sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Vocem e suas semelhanças com o Grêmio Barueri/Prudente

Cláudio Messias*

Na semana passada, quando da publicação, cá, no Blog, de que meu coração é do Vocem mas meu respeito é pelo Assisense, um raro e exceto leitor perguntou se eu entendo de futebol o suficiente para dizer que o Falcão do Vale tem mais condições do que o time Mariano para disputar, com êxito, a Segunda Divisão no ano de 2014. Respondo, pois, que gosto de futebol. Entender de futebol cada um entende um pouco e, dada a condição passional e parcial com que se olha para o brasão a que se adere, toda opinião que envolva o universo da paixão pela bola precisa, sim, ser ponderada e colocada em xeque.

Experimentei o futebol desde pequeno, em um 'campinho' que ficava em frente à casa em que morava, na rua Santos Dumont, a duas quadras do Assis Tênis Clube. Era um pequeno ser, ruim de bola, que ficava perdido entre os jogadores mais velhos. Pouco ou nada recebia de passes, pois não sabia, aos 4 anos de idade, marcar posição e entrar na harmonia tática. O tempo passou, eu cresci, continuei jogando nos campos ora de grama, ora de terrão, porém continuava sem receber a bola. Ruim na linha, fui tentar ser goleiro. E debaixo dos três paus fiquei até os 25 anos, quando comecei a usar óculos. Não via, literalmente, a cor da bola.

Treinei na escolinha da Ferroviária, onde era sócio, e conheci a realidade do varziano (sim, é varzíano, e não varzeano, pois esse último é aquele nascido em Várzea da Palma/MG) jogando no São José, time treinado pelo hoje coveiro Bodão, irmão do lendário e ídolo vocemista Zé Davi e de Cezinha, que com a minha idade também vestia a camisa laranja do time das 3 Porteiras. Defendi o gol de outros times amadores, mas construí um sonho a partir de 1983, quando tinha 13 anos. Treinava na Ferroviária e ouvia falar de um tal Vocem, que recebia investimentos de empresários da cidade. Fui a um jogo e sentei no setor da arquibancada em que sócios não pagavam. Conheci o "inferninho", um setor da torcida vocemista que cantava durante duas horas e meia, antes e após os jogos. Arquibancada com estrutura de trilhos da ferrovia e assentos em madeira apodrecida pelo tempo. Sim, era literalmente o inferno, com direito a parada de jogo contra o Fernandópolis por ataque de abelhas 'europa' que haviam feito colônia na torre de iluminação e foram importunadas por um esperto torcedor que queria - e conseguiu - ver o jogo por um ângulo diferente.

Fui levado às categorias de base do Vocem por seo Olímpio, o Limpião, que cuidava da retaguarda do Esquadrão da Fé. Amigo de ferrovia de meu pai e vizinho de bairro, ele colocou-me nos projetos que envolviam dente, dentinho e dentão, circunstância em que vi dois ídolos treinando, de perto: Marinho e Bertosa, goleiros que fizeram história em Assis. Marinho, irmão de Caio, com quem trabalhei na rádio Cultura e atuei como free, DJ, no Porão, continua meu amigo até os dias atuais e é uma pessoa por quem guardo imenso respeito, digno que é.

Mas, enfim, respirei o futebol em diversos aspectos. Daí a dizer que entendo de futebol é outra história. Considero profundo entendedor de futebol o lendário Jairo Ferreira dos Santos, o Jairão, que já despediu-se de nós. Ácido, crítico e sem entranhamento com os mandatários do futebol, ele saía dos estúdios, na Cultura AM, e descia à redação, no antigo prédio da Capitão Francisco Rodrigues Garcia, e dava seus conselhos a mim, um redator de jornalismo. Entre as recomendações, jamais fazer parte do jogo extra-campo do futebol, segundo ele, sem futuro. O time sobe, a credibilidade do jornalista cai, profetizava Jairão, comentarista que igualmente fez história na cidade.

Uma das grandes amizades que construí, com respeito e admiração, na crônica esportiva de Assis foi Homéro Rabello, o "internacional". Adorava viajar a trabalho com aquele velhinho, ouvir suas histórias e ser protagonista de circunstâncias cômicas que, inclusive, já renderam bons causos postados cá no Blog. Na fase final de sua vida, Homéro estava longe de ser aquele narrador esportivo que cobriu a final da Copa do Mundo de 1950, na inesquecível derrota do Brasil para o Uruguai. Zelador na escola Ernani Rodrigues, tinha, obviamente, suas dificuldades financeiras, a que tentava driblar vendendo cotas para o antigo Canal 4 da TV Cabo. Sozinho no projeto, Homero apelou aos amigos. Fui ajudá-lo e experimentei outro gênero do jornalismo esportivo: ser comentarista.

Com Homero narrando fui comentarista de jogos sensacionais. Por exemplo, cobrimos, em 1997, o Torneio do Soldado, na ADPM. Aos sábados, em plenas 13h00, Homerão passava em casa com seu Fusca azul calcinha e lá íamos enfrentar o calor, o sol e o violento futebol dos times participantes da competição. Que fique aqui, portanto, explicada a origem da expressão "troglodita" com que defino Edson Fiúza, que volta a ter o nome relacionado ao futebol profissional de Assis. Fiúza, que pertencia à corporação da Polícia Militar, batia forte do pescoço pra baixo nos jogos que disputava como zagueiro/voltante. E quando necessário , do pescoço pra cima também. Posso dizer isso com propriedade pois na segunda metade dos anos 1980 jogamos golzinho, nos asfalto da rua Cândido Mota, entre a Santos Dumont e a Visconde do Rio Branco. Sei bem, portanto, o valor da canelada do troglodita.

Daquela fase de comentarista no Canal 4 passei a escrever para a agência Futebol Interior, que surgia e também carecia de colaboradores. Escrevia sobre o Vocem e sobre o Paraguaçuense. E ia, mesmo sem ter vínculos com rádios, a Paraguaçu Paulista, para ver jogos da Série A-2. Nas cabines de imprensa, o convívio com Sinei Salomão, comentarista e chefe de equipe de esportes da Rádio Marconi AM. Diria que Sinei era o Jairão de Paraguaçu, pois, com independência e credibilidade, elogiava quando tinha de elogiar, mas criticava quando tinha de criticar os gestores do Azulão.

O restante da trajetória já foi descrito em outras circunstâncias e, confesso, nem interessa. Estou citando o que vi e o que vivi para, hoje, escrever um pouco sobre futebol. Já caí do cavalo várias vezes com minhas análises, da mesma forma que meus prenúncios se confirmaram. Por exemplo, mais recentemente, fatalizei o insucesso de Felipão na Seleção Brasileira e o homem voltou ao comando e conquistou a Copa das Confederações no meio do ano passado. Em contrapartida, via um ótimo time no Clube Atlético Assisense da temporada de 2013, porém sabia que com aquele comando técnico de Ademílson Venâncio o projeto de subir à Série A-3 não se confirmaria.

Não fico contabilizando anos e nem entendo que haja algum tipo de capital simbólico no tempo de experiência de um determinado profissional. Mas, aquilo que se vê em vida tem de ser tirado como lição do tempo, de modo que erros sejam, ao menos, evitados, e não se repitam. E, meus amigos, o que mais vi nesse tempo todo de jornalista esportivo, foram erros cometidos, repetidos e que, inclusive, passaram diversas vezes pela fila da teimosia. É com essa sensação, de repetição de erros, que vejo o calendário de futebol profissional de Assis sendo aberto em 2014.

O Jornal da Segunda Online posta notícia com a composição da diretoria do Vocem que tentará registro para disputar a Segunda Divisão do Campeonato Paulista. Edson Fiúza na presidência, Aref Sabeh como vice. E fico me perguntando: o que Aref Sabeh tem de contribuição com o Vocem? Não, não estou confundindo os Sabeh's. Sei muito bem quem é um e quem é outro. Que o vice-presidente gosta de futebol, disso eu não tenho dúvidas. Só que isso não basta. Vejo Aref Sabeh no segundo cargo mais importante do Vocem somente com pretensões políticas. Pois político ele é. Se é dos bons, é melhor perguntar para outras pessoas, e não para mim, pois tenho uma opinião integral sobre a péssima gestão do ex-prefeito Ezio Spera, de cuja equipe Aref saiu. Reinaldo Nunes, o Português, envolvido no mesmo projeto que Aref Sabeh. Preciso testemunhar in loco, no Tonicão, essa cena antes tida como inconcebível sob a perspectiva política que dividiu o PT em duas partes: a de apoio e a contrária ao apoio a Ezio Spera no segundo mandato.

Informações que obtive em São Paulo mostram que a Federação Paulista de Futebol deve, mesmo, inscrever dois times de Assis para a disputa da Segundona. Vocem e Assisense na disputa por uma vaga na Série A-3. Ambos os times apoiados por grupos de empresários e políticos, cada qual buscando o seu interesse. O que é mais grave, vejo agora, é que o respeito ao universo do futebol não foi motivo de preocupação nas duas partes envolvidas. Talvez, Carlos Antunes "Boi", pelo Assisense, e Reinaldo "Português" Nunes, pelo Vocem, sejam as partes direta e indiretamente ligadas aos projetos que realmente pensem na bola rolando, na torcida apaixonada lotando o Tonicão e na fé pela busca ao acesso e, assim, em um projeto de 2015 que nos coloque  na Série A-2. Os demais, pelos atritos que se estendem desde o final do ano passado, são meros interesseiros da bola, em detrimento ao respeito que o torcedor merece. E Assis continua sendo a Sucupira do Vale dos coronéis do dinheiro, que entendem que a tudo e a todos compram com seu dinheiro que deve sobrar.

Sou das Ciências da Comunicação e não serei, aqui, o chato teórico que buscará no discurso científico de meu doutorado uma posição sobre o que vem ocorrendo nessa fase de bastidores do futebol profissional de Assis. Não vejo outra definição, contudo, que não seja a de que faltou diálogo, comunicação, entre as duas partes, quais sejam, Clube Atlético Assisense e grupo de empresários, para que tudo se resolvesse dessa forma, com separação, em forma de ruído. Casamentos ameaçados, falta de clareza nas prestações de contas e pleito pela presidência do Falcão do Vale não podem ser motivo suficiente para tudo fosse lançado ao ar e tido como perdido. Repito que o ano político e as circunstâncias políticas estão, a meu ver, por trás desse discurso de necessidade de mudança. Falta saber, apenas, se isso já estava premeditado, possibilidade antes descartada e que agora ganha corpo. Eventual interesse por apenas experimentar o Assisense em 2013 e depois alçar voo independente em 2014 ou, ainda, desestabilizar o trabalho de gestão do Assisense em 2013, provocar o rompimento e, depois, pegar o clube já pronto em 2014. Portanto, ou tem pardal aprendendo a voar com gavião ou tem chupim se apropriando de casa de joão-de-barro nessa história nebulosa.

Que os dois novos lados do futebol local não queiram nem pensem que são mais espertos do que a macaca velha chamada Federação Paulista de Futebol. Casos como o de Assis aparecem anualmente na sede da instituição, a cada temporada. E as lições parecem não ter servido àqueles que sonham sem ter os pés no chão. Recordemos do Grêmio Barueri, que foi um fenômeno na década passada no futebol brasileiro, subindo simultaneamente de divisões no Campeonato Paulista e no Brasileirão, favorecido pelo poder financeiro da cidade de Barueri, que é a que mais arrecada em ICMS no estado. Um desentendimento entre o grupo gestor do Grêmio Barueri e o grupo de empresários fez com que surgisse o Grêmio Prudente, anunciado como um dos maiores projetos do interior do país. De grande, contudo, o projeto só tinha o estádio Prudentão, de modo que hoje tanto Grêmio Prudente quanto Grêmio Barueri em nada têm em força de disputa nos torneios que disputam. É dessa macabra experiência que falo quando me refiro à calejada pele da Federação Paulista de Futebol para essas cisões e novas fusões no interior, como a que sai do Assisense  vai para o Vocem.

Inegável que essa movimentação toda cria uma expectativa interessante na cidade. Afinal, tanto Vocem quanto Assisense se dizem programados para formar, mediante parcerias, equipes fortes para a disputa da Segundona. Que estejam mesmo preparados, pois há um capital político envolvido e por mais que nomes não apareçam, a cidade sabe quais e quem são. Aqui mesmo, no Blog, dentro daquilo que a Justiça Eleitoral permitir, vou tornando públicos esses nomes, principalmente daqueles que se escondem nos bastidores com medo de aparecer e que aguardam somente o bom momento para tirar proveito político. Que haja, mesmo, dois bons momentos, com o acesso tanto de Vocem quanto de Assisense para a Série A-3. Afinal, diante de tudo o que se tem falado dos projetos, o primeiro que não der certo comprovará a insuficiência de suas partes envolvidas, atolando todos os nomes na lama. E é aí que eu quero ver, daqui a exatamente um ano, quem continuará em pé, casado, não falido e disposto a encarar mais uma temporada desgastante.

É nesse aspecto que continuo torcendo para o Assisense. Não torço contra o Vocem, jamais, só que meu bolso suporta pagar ingresso somente para um time, realidade similar à da grande maioria do público que aceita queimar a testa ou a careca no sol, tomar chuva, aguentar vento frio e torcer para o time no inacabado estádio Tonicão. É dessa experiência que espero, em 2014, ver o Assisense livre da política de dividir despesas de planejamento com o torcedor, de maneira que se comece o campeonato praticando um valor de ingresso e depois cobre dobrado, exatamente no momento em que ocorre maior número de jogos por semana, nas fases finais. Quer inscrever clube, disputar um caro torneio de futebol profissional, então vá com cacife próprio para isso.


*Professor universitário, historiador e jornalista, é mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.

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