas, fora os penetras. Era uma época em que ia-se ao
estádio de terno e chapéu, aplaudia-se quando um jogador adversário era
substituído e permitia-se que as mulheres deixassem primeiro o estádio.
Se a Seleção precisa mudar o futebol, nós também precisamos
mudar a forma de concebê-la como patrimônio nacional. Na Bolívia, hoje,
Ronaldinho Gaúcho saiu de campo ovacionado. Aqui, no Brasil, o Morumbi inteiro
vaiará o mesmo Gaúcho quando este, se necessário for, tiver de ser substituído
no jogo São Paulo x Atlético MG de daqui a alguns dias, pela Libertadores. A gestão de nosso futebol é insana, da mesma
forma que a irregularidade do desempenho de nossas principais estrelas do
futebol também foge à sanidade, mas nós, de nossa parte, temos de ser o lado que ampara, que escora e que reabilita. É dessa harmonia que sairá, na minha
opinião, o êxito brasileiro na Copa do ano que vem. Mas, infelizmente, já
vislumbro o Itaquerão inteiro vaiando a maior autoridade do país, repetindo o vergonhoso
comportamento de xingar publicamente, para o mundo, o presidente da República
na abertura dos Jogos Pan Americanos de 2007.
*Professor universitário, historiador e jornalista, é mestre
em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.
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