10 ABRIL 2013
Cláudio Messias*
Interessante ver o paradoxo entre o propagado vigor dos 'direitos' dos empregados domésticos, agora formalizados na legislação trabalhista, e o desinteresse de alguns profissionais que prestam esse serviço, um dos mais dignos que conheço, até porque são pessoas em quem depositamos a confiança da permanência em nossos lares durante nossa ausência e em quem creditamos parte da educação informal de nossos filhos. Refiro-me especificamente às diaristas, que fazem o mesmo tipo de serviço das empregadas domésticas.
Dialoguei, nas últimas semanas, com duas profissionais que vivem essas realidades. Ora parece haver benefício em ser registrada em carteira profissional, ora parece ser desvantagem. Analisei, segundo o discurso das profissionais, os dois casos.
Uma diarista que vem duas vezes por semana à minha casa recebe R$ 70 por cada dia. No final de abril ela terá recebido R$ 630 para trabalhar duas vezes na semana. Aqui, vem na terça e na quinta-feira. No primeiro dia, passa roupas e, terminado esse serviço, dá uma geral na casa, deixando na máquina de lavar as roupas que passará na semana seguinte. Na quinta faz faxina geral, no interior da casa e no quintal. E deixa na máquina de lavar o restante da roupa que passará na terça seguinte. em ambos os dias, entra às 8h00 e sai por volta de 16h00. Almoça conosco, assim como faz outras refeições, como café da manhã, entre outros. É um membro da família por assim a considerarmos.
A funcionária de um casal amigo nosso que não tem filhos - temos dois filhos jovens - trabalha de segunda a sábado e recebe um salário mínimo por mês. É registrada há mais de 5 anos e não precisou passar por adequações na rotina devido ao vigor da legislação específica sobre os empregados domésticos. Em sua rotina, lava e passa roupas, faz a faxina da casa e cozinha para o almoço e para o jantar. Igualmente, almoça com os patrões, bem como tem à disposição todas as refeições da casa. Aos sábados, trabalha até meio dia.
Dialogando com as duas profissionais vi pouca diferença nos discursos relacionados ao vigor da nova legislação trabalhista. A primeira diz que ainda prefere a informalidade de diarista, uma vez que além da casa em que presta serviço duas vezes por semana ainda atende outra patroa, cobrando iguais R$ 70 pelo dia trabalhado. Em abril, portanto, sua receita terá sido de R$ 910. O salário mínimo em vigor no país desde 1º de janeiro é de R$ 678. E se for recolher INSS pagará, mensalmente, R$ 8. Questionada se não prefere o registro, agora, com a nova lei, ela diz "não", convicta. Vantagens: ganha mais do que um salário mínimo por mês, não trabalha sábado e ainda tem as quartas-feiras livres para cuidar da própria casa.
A empregada do casal amigo nosso relembra do tempo em que era diarista e diz não ter saudade. Reconhece que ganha menos, mas não troca a estabilidade já garantida pelo registro em carteira antes do vigor da nova lei dos domésticos. Diarista, diz ela, está empregado hoje, mas, a uma simples situação econômica desfavorável pode ser dispensada, e sem direitos. Da mesma forma, se os patrões viajam e não tem serviço, naquela semana não tem diária. E, convenhamos, ela tem razão, pois os períodos de viagem são, sempre, início e final de ano, além de julho, períodos em que é primordial ter projeção de receita para qualquer profissional.
Um contador que é amigo e faz parte de meu grupo de interações semanais, no clube em que sou sócio na cidade, disse que há, sim, vantagens e desvantagens com o vigor da legislação. E que pouco ou nada mudará no formato das contratações, uma vez que os contratados continuarão tendo o direito a, no mínimo, um salário mínimo por mês e a carga máxima de trabalho. A legislação, portanto, traz, sim, a formalização para um diálogo de ajustes entre as duas partes.
Não há dúvidas, contudo, que toda a propagação feita em torno do assunto contempla o governo, que passará a formalizar o recolhimento de impostos sobre profissionais que historicamente viveram na informalidade. Afinal, os tributos recolhidos a partir do registro desses profissionais o submetem à formalidade mas não garantem a contrapartida básica de uma aposentadoria digna e de um amparo idem quando da necessidade de afastamento por motivos de saúde.
Enquanto isso perdurará, não tenho dúvidas, o valor da relação inter-pessoal que quem emprega tem para com que é empregado dentro de casa, e vice-versa. A nova lei não tornará mais fria uma vivência marcada por confidências e testemunhos típicos da relação que se observa dentro da rotina de uma casa. Uma diarista ou uma empregada são capazes de lembrar até o mês e o ano em que caiu o primeiro dente de seu filho mais velho, fenômeno que seu patrão, colega de trabalho ou mesmo melhor amigo de dentro de casa não compartilha.
*Professor universitário, historiador e jornalista, é mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.
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