quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Erros ou equívocos não justificam uma ofensa ao jornalista


Cláudio Messias*

Nessa semana, na ocasião da morte de mais um jovem querido por grande parte da sociedade assisense, abri outra exceção e digladiei com uma leitora no site Assiscity. Minha saída da zona de limite do controle da arguição deveu-se a dois fatores. O primeiro e principal: o apontamento de que o site de notícias contém muitos "erros de português". Além disso, o puxão de orelhas, além de não condizente ao conteúdo da notícia, era deselegante para uma circunstância em que muitos amigos e conhecidos do rapaz ficaram sabendo de sua morte através da postagem e, assim, usavam o espaço dos comentários para, em muitos casos literalmente à distância, lamentar o ocorrido e externar condolências.

Colaborei durante algum tempo com o site Assiscity, amigo que sou de Bruna Fernandes, uma das gestoras da Rede Cuty. Aliás, nossa amizade advém de mais de 10 anos, ou seja, muito antes mesmo do nascimento do projeto do site. E nas minhas publicações sempre vinha um comentário ou outro sobre alguns deslizes, ora de digitação, ora de ortografia. Se a perfeição é divina, só Deus, mesmo, para escrever 100% correto. E, não tenho dúvidas, aparecerá um ateu para postar comentário dizendo que não há esperança por uma grafia plenamente correta, pois a seu ver nem Deus escreve perfeitamente.

Passei 28 anos de minha vida enfiado em redações. Do rádio à TV, dos jornais impressos às agências de notícias, trabalhar com a instantaneidade do fato e a necessidade do furo é um desafio. Talvez, somente o meio TV tenha sido e continue sendo o que melhor edita e menos submete-se ao risco de levar ao ar informações imprecisas. O rádio talvez tenha sido desbancado pela internet, ou seja, pelos sites de notícias, no quesito informação instantânea/risco de erro. Se a TV tem mais tempo de edição e maior intervalo entre os conteúdos levados ao ar ao vivo, rádio e websites lançam no ar aquilo que chega de imediato. Na teoria, pelo menos, rezam os manuais de redação que tais equívocos/erros de informação sejam corrigidos em forma de atualização. É nesse aspecto que centro meu debate, retomando-o mais adiante nesse texto.

Quando editor nesses ambientes de jornalismo que citei, as seleções principalmente de redatores - mas também de repórteres - tinham como teste principal a escrita. O estilo de texto jornalístico é distribuído por gêneros, de maneira que, por mais que possa parecer a bobagem, uma mesma notícia seja escrita de uma forma para uma rádio AM e de outra forma para uma rádio FM. E o que diferencia um texto do outro não é a frequência AM ou a frequência FM. Essa diferença está na audiência. Quem ouve rádio AM está habituado a receber a notícia de uma maneira, enquanto o ouvinte de FM recebe a mesma informação estando em outro tipo de comportamento de consumo. Sim, tudo isso ruirá com a unificação das bandas AM e FM, agora em 2014, ficando todas na frequência de FM. Mas, enquanto isso, a Difusora AM continuará tendo um público, a Voz do Vale FM, outro.

É daí que saem os grandes conflitos, atualmente, nas redações dos mega grupos de comunicação. Meu amigo Armando Pereira Júnior, editor de Economia e Finanças do UOL Notícias, do Grupo Folha, disse, em interação online com a derradeira turma de Jornalismo da Fema, em 2012, que o grande desafio do jornalismo contemporâneo está exatamente nessa convergência mediática a que o círculo universal de informações está submetido. Ao mesmo tempo em que tem de saber escrever sobre economia e cotidiano, um jornalista precisa dominar conhecimento sobre agricultura, esportes, política, polícia, cultura e judiciário. E por mais que tenha essa competência de múltiplas abordagens, precisará saber com que linguagem produzir seus textos.

O exemplo do UOL Notícias é pertinente porque trata-se de um braço daquele que é um dos maiores grupos de comunicação do país. Não raro, um texto que seja levado ao ar agora, nesse exato momento, na editoria de Economia e Finanças do UOL, poderá ser a manchete principal da edição de amanhã das versões impressa e online da Folha de S. Paulo. Um monitoramento desse mesmo texto daqui até amanhã cedinho mostrará o quão alterado será esse conteúdo. Sim, informações relacionadas ao fato passarão por atualizações e/ou correções, mas, principalmente, a linguagem será outra. Eu, você e muitas pessoas lemos o jornal impresso que chega em nossas casas ou locais de trabalho e vimos, novamente, iguais conteúdos na internet. Não nos damos conta, contudo, que somos informados mediante estratégias diferentes de leitura. Somos igualmente informados, em todos os detalhes, pelo UOL e pela Folha. O faccionamento da notícia é que se dá de maneira diferente. Quer ver isso ficar mais complexo? Basta comparar a mesma notícia, só no site da Folha e no site do Estadão, ou na Folha impressa e na igual versão em papel do Estadão, distinguidas pelas linhas editoriais.

Selecionar e escolher um redator ou repórter para trabalhar em uma redação requer observar, em seu perfil, essas e outras características, como o dinamismo, por exemplo. Se vinte anos atrás um repórter de jornal ficava uma manhã inteira na rua coletando informações e uma tarde igualmente inteira enfiado em uma reportagem especial, de uma página, para ser publicada no dia seguinte, hoje esse repórter ou cumpre 5 pautas factuais e preenche uma página ou está sem espaço no mercado de trabalho. As empresas jornalísticas souberam entender o comportamento do mercado e investiram na convergência de suas mídias impressas e de audiovisual ao jornalismo online que o público tão bem acolheu. Ao chegar da rua, portanto, o repórter tem de fazer uma síntese superficial do conteúdo que sairá publicado, com antecipação nos websites do próprio veículo. A empresa de comunicação que não faz isso torna-se hit de mediadora de notícia velha, pois enquanto está chegando às bancas com o que ocorreu 24 ou até 30 horas antes, os sites de notícias estão informando o que ocorreu menos der uma hora antes, já até mesmo virando seções de “assuntos mais lidos” com o conteúdo que estampa a manchete impressa. Sim, notícia velha tem menos de 48 horas de factualidade nessa nossa contemporaneidade.

Um repórter recebe, por dia, em uma cidade como Assis, algo em torno de 20 a 30 informações. Todas podem ser transformadas em notícias, é claro. Mas, na transição fato>notícia há um processo de mediação que requer todo um ritual, na maioria das vezes desconhecido por quem assiste, ouve ou lê, ou seja, pela audiência. Não basta receber a informação; é necessário averiguar, ver o fundamento. E se dessas 20 ou 30 informações, uma mereça atenção pois representa um furo, ou seja, será a manchete nas próximas 24 horas, o debruçar sobre ela exige, necessariamente, preterir as demais 19 ou 29 pautas. E aí fica a pergunta: então eu não fico sabendo de tudo? Sim, a resposta é "sim". Você, eu, enfim, todos não ficamos sabendo de tudo aquilo que chega aos jornalistas. Até porque, nem tudo o que acontece chega ao conhecimento das redações. Se aprofundarmos nesse quesito teremos parágrafos e mais parágrafos para discutir aquilo que muitos críticos da mídia dizem que seja filtragem de conteúdos.

Um fato que chega às mãos de um jornalista carece dessa averiguação para ganhar o status de notícia. Ouvem-se duas ou mais fontes, verificam-se as versões, levantam-se os dois lados envolvidos e lança-se o conteúdo no ar, seja no rádio ou na internet. Como há dois ou mais veículos por gênero em Assis, quem der a notícia primeiro sustenta o simbólico capital chamado credibilidade, que permite captar mais anunciantes, interessados, estes, no número cada vez maior de internautas ou ouvintes atraídos por tal variedade de conteúdos atualizados. E é lá, do outro lado, na audiência, é que está a metralhadora cujo alvo é, prioritariamente, o conteúdo atualizado, principalmente, o deslize de produção. Acerte 1 milhão de postagens que, consecutivas, não contenham um erro sequer. Mas, na postagem 1.001 escreva "há quem seda e dê esmolas no semáforo" e a casa cai para o seu lado. "Seda", só a do tecido, pois nesse excerto acima o correto é "ceda", do verbo ceder. Na internet, em um site de notícias, aparecerá um internauta que dirá "aprenda a escrever direito, pois "ceder" é com "c" e não com "s'". Como se o jornalista desaprendesse tendo escrito "seda" e deixasse de haver veracidade no respectivo conteúdo publicado.

Essa experiência com o "seda"/"ceder" eu passei quando colaborava com o Assiscity. Sei e sempre soube diferenciar seda e o verbo ceder, mas naquela postagem saiu assim, errado. Talvez porque, como colaborador, eu encaixava a produção dos textos em minha rotina de preparação de aulas, pesquisa, vida familiar, entre outros afazeres e escrevia sem o tempo que considero ideal para revisar. E na pressa, por fatores mil, houve uma troca de posição de dedos e, no teclado, busquei o "s", com o dedo anelar esquerdo, e não o "c", com o dedo médio igualmente esquerdo. Dedos que estão lado a lado, teclas que estão separadas, apenas, pelo "d", na fileira de cima do teclado, ' pelo "x", na de baixo.

Alguém me disse que haviam escrito um desaforo como comentário na postagem a que estou referindo (não consulto nem acompanho o que comentam, muito menos respondo ou entro em rota de colisão com tais conteúdos). Fui verificar e encontrei essa observação de um internauta. Por curiosidade, entrei na conta dele no Facebook e verifiquei suas postagens feitas por aqueles dias. Digo, apenas, que não o contrataria para ser meu redator.

Reli, no Assiscity, toda a minha postagem. Só havia passado aquela escorregada, com a troca do "c" pelo "s", em todo o texto. Concordo que seja uma barriga séria, que dói aos olhos. Em outros tempos eu coraria o rosto, mas hoje essa vergonha já não é tão dolorida na minha alma. Talvez porque aquele "seda" correspondesse a 99,99% de todo o texto, que rendera diversos compartilhamentos e comentários positivos (tive de conferir os comentários para encontrar aquele que criticava "seda" com "s"). Fiquei, sim, com vontade de quebrar minha própria regra e responder à provocação, mas desisti quando, refletindo, reconheci que havia cometido o erro de grafia e, também, por ter visto que o crítico, entre outros fatores, não sabia diferenciar, em suas postagens nas redes sociais, as regras de grafia do "porque", juntando quando era para separar, separando quando era para juntar, acentuando sem necessidade e retirando acento quando necessário.

Enfim, a audiência é assim, e pronto. Nós, que escrevemos, o fazemos para um público que varia culturalmente em formação. Assiscity, Jornal da Segunda Online entre tantos outros já não escrevem para assisenses que estão em Assis, como ocorreria duas décadas atrás. Tenho leitores e amigos que prestigiam meus textos e hoje estão na Alemanha, no Japão, nos Estados Unidos, enfim, distribuídos pelos cinco continentes. Sei, também, pelos e-mails que recebo através do Blog, de desconhecidos e anônimos que me acompanham advindos de cidades da região, de outros estados, enfim, dessa complexa circulação que a internet propicia. Ricos e pobres, alegres ou mal humorados, torno-os internautas, ou seja, consumidores de um determinado tipo de mídia que difere das rádios, dos jornais e das TVs por onde passei. Chamo-os de "você", em primeira pessoa do singular, tornando-os uma unidade. Espero agradar a um, mas que represente a todos. O dia em que essa ordem for invertida não haverá razão para a minha produção.

Jornalista sempre errou, erra e continuará a errar. Uma coisa, contudo, é errar na função mais básica, que é a precisão da informação. Outra, é errar na estética. Sim, considero essas deslizadas na ortografia uma mera mancha na casca, que não compromete a poupa da fruta. Errar na informação, no conteúdo, é comprometer metaforicamente a poupa. Daí, sim, caso não haja correção do erro, o jeito é trocar não só o fruto, mas deixar de buscar aquela árvore, aquela fonte de informação.

Não é isso, porém, o que tenho visto no comportamento dos sites de notícias, nem no comportamento dos leitores/usuários. As notícias chegam rápido, com ou sem ilustrações por fotos sensacionalistas principalmente em acidentes com vítimas fatais. Nunca fiz esse cálculo/acompanhamento, mas creio que as notícias de maior audiência de sites como o Assiscity e o Assis Notícias são publicadas com no máximo uma hora de intervalo entre o fato e a notícia. Tempo suficiente de verificação da fonte, de confirmação do fato e de início de apuração dos dois ou mais lados envolvidos no episódio. São, pois, eficazes esses nossos jornalistas da região.

Constatar que há "erro de português' em textos noticiosos é, pois, chover no molhado. A mulher que fez o comentário na notícia do Assiscity se diz professora de Língua Portuguesa e se propôs a fazer a redação das notícias pelo site, cansada que estava com os erros de português que dizia ver. Uma professora de Português que em três linhas de enunciado construído grafou "vc", "dedação" e "fikaadika". Tudo bem, um erro de digitação em "dedação" (redação) e duas formas de metalinguagem, uma vez que, reconheçamos, a linguagem utilizada na internet, nas redes sociais, permite essas adequações, abreviações e inovações. Reconheçamos, também, que quem adere a essas inovações, ainda mais tratando-se de uma educadora que tem a linguagem como práxis, deva ter maleabilidade suficiente para distinguir erro e equívoco. Logo, se cobrou correção plena, falhou por não praticar aquilo que cobra.

Esse episódio fez recordar, para encerrar a postagem, as circunstâncias em que, quando editor de jornal impresso, tinha de ouvir os desaforentos desabafos de que “os jornais de Assis cometem, demais, erros de Português”. Minha primeira experiência nesse meio, do jornalismo impresso, aconteceu em finais de 1993, quando assumi a editoria geral da extinta Gazeta do Vale. Tínhamos uma boa redação, com um time composto por inquestionáveis figuras como Arnaldo Pomari Júnior, Tony Pequeno e Júlio Cezar Garcia. Todos com uma qualidade de texto que pouco exigia de revisão, feita por mim, no fechamento, pois não tínhamos revisor específico. Quando muito, eu abria o hoje arcaico PC-Com (software, no sistema operacional DOS) para corrigir uma ou outra digitação trocada, pois aquele software não dispunha de revisor ortográfico como temos fartamente hoje em dia.

Uma manhã, na banca da Catedral, na minha rotina de fazer plantões nos locais de venda para perceber a satisfação (ou insatisfação) de quem pagava para comprar as notícias que eu editava, vi uma senhora muito simples tirando as moedas para comprar a Gazetinha. Fiquei surpreso, pois realmente o perfil do público consumidor de jornal em banca fugia um pouco da visível condição humilde daquela senhora, com certeza acima dos 50 anos de idade. Aproximei e perguntei qual assunto ela buscava, ao passo que fui informado de que havia um anúncio de empregos da TCM, que terceirizava serviços e iniciava as atividades. Completei com outra pergunta, querendo saber, além do anúncio de emprego, que outro tipo de notícia ela iria ler. A senhora respondeu que nenhuma, pois não sabia ler. Não saindo, contudo, sem antes dizer que nem valia a pena ler aquele jornal, pois ele, todos diziam, estava cheio de erros de Português.

Minhas passagens por empresas de comunicação cá, do interior, e da capital, mostraram que existem muitas senhoras e senhores que não sabem ler os erros e ignoram o que seja equívoco. Apontar erros, levantar equívocos, tudo isso está dentro da democratização da comunicação. O que não dá é aceitar manifestações verborrágicas, verdadeiras vociferações que ignoram os processos em que uma mera estética lance no lixo a seriedade com que um conteúdo é publicado.

Sites como o Assiscity e jornais impressos tradicionais da cidade beiram a inviabilização comercial dado o número de ações judiciais que bombardeiam suas publicações. E, não adianta, qualquer um pode mover uma ação judicial caso sinta-se prejudicado ou atingido por uma determinada publicação. Isso faz parte da democracia. Uma democracia que nos corredores dos fóruns impede quem um jornalista faça determinado tipo de abordagem quando transforma um fato específico em notícia que atenda à ânsia da coletividade em busca de determinada informação. É sob essa responsabilidade, também chamada de intimidação do poder pelo poder, que um jornalista senta-se à frente de um teclado e produz uma notícia, que é a mediação daquilo que viu para a expectativa de quem o lerá. Tudo isso para vir uma pessoa e, em um texto que pecou somente pela ausência de duas ou três vírgulas, dizer genericamente que o site comete muitos erros de português. Isso dói tanto quanto ou até mais que um processo, pois representa abraçar ao vencedor da maratona e lamentar, em seu ouvido, que o suor dele cheira mal e o torna fétido.


*Professor universitário, historiador e jornalista, é mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.

Um comentário :

Anônimo disse...

Sou assisense e moro em assis, o povo de nossa cidade tem mania de saber tudo! Chega hora que fico cansado de nossa cidade! Do povo daqui as vezes chega dar nojo! Acham que são melhores que todos e sabem tudo!