domingo, 7 de abril de 2013

Dia do Jornalista no dia em que não se faz jornalismo


07 ABRIL 2013


Cláudio Messias*

Já disse, aqui, inúmeras vezes que iniciei no Jornalismo em 1985, um ano de transformações complicadas em minha vida pessoal, familiar e profissional. Era final daquele ano, véspera da Copa do Mundo no México e uma fase em que meus pais separavam e eu decidia não repetir a tradição familiar de ingressar na ferrovia. De office-boy de escritórios de contabilidade e farmácias, passei a radialista.

Naquele início da segunda metade da década de 1980 as redações eram equipadas da seguinte forma: equipamento básico de produção, máquina de escrever. Equipamentos de apoio: um gravador de mão, na gaveta, para eventuais registros de entrevistas repentinas de visitantes não convidados, um rádio sintonizado em emissoras da capital paulista, como Bandeirantes e Globo, as únicas cujos sinais chegavam, chiados, a Assis. Um aparelho de telefone com linha direta para discagem, sem depender de telefonista, o que dava autonomia e rapidez na prática da busca por notícias.

No rádio as redações tinham um editor e um redator. O primeiro escrevia o conteúdo que iria ao ar no principal programa jornalístico do dia, pautava repórteres, recebia as reportagens e comandava, na sala de gravação, a edição dos conteúdos entregues. Já o redator também produzia os conteúdos que seriam lidos no principal jornal do dia, mas tinha a atribuição de colocar no ar os módulos informativos, que duravam 3 minutos e eram levados ao ar a cada giro de hora.

As equipes de jornalismo da Rádio Cultura AM/FM eram formadas, naquele 1986 em que assumi a função de redator, no lugar de Maria Sílvia Gomes, a Silvinha – gestante - por um editor, dois redatores, três repórteres, dois locutores de estúdio e um técnico de gravação. Agregado a esse time tínhamos dois narradores esportivos, dois repórteres de campo, dois comentaristas, um plantonista de estúdio e um técnico de externa. Todos esses profissionais, hoje, pela legislação vigente, poderiam solicitar o registro de jornalistas profissionais.

Uma coisa, contudo, é a condição que a legislação, tendo em vista a queda de obrigatoriedade do diploma consolidada nos últimos dez anos no Brasil, propicia aos profissionais da comunicação de tornarem-se, por direito, jornalistas. Outra, bem diferente, é a realidade do mercado da comunicação. E cito como exemplo apenas o singelo caso do mercado do jornalismo na cidade de Assis, com seus quase 100 mil habitantes.

Meu último retorno ao jornalismo, ou seja, às redações, aconteceu em 2004. Reinaldo Nunes, o Português, saíra candidato a vereador e afastara-se da Cultura AM. O jogo de cadeiras, então, colocou-me como editor e André Thieful foi para a rua, nas reportagens externas, com Bruna Fernandes, estagiária na época. O jornal do meio-dia era apresentado ora por Antônio Sena, ora por André Luis, ora pelo próprio Thieful. Carlos Perandré e Augusto César faziam as pontas da equipe de esportes, cu8jo comentarista era eu.

Se compararmos a realidade de 1986 à de 2004 já temos alguns abates na equipe. Vou nomear a equipe de 1986: Valdir Pichelli, editor; Cláudio Messias e Silvinha, redatores; Luiz Luz, apresentador de estúdio; Alves Barreto, Carlos Perandré e Celso Camilo Costa, repórteres; Homero Rabello, Ivan Serra e Chico de Assis, narradores esportivos; Jairo dos Santos e Devanir José, comentaristas; Isaías Gomes, plantonista esportivo; Celso Valdecir de Moraes, redator esportivo; Miguel Marques, José Carlos Domingos e Maurílio Siqueira, técnicos de externa; Carlos Alberto “Caio” de Oliveira, técnico de gravação.

Em 2004 éramos em três na equipe de jornalismo, somados a Augusto César e Carlos Perandré, que completavam a equipe de esportes. Hoje, a Cultura AM tem um apresentador de estúdio, um redator/editor e dois repórteres. A equipe de esportes acabou inteira. O redator/editor tem funções múltiplas, mas com diferença substancial de foco. O noticiário local, que era básico em 1986, hoje fica em segundo plano. E o jornalismo comunitário, aquele em que o profissional da comunicação vai até o local do fato e registra a fala da comunidade sobre os mais variados assuntos, perde cada vez mais espaço nas pautas.

Em 1994, chamado por dona Cida Santilli para uma conversa, num sábado à tarde, na chácara da família Santilli, no prolongamento da estrada que sai do Centro Social Urbano e passa pelo parque de exposições da antiga Ficar e pelo kartódromo, levantamos o contingente de profissionais de comunicação em atividade em Assis e região. Somados, os jornalistas não diplomados atingiam a impressionante média de 60 pessoas no Médio Vale, considerando emissoras de rádio e TV a cabo e jornais impressos. E isso justificava, no projeto pedagógico de implantação do curso de Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo e Publicidade e Propaganda, então encaminhado aos conselhos estadual e nacional de educação.

Os torneios imprensa que organizei na década de 1990 mostravam esse contingente de profissionais, cuja maior parte não tinha passado pela academia. Falo de uma época em que os jornais impressos também tinham um batalhão de profissionais que participavam da produção praticamente artesanal das edições levadas todo início de manhã a residências, empresas e bancas. Hoje, as poucas empresas jornalísticas que restam empregam número simbólico de pessoas, seja por revisão logística do processo de distribuição, seja pela perda gradativa de espaço dos impressos no mercado da comunicação, tendência mundial no setor.

Muitos eram os eventos e as coberturas jornalísticas que varavam finais de semana. Em ocasiões como rebeliões na penitenciária local ou acidentes no Corredor da Morte, na rodovia Raposo Tavares, havia mais jornalistas trabalhando do que necessariamente policiais. O contingente de profissionais da comunicação, nos últimos 20 anos, foi reduzido drasticamente. Igualmente, o perfil desse profissional também mudou radicalmente.

Cena comum era a interação entre, por exemplo, repórteres e policiais rodoviários ou bombeiros, conferindo os dados que cada uma das partes levantara sobre determinado acontecimento. Para aqui acontecer, claro, repórter tinha que estar no local da ocorrência. Podia ser segunda, quarta, sexta-feira, sábado ou domingo. Não importava o dia ou a data, lá estavam os jornalistas em batalhão.

Todos esses conteúdos eram levados ao ar pelas emissoras de rádio. Quantas foram as vezes em que, de folga, saí de casa e fui às pressas para a redação, dar suporte aos repórteres que cobriam ocorrências que exigiam plantão permanente. No incêndio do Mercado Modelo Municipal, por exemplo, eu e Manoel Martinez havíamos acabado de fechar o AM e o FM da Cultura, testemunhamos, naquele início de madrugada, as chamas, acionamos a reportagem e retornamos para a emissora, varando a madrugada com as equipes nas ruas.

Hoje é um domingo como o que em fevereiro passado caiu uma aeronave e matou 5 pessoas em Cândido Mota. O primeiro jornalista a chegar ao local tem idade acima de 60 anos e está no jornalismo há mais de 40 anos. José Antônio de Oliveira, o Pardal, também trabalhou na rádio Cultura, foi sócio da Antena Jovem e hoje é dono da Voz do Vale FM. Não fez faculdade e sempre teve o perfil do jornalista com faro pela notícia. Não por acaso, colocou carro e pés no barro, chegou o mais próximo possível da aeronave que caíra naquele início de noite chuvosa de verão, em pleno domingo, e deu as ricas versões sobre o ocorrido.

A redução das equipes de jornalistas não justifica a falta de apetite pela cobertura. No final de semana passado, que teve feriado na Sexta-feira Santa, falou-se pelos quatro cantos da cidade de Assis sobre o possível assassinato de um cidadão de apelido Pezão, que teria morrido a golpes de machado. Até quarta-feira ouvi, de amigos, a cobrança pela confirmação da morte ou por um desmentir sobre o ocorrido. Claro, tem momentos em que até a especulação precisa ser transformada em notícia, uma vez que o possível morto é figura conhecida no meio empresarial local. Mas, nada. Nem uma linha sequer sobre o episódio, contrariando tudo o que evidenciam os estudos sobre jornalismo comunitário.

Tínhamos, 20 anos atrás, o comum acordo de não dar cobertura a suicídios, tipo de consciência sobre o impacto que os veículos de comunicação tinham e têm no cotidiano de uma sociedade permanente em crise. Um cidadão que acaba com a própria vida por desespero implicado do acúmulo de dívidas poderia gerar um efeito cascata, estimulando novas decisões fatídicas. Parece bobagem, mas vejamos o ocorrido semanas atrás em Assis. Um sujeito, que depois soube-se ter passado por um desfecho desagradável na relação amorosa, subiu em uma torre de telefonia celular anunciou ao mundo que colocaria fim à própria vida. Óbvio, como ocorre na maioria dos casos, não teve coragem, mas deu um trabalhão para os bombeiros. Os holofotes foram todos virados para ele, que virou personalidade por um dia, apesar dos motivos conhecidos para o fim de seu relacionamento amoroso. E o que ocorreu naquela mesma semana? Claro, mais um infeliz subiu em uma torre de telefonia celular e ameaçou jogar-se chão abaixo.

O comportamento da audiência tem mudado, claro que tem. Gostar de tragédia a sociedade gosta há tempos, e muito antes de eu ingressar no jornalismo. Acabei de dizer que trabalhávamos sábados, domingos e feriados quando de tragédias ou ocorrências de maior gravidade. Tudo, claro, para atender à expectativa de ouvintes e/ou leitores, ávidos pelos detalhes sobre o ocorrido. Esses cidadãos que consomem notícias tinham, antes, de esperar o jornal da terça-feira para ver as fotos das tais ocorrências graves. Sabiam, antes, pelo rádio.

Hoje, com a internet fazendo parte da realidade de todos, independente da classe social, o rádio diminui em importância nessa função de mediação entre os acontecimentos. E o foco fica, primeiro, nas redes sociais. Depois, nos veículos de comunicação que fazem convergência de conteúdos midiáticos. Mas, o que está despontando, nos últimos meses, são os sites que se especializam em noticiário local. E assim o fazem, e bem, o Assiscity e o JSOL, por exemplo. Neste exato momento, contudo, acesso as duas páginas, na internet, e vejo que as últimas atualizações de conteúdo têm mais de 24 horas.

Fim de semana é o período em que a população economicamente ativa dispõe de maior tempo para atualizar a leitura de conteúdos relacionados ao que está próximo. Mas, jornalista também é economicamente ativo e tira os finais de semana para descansar. Tudo bem, todos somos iguais. Mas, da mesma forma que o rádio tem se preocupado há décadas com a cobertura daquilo que ocorre aos finais de semana, também os serviços emergentes precisam focar nesse tipo de comportamento da audiência.

Neste exato momento, também, garanto que Luiz Carlos de Oliveira, o nosso querido Japonês, está cobrindo algum jogo da agenda do futebol varzeano que ele mesmo faz a gestão. Ao final do dia, também com certeza, Japonês terá todos os resultados das dezenas de jogos realizados no sábado e no domingo na região. O esportista, que é jornalista esportivo nato, reunirá todos esses resultados e publicará nos jornais impressos na terça-feira. Fará isso amanhã, segunda-feira, porque sabe que hoje nenhum site estará preocupado ou interessado com esse conteúdo. São os mesmos sites que amanhã ou terça-feira irão publicar, com defasagem de cobertura de mais de 48 horas, a factualidade que está no hoje.

Tudo isso, claro, porque hoje é domingo. E um domingo em que se comemora o Dia do Jornalista. Jornalistas que, por sinal, não se dão conta de as centenas e até milhares de pessoas envolvidas ou interessadas nos resultados do futebol varzeano regional já saberão, pelas redes sociais, sobre esse tipo de placar geral. Segunda ou terça-feira, portanto, serão dias de piada pronta quando os resultados forem tornados públicos.

*Professor universitário, historiador e jornalista, é mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.

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