terça-feira, 5 de maio de 2015

Nasceu Antônio Rebello, viveu Toninho Dentista e morreu Toninho do Bem

Cláudio Messias*

Fiz poucos amigos na política. Cobri, como jornalista, a política local por mais de uma década. E, como sempre ratifico, separo conhecidos, colegas e amigos. Amigos, pois, na política eu fiz poucos. E considero amigo aquele cuja recíproca assim justifica. Toninho Dentista era um desses amigos cuja relação de vivência social em harmonia justificava a condição de amigo.

Conheci Toninho quando criança. Ele atendia convênio com a antiga Fepasa. Filho de ferroviário, lá estava eu na cadeira do consultório de Toninho Dentista aos 6 anos de idade. Ainda tinha alguns dentes-de-leite na boca e já levava broncas por não obedecer à rotina de 4 escovações diárias. Algumas recordações do consultório ao lado do Banespa, no andar superior, ficaram eternizadas.

Toninho morava no próprio consultório, característica que levou por quase toda a vida de 64 anos. Quando as consultas eram agendadas por uma secretária que brilhava aos olhos de moleque sem-vergonha, de cabelos negros e curtos, corpo esbelto, e coincidiam com as primeiras horas da manhã, lá chegava Toninho, todo apressado e raspando as mãos, seu comportamento eternamente característico, olhos inchados, saindo de uma porta que, imaginávamos, era de sua casa, ou seu quarto. Afora isso, uma TV em preto e branco, em formato de capacete de motoqueiro, vermelha, destacava naquele canto da parede ao lado das cadeiras na sala de espera.

Toninho conquistava a todos pela forma educada com que lidava com pacientes ou mesmo com desconhecidos. Sempre sereno. Fixava o olhar em algum ponto abaixo do pescoço de seus interlocutores quando discursava. Não que fugisse de olhar nos olhos, mas era peculiar de seu comportamento, de seu jeito, olhar dessa forma quando falava. Sua popularidade o levou à condição de um dos vereadores mais votados da história de Assis.

A primeira eleição de Toninho Dentista ocorreu em 1992, ocasião em que recebeu 356 votos, ou 0,85% do total. Filiado ao PDC ele formou legislatura com Alves Barreto (vereador mais votado, com 944 votos), Canton, Zanoti, Isabel Bertogna, Paraíba Serezani, Ademir Marcelo, Nílton Duarte, Belinote, Paulo Binato, Bat, Mílton Rocha, Beluci, Guilherme da Farmácia, José André e Valdir Cruz. Aliado político do prefeito Zeca Santilli, o vereador figurou como líder do tucano no Legislativo, transitando entre as reuniões na chácara do ex-prefeito e os acordos políticos que viabilizaram o segundo mandato de Zeca. Discreto e ético, não tomava literalmente partido nem de situação nem de oposição, o que lhe rendia a rara condição de trânsito entre quem era aliado de Zeca e quem era inimigo político do ex-prefeito.

A popularidade de Toninho Dentista em Assis disparou. Praticamente abdicando de seu consultório, ele era presença marcante em reuniões de associações de bairro e seus projetos, na Câmara, via de regra eram populares. Seu capital político lhe rendeu a segunda maior votação nas eleições de 1996. Toninho Dentista, então no PPB, teve 1029 votos e ficou atrás apenas da popularidade do médico Mílton Burlim, eleito com 1.086 votos pelo mesmo PPB mas depois filiado ao diretório local do PT. Foi uma das maiores renovações políticas que a Câmara Municipal de Assis testemunhou, ganhando as novas cadeiras Português, Marcelo Bico, Marly Camargo, Mera e Pastor Dirlei. A meu ver, foi a melhor composição política da história partidária que testemunhei em Assis, com as sessões legislativas ganhando em qualidade de debate e rivalidade política que coloca em rota de colisão a tríade das alas Santilli, Bolfarini e do PT.

Toninho Dentista, nessa composição da legislatura de 1996 a 2000, foi aliado do então prefeito Romeu Bolfarini, responsável por uma das mais árduas ditaduras da comunicação da história de Assis, desdobramento de seu primeiro mandato. O prefeito tentava controlar os veículos de comunicação e seus profissionais, mas seu principal aliado na Câmara fazia prevalecer a característica maior de seu caráter: apaziguar. O que a equipe de governo de Bolfarini não tinha de destreza para lidar com os comunicadores, sobrava para Toninho Dentista. E era assim que o cenário da época desenrolava: a Prefeitura cometendo seus deslizes às vezes até patéticos e o líder, na Câmara, esforçando-se na tentativa de ajustar, por exemplo, a desastrosa situação em que ocorreu a municipalização do ensino na cidade.

Em 2000 Toninho Dentista viu reduzir drasticamente a votação. Pelo mesmo PPB teve 758 votos, ficando como 9º mais votado. Pagou caro pela relação política próxima a Romeu Bolfarini e sua equipe de gestão na Prefeitura. Ficou suplente, em um primeiro momento, na eleição que marcou a entrada, na Câmara, de João Rosa, Cláudio Bertolucci, Dr. Sobral, Wilson Servilha, Claudecir Martins, Bermejo e Márcio Veterinário. Quatro anos depois ficaria efetivamente suplente no pleito que reelegeu somente Márcio Veterinário e Claudecir Martins, coincidindo com o primeiro mandato do prefeito Ezio Spera.

Uma ação do Ministério Público pegou Toninho Dentista de surpresa. Ele e outros ex-vereadores tiveram os direitos políticos primeiro suspensos e depois cassados por oito anos. A maior infelicidade da vida de Toninho, amargada nas conversas que variavelmente mantínhamos no clube em que somos sócios em comum, foi ter a candidatura registrada, obter votação que lhe dava direito a vaga na Câmara, mas, antes da posse, ser impedido de exercer o mandato que parte da população de Assis lhe dera.

No início do ano, em um de nossos reencontros na portaria do clube – eu saindo, ele entrando para as regulares atividades físicas na academia, sempre por volta de 21 horas, Toninho parou-me para conversar e falar de futebol, querendo saber sobre a rivalidade entre Treze e Campinense, em Campina Grande, entre outros assuntos de boleiros. A mim Toninho Dentista se referia como “irmãozinho”, jeito carinhoso com que me chamou, sempre, desde os tempos em que eu era o repórter e ele, o entrevistado.

E sempre foram inúmeras as nossas pautas. Por exemplo, se o hino de Assis é executado oficialmente antes de eventos na cidade é porque existe uma lei municipal de autoria de Toninho Dentista, que transformou em hino a letra composta, no passado, por Dona Pimpa. Um vereador, pois, que não ficava restrito ou amarrado a projetos e pedidos de denominação de ruas. Conforme definiu, hoje, a coletora de materiais recicláveis que passa aqui na nossa rua, um vereador da periferia, que tinha a cara do povo porque era do povo; vestia-se como quem é do povo, atendia quem é do povo. Um vereador povão.

Ontem, fazendo minhas necessárias caminhadas  de recuperação pós-cirúrgica, tracei o trajeto de ir ao centro passando pela Marechal Deodoro. Era meio-dia e antes de passar na Banca da Bandeira para uma prosa rápida com meu amigo santista Márcio Grilli, vi uma unidade do SAMU parada. Ernesto Nóbile, vice-prefeito na época do segundo mandato de Toninho Dentista na Câmara, estava nos arredores, com alguns policiais. Associei aquela cena a algo como acidente de trânsito ou outro assunto que exigisse a presença de um advogado, profissão de Nóbile nos últimos anos. Depois de passar pela Banca da Bandeira eu já me encontrava nas proximidades do shopping quando a unidade do SAMU acionou a sirene para cruzar a J.V. da Cunha e Silva.

De volta para casa soube da morte de Toninho Dentista. Pelos relatos, hoje, que ouvi quando do sepultamento, no Cemitério da Saudade, quando passei pela Marechal Deodoro, ontem, em frente ao consultório dentário, Toninho estava entre o primeiro e o segundo ataques cardíacos, de três que teve. O terceiro e derradeiro aconteceu já dentro do Hospital Regional.

No cemitério, enquanto aguardávamos a chegada do corpo, o irmão de Toninho, que veio de Botucatu, onde tem uma gráfica, lamentava que o dentista mais conhecido de Assis não tenha conseguido se desvencilhar do vício do cigarro. A mim, em janeiro, Toninho dizia que iria iniciar a bateria de exames necessários para verificar a situação do coração, uma vez que compactuávamos do mesmo incômodo no peito, e ele já planejava o ano eleitoral de 2016. Dali, do clube, cada um seguiu seu destino. No meu trajeto esteve uma cirurgia cardíaca prestes a completar 90 dias. Hoje, com amigos e familiares mais próximos, reencontrei Toninho pela última vez, vendo-o, na derradeira despedida, por aquela ‘janelinha’ de vidro como se prestes estivesse a abrir o sorriso característico que eterniza sua imagem na lembrança de todos nós. Enterramos, pois, um homem de bem. Toninho do Bem.


* Professor universitário, historiador e jornalista, é mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela ECA-USP.

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