Cláudio Messias*
Nessa semana, na ocasião da morte de mais um jovem querido por grande
parte da sociedade assisense, abri outra exceção e digladiei com uma leitora no
site Assiscity. Minha saída da zona de limite do controle da arguição deveu-se
a dois fatores. O primeiro e principal: o apontamento de que o site de notícias
contém muitos "erros de português". Além disso, o puxão de orelhas, além de não condizente ao conteúdo da notícia, era deselegante para uma circunstância em que muitos amigos e conhecidos do rapaz ficaram sabendo de sua morte através da postagem e, assim, usavam o espaço dos comentários para, em muitos casos literalmente à distância, lamentar o ocorrido e externar condolências.
Colaborei durante algum tempo com o site Assiscity, amigo que sou de
Bruna Fernandes, uma das gestoras da Rede Cuty. Aliás, nossa amizade advém de
mais de 10 anos, ou seja, muito antes mesmo do nascimento do projeto do site. E
nas minhas publicações sempre vinha um comentário ou outro sobre alguns
deslizes, ora de digitação, ora de ortografia. Se a perfeição é divina, só
Deus, mesmo, para escrever 100% correto. E, não tenho dúvidas, aparecerá um
ateu para postar comentário dizendo que não há esperança por uma grafia
plenamente correta, pois a seu ver nem Deus escreve perfeitamente.
Passei 28 anos de minha vida enfiado em redações. Do rádio à TV, dos
jornais impressos às agências de notícias, trabalhar com a instantaneidade do
fato e a necessidade do furo é um desafio. Talvez, somente o meio TV tenha sido
e continue sendo o que melhor edita e menos submete-se ao risco de levar ao ar
informações imprecisas. O rádio talvez tenha sido desbancado pela internet, ou
seja, pelos sites de notícias, no quesito informação instantânea/risco de erro.
Se a TV tem mais tempo de edição e maior intervalo entre os conteúdos levados
ao ar ao vivo, rádio e websites lançam no ar aquilo que chega de imediato. Na
teoria, pelo menos, rezam os manuais de redação que tais equívocos/erros de
informação sejam corrigidos em forma de atualização. É nesse aspecto que centro
meu debate, retomando-o mais adiante nesse texto.
Quando editor nesses ambientes de jornalismo que citei, as seleções
principalmente de redatores - mas também de repórteres - tinham como teste
principal a escrita. O estilo de texto jornalístico é distribuído por gêneros,
de maneira que, por mais que possa parecer a bobagem, uma mesma notícia seja
escrita de uma forma para uma rádio AM e de outra forma para uma rádio FM. E o
que diferencia um texto do outro não é a frequência AM ou a frequência FM. Essa
diferença está na audiência. Quem ouve rádio AM está habituado a receber a
notícia de uma maneira, enquanto o ouvinte de FM recebe a mesma informação
estando em outro tipo de comportamento de consumo. Sim, tudo isso ruirá com a
unificação das bandas AM e FM, agora em 2014, ficando todas na frequência de
FM. Mas, enquanto isso, a Difusora AM continuará tendo um público, a Voz do Vale
FM, outro.
É daí que saem os grandes conflitos, atualmente, nas redações dos mega
grupos de comunicação. Meu amigo Armando Pereira Júnior, editor de Economia e
Finanças do UOL Notícias, do Grupo Folha, disse, em interação online com a
derradeira turma de Jornalismo da Fema, em 2012, que o grande desafio do
jornalismo contemporâneo está exatamente nessa convergência mediática a que o
círculo universal de informações está submetido. Ao mesmo tempo em que tem de
saber escrever sobre economia e cotidiano, um jornalista precisa dominar conhecimento
sobre agricultura, esportes, política, polícia, cultura e judiciário. E por
mais que tenha essa competência de múltiplas abordagens, precisará saber com
que linguagem produzir seus textos.
O exemplo do UOL Notícias é pertinente porque trata-se de um braço daquele
que é um dos maiores grupos de comunicação do país. Não raro, um texto que seja
levado ao ar agora, nesse exato momento, na editoria de Economia e Finanças do
UOL, poderá ser a manchete principal da edição de amanhã das versões impressa e
online da Folha de S. Paulo. Um monitoramento desse mesmo texto daqui até
amanhã cedinho mostrará o quão alterado será esse conteúdo. Sim, informações
relacionadas ao fato passarão por atualizações e/ou correções, mas,
principalmente, a linguagem será outra. Eu, você e muitas pessoas lemos o
jornal impresso que chega em nossas casas ou locais de trabalho e vimos,
novamente, iguais conteúdos na internet. Não nos damos conta, contudo, que
somos informados mediante estratégias diferentes de leitura. Somos igualmente informados,
em todos os detalhes, pelo UOL e pela Folha. O faccionamento da notícia é que
se dá de maneira diferente. Quer ver isso ficar mais complexo? Basta comparar a
mesma notícia, só no site da Folha e no site do Estadão, ou na Folha impressa e
na igual versão em papel do Estadão, distinguidas pelas linhas editoriais.
Selecionar e escolher um redator ou repórter para trabalhar em uma
redação requer observar, em seu perfil, essas e outras características, como o
dinamismo, por exemplo. Se vinte anos atrás um repórter de jornal ficava uma
manhã inteira na rua coletando informações e uma tarde igualmente inteira
enfiado em uma reportagem especial, de uma página, para ser publicada no dia
seguinte, hoje esse repórter ou cumpre 5 pautas factuais e preenche uma página
ou está sem espaço no mercado de trabalho. As empresas jornalísticas souberam
entender o comportamento do mercado e investiram na convergência de suas mídias
impressas e de audiovisual ao jornalismo online que o público tão bem acolheu.
Ao chegar da rua, portanto, o repórter tem de fazer uma síntese superficial do
conteúdo que sairá publicado, com antecipação nos websites do próprio veículo.
A empresa de comunicação que não faz isso torna-se hit de mediadora de notícia
velha, pois enquanto está chegando às bancas com o que ocorreu 24 ou até 30
horas antes, os sites de notícias estão informando o que ocorreu menos der uma
hora antes, já até mesmo virando seções de “assuntos mais lidos” com o conteúdo
que estampa a manchete impressa. Sim, notícia velha tem menos de 48 horas de
factualidade nessa nossa contemporaneidade.
Um repórter recebe, por dia, em uma cidade como Assis, algo em torno de
20 a 30 informações. Todas podem ser transformadas em notícias, é claro. Mas,
na transição fato>notícia há um processo de mediação que requer todo um
ritual, na maioria das vezes desconhecido por quem assiste, ouve ou lê, ou
seja, pela audiência. Não basta receber a informação; é necessário averiguar,
ver o fundamento. E se dessas 20 ou 30 informações, uma mereça atenção pois
representa um furo, ou seja, será a manchete nas próximas 24 horas, o debruçar
sobre ela exige, necessariamente, preterir as demais 19 ou 29 pautas. E aí fica
a pergunta: então eu não fico sabendo de tudo? Sim, a resposta é
"sim". Você, eu, enfim, todos não ficamos sabendo de tudo aquilo que
chega aos jornalistas. Até porque, nem tudo o que acontece chega ao
conhecimento das redações. Se aprofundarmos nesse quesito teremos parágrafos e
mais parágrafos para discutir aquilo que muitos críticos da mídia dizem que
seja filtragem de conteúdos.
Um fato que chega às mãos de um jornalista carece dessa averiguação para
ganhar o status de notícia. Ouvem-se duas ou mais fontes, verificam-se as
versões, levantam-se os dois lados envolvidos e lança-se o conteúdo no ar, seja
no rádio ou na internet. Como há dois ou mais veículos por gênero em Assis,
quem der a notícia primeiro sustenta o simbólico capital chamado credibilidade,
que permite captar mais anunciantes, interessados, estes, no número cada vez
maior de internautas ou ouvintes atraídos por tal variedade de conteúdos
atualizados. E é lá, do outro lado, na audiência, é que está a metralhadora
cujo alvo é, prioritariamente, o conteúdo atualizado, principalmente, o deslize
de produção. Acerte 1 milhão de postagens que, consecutivas, não contenham um
erro sequer. Mas, na postagem 1.001 escreva "há quem seda e dê esmolas no
semáforo" e a casa cai para o seu lado. "Seda", só a do tecido,
pois nesse excerto acima o correto é "ceda", do verbo ceder. Na internet,
em um site de notícias, aparecerá um internauta que dirá "aprenda a
escrever direito, pois "ceder" é com "c" e não com "s'".
Como se o jornalista desaprendesse tendo escrito "seda" e deixasse de
haver veracidade no respectivo conteúdo publicado.
Essa experiência com o "seda"/"ceder" eu passei
quando colaborava com o Assiscity. Sei e sempre soube diferenciar seda e o
verbo ceder, mas naquela postagem saiu assim, errado. Talvez porque, como
colaborador, eu encaixava a produção dos textos em minha rotina de preparação
de aulas, pesquisa, vida familiar, entre outros afazeres e escrevia sem o tempo
que considero ideal para revisar. E na pressa, por fatores mil, houve uma troca
de posição de dedos e, no teclado, busquei o "s", com o dedo anelar
esquerdo, e não o "c", com o dedo médio igualmente esquerdo. Dedos
que estão lado a lado, teclas que estão separadas, apenas, pelo "d",
na fileira de cima do teclado, ' pelo "x", na de baixo.
Alguém me disse que haviam escrito um desaforo como comentário na
postagem a que estou referindo (não consulto nem acompanho o que comentam,
muito menos respondo ou entro em rota de colisão com tais conteúdos). Fui
verificar e encontrei essa observação de um internauta. Por curiosidade, entrei
na conta dele no Facebook e verifiquei suas postagens feitas por aqueles dias.
Digo, apenas, que não o contrataria para ser meu redator.
Reli, no
Assiscity, toda a minha postagem. Só havia passado aquela escorregada, com a
troca do "c" pelo "s", em todo o texto. Concordo que
seja uma barriga séria, que dói aos olhos. Em outros tempos eu coraria o rosto,
mas hoje essa vergonha já não é tão dolorida na minha alma. Talvez porque
aquele "seda" correspondesse a 99,99% de todo o texto, que rendera
diversos compartilhamentos e comentários positivos (tive de conferir os
comentários para encontrar aquele que criticava "seda" com
"s"). Fiquei, sim, com vontade de quebrar minha própria regra e responder
à provocação, mas desisti quando, refletindo, reconheci que havia cometido o
erro de grafia e, também, por ter visto que o crítico, entre outros fatores,
não sabia diferenciar, em suas postagens nas redes sociais, as regras de grafia
do "porque", juntando quando era para separar, separando quando era
para juntar, acentuando sem necessidade e retirando acento quando necessário.
Enfim, a audiência é assim, e pronto. Nós, que escrevemos, o fazemos
para um público que varia culturalmente em formação. Assiscity, Jornal da Segunda
Online entre tantos outros já não escrevem para assisenses que estão em Assis,
como ocorreria duas décadas atrás. Tenho leitores e amigos que prestigiam meus
textos e hoje estão na Alemanha, no Japão, nos Estados Unidos, enfim,
distribuídos pelos cinco continentes. Sei, também, pelos e-mails que recebo
através do Blog, de desconhecidos e anônimos que me acompanham advindos de
cidades da região, de outros estados, enfim, dessa complexa circulação que a
internet propicia. Ricos e pobres, alegres ou mal humorados, torno-os
internautas, ou seja, consumidores de um determinado tipo de mídia que difere
das rádios, dos jornais e das TVs por onde passei. Chamo-os de
"você", em primeira pessoa do singular, tornando-os uma unidade.
Espero agradar a um, mas que represente a todos. O dia em que essa ordem for
invertida não haverá razão para a minha produção.
Jornalista sempre errou, erra e continuará a errar. Uma coisa, contudo,
é errar na função mais básica, que é a precisão da informação. Outra, é errar
na estética. Sim, considero essas deslizadas na ortografia uma mera mancha na
casca, que não compromete a poupa da fruta. Errar na informação, no conteúdo, é
comprometer metaforicamente a poupa. Daí, sim, caso não haja correção do erro,
o jeito é trocar não só o fruto, mas deixar de buscar aquela árvore, aquela
fonte de informação.
Não é isso, porém, o que tenho visto no comportamento dos sites de
notícias, nem no comportamento dos leitores/usuários. As notícias chegam
rápido, com ou sem ilustrações por fotos sensacionalistas principalmente em
acidentes com vítimas fatais. Nunca fiz esse cálculo/acompanhamento, mas creio
que as notícias de maior audiência de sites como o Assiscity e o Assis Notícias
são publicadas com no máximo uma hora de intervalo entre o fato e a notícia.
Tempo suficiente de verificação da fonte, de confirmação do fato e de início de
apuração dos dois ou mais lados envolvidos no episódio. São, pois, eficazes
esses nossos jornalistas da região.
Constatar que há "erro de português' em textos noticiosos é, pois,
chover no molhado. A mulher que fez o comentário na notícia do Assiscity se diz
professora de Língua Portuguesa e se propôs a fazer a redação das notícias pelo
site, cansada que estava com os erros de português que dizia ver. Uma
professora de Português que em três linhas de enunciado construído grafou
"vc", "dedação" e "fikaadika". Tudo bem, um erro
de digitação em "dedação" (redação) e duas formas de metalinguagem,
uma vez que, reconheçamos, a linguagem utilizada na internet, nas redes
sociais, permite essas adequações, abreviações e inovações. Reconheçamos,
também, que quem adere a essas inovações, ainda mais tratando-se de uma
educadora que tem a linguagem como práxis, deva ter maleabilidade suficiente
para distinguir erro e equívoco. Logo, se cobrou correção plena, falhou por não
praticar aquilo que cobra.
Esse episódio fez recordar, para encerrar a postagem, as circunstâncias
em que, quando editor de jornal impresso, tinha de ouvir os desaforentos
desabafos de que “os jornais de Assis cometem, demais, erros de Português”.
Minha primeira experiência nesse meio, do jornalismo impresso, aconteceu em
finais de 1993, quando assumi a editoria geral da extinta Gazeta do Vale.
Tínhamos uma boa redação, com um time composto por inquestionáveis figuras como
Arnaldo Pomari Júnior, Tony Pequeno e Júlio Cezar Garcia. Todos com uma
qualidade de texto que pouco exigia de revisão, feita por mim, no fechamento,
pois não tínhamos revisor específico. Quando muito, eu abria o hoje arcaico
PC-Com (software, no sistema operacional DOS) para corrigir uma ou outra
digitação trocada, pois aquele software não dispunha de revisor ortográfico
como temos fartamente hoje em dia.
Uma manhã, na banca da Catedral, na minha rotina de fazer plantões nos
locais de venda para perceber a satisfação (ou insatisfação) de quem pagava
para comprar as notícias que eu editava, vi uma senhora muito simples tirando
as moedas para comprar a Gazetinha. Fiquei surpreso, pois realmente o perfil do
público consumidor de jornal em banca fugia um pouco da visível condição
humilde daquela senhora, com certeza acima dos 50 anos de idade. Aproximei e
perguntei qual assunto ela buscava, ao passo que fui informado de que havia um
anúncio de empregos da TCM, que terceirizava serviços e iniciava as atividades.
Completei com outra pergunta, querendo saber, além do anúncio de emprego, que
outro tipo de notícia ela iria ler. A senhora respondeu que nenhuma, pois não
sabia ler. Não saindo, contudo, sem antes dizer que nem valia a pena ler aquele
jornal, pois ele, todos diziam, estava cheio de erros de Português.
Minhas passagens por empresas de comunicação cá, do interior, e da
capital, mostraram que existem muitas senhoras e senhores que não sabem ler os
erros e ignoram o que seja equívoco. Apontar erros, levantar equívocos, tudo
isso está dentro da democratização da comunicação. O que não dá é aceitar manifestações
verborrágicas, verdadeiras vociferações que ignoram os processos em que uma
mera estética lance no lixo a seriedade com que um conteúdo é publicado.
Sites como o Assiscity e jornais impressos tradicionais da cidade beiram
a inviabilização comercial dado o número de ações judiciais que bombardeiam
suas publicações. E, não adianta, qualquer um pode mover uma ação judicial caso
sinta-se prejudicado ou atingido por uma determinada publicação. Isso faz parte
da democracia. Uma democracia que nos corredores dos fóruns impede quem um
jornalista faça determinado tipo de abordagem quando transforma um fato
específico em notícia que atenda à ânsia da coletividade em busca de
determinada informação. É sob essa responsabilidade, também chamada de
intimidação do poder pelo poder, que um jornalista senta-se à frente de um
teclado e produz uma notícia, que é a mediação daquilo que viu para a
expectativa de quem o lerá. Tudo isso para vir uma pessoa e, em um texto que
pecou somente pela ausência de duas ou três vírgulas, dizer genericamente que o
site comete muitos erros de português. Isso dói tanto quanto ou até mais que um
processo, pois representa abraçar ao vencedor da maratona e lamentar, em seu
ouvido, que o suor dele cheira mal e o torna fétido.
*Professor universitário, historiador e jornalista,
é mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.
Um comentário :
Sou assisense e moro em assis, o povo de nossa cidade tem mania de saber tudo! Chega hora que fico cansado de nossa cidade! Do povo daqui as vezes chega dar nojo! Acham que são melhores que todos e sabem tudo!
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