Cláudio Messias*
Completo, em novembro, 30 anos de iniciação ao jornalismo esportivo. Desde que comecei, naquele novembro de 1985, ingressando na equipe comandada por Chico de Assis, o Poeta, vi quase de tudo nesse universo do futebol profissional. Um universo que cheguei a rodear quando ainda era conhecido como Ovelha, goleiro que frequentou, sem sucesso algum, as categorias de base do Vocem, incentivado pelo saudoso Limpião, tradicional roupeiro do Esquadrão da Fé na época em que os jogos eram mandados na Associação Atlética Ferroviária, vulgo estádio da Rua Brasil.
Até hoje não vi um clube pequeno, de interior, chegar à Primeira Divisão do Campeonato Paulista e lá se manter com a regularidade de estada dos 'grandes' da capital. E olha que nesse período a Portuguesa de Desportos, que quando comecei era grande, chegou a ser sacaneada por arbitragem do argentino Castrilli, quase foi campeã estadual, revelou ao mundo mais um badalado sucessor de Pelé, Dener, que a morte tratou de interromper, despencou o suficiente para hoje ter as mesmas dívidas e os mesmos problemas que a maioria absoluta dos nanicos clubes do interior. Clube grande, pois, não cai. E quando está para cair, no Paulistão, é ajudado pelo maior dos rivais, como no histórico caso em que o São Paulo misteriosamente salvou o meu Corinthians da hoje denominada Série A-2.
Já vi até CPI do Futebol no Congresso Nacional. Investigações, claro, que não deram em nada. E houve um técnico, badalado, que caiu da Seleção Brasileira por escândalo envolvendo sonegação de impostos para a Receita Federal, caso de Vanderlei Luxemburgo que, convenhamos, não aprendeu nada em sua meteórica passagem pelo Real Madri; nem falar espanhol. E se o assunto é Seleção, como esquecer a oferta de estadia,sol, mar, belas mulheres, clima agradável, de férias, e receber dos alemães a inesquecível goleada de 7x1. Igualmente, se o assunto é CPI do Futebol, o que dizer da saída, pela porta dos fundos, de Eduardo José Farah, cuja passagem pela Federação Paulista de Futebol rendeu muito, mas muito. Rendeu até nome ao estádio municipal de Presidente Prudente, a que a população regional chamou de Prudentão mas que a política nefasta denominou Farazão.
Nessas três décadas passadas vi o esporte ser diretamente impactado pelo cerceamento à publicidade de cigarro e bebidas alcoólicas. Nosso ídolo maior do automobilismo dirigiu uma MacLaren que nada mais era do que o design da embalagem da caixa de cigarros da marca Marlboro. Senna, também, começou a carreira na Fórmula 1 em uma Lotus que já era a reprodução de outro produto igualmente nefasta, o John Player Special. E aí vem a Federação Paulista de Futebol e, ao organizar o que ela denomina como maior campeonato regional do mundo, estampa nas campanhas as marcas de cervejarias. Isso, concomitante à proibição de venda de bebidas alcoólicas em estádio, o que prejudicou diretamente aos pequenos clubes, que sempre fizeram dos seus bares, dentro dos estádios, uma importante fonte de receita. Ou seja, os clubes nanicos nada ganham, mas a Federação fatura volumosos valores com as cervejarias. Basta ver o nome comercial do Campeonato Paulista atualmente em disputa: Paulistão Itaipava. Mesmo Paulistão que já teve Kaiser na cota de patrocinadores.
O Brasil amanheceu, ontem, com a notícia da prisão de 7 cartolas do universo do futebol, todos ligados às Confederações que compõem o conselho deliberativo da Fifa. Máfia reunida em um hotel na Suíça e circunstância melhor para se prender uma quadrilha de uma só vez. No meio dos presos, José Maria Marin. O que ele fez de errado só a Justiça dos Estados Unidos, autora do mandado de prisão, sabe. E como a arrogância norte-americana custa a abrir ao mundo aquilo que fundamenta suas ações, deveremos levar alguns dias ou semanas para saber exatamente o que coloca atrás das grades alguns sexagenários. O que todo mundo sabe, mesmo, é que o retrospecto público de
José Maria Marin o coloca na berlinda. A nós, paulistas, que tivemos a dona Federação Paulista de Futebol integrada por esse cartola, compete a retórica do "eu já sabia". Sabíamos, por exemplo, que um dirigente que apropria-se descaradamente de uma medalha que era para ser colocada no pescoço de um garoto campeão da Copa São Paulo de Futebol Júnior, em 2012, é capaz de tudo o que a Justiça norte-americana entende como delituoso, e muito mais.
Eu continuo minha trajetória de vida, acompanhando, ora como torcedor, ora como cronista esportivo, o que a Federação Paulista de Futebol protagoniza. Entendo que a Federação Paulista de Futebol, na condição de aliada eterna da CBF, tem muito a dizer sobre, guardadas as devidas proporções, o que levou cartolas à prisão na Suíça. Afinal, algumas edições do Campeonato Paulista são igualmente suspeitas e envolvem direitos de transmissão e a consequente permanência dos grandes clubes da capital na elite do torneio. Cifras milionárias e uma sede de faturamento que beira ao ridículo, como no caso de o uniforme dos árbitros, em 2015, ter sido estampado com o mesmo patrocinador principal do vice-campeão paulista da temporada. Os cofres e as portas da FPF precisam ser abertos e mostrados à sociedade, passível do agravamento de uma situação cada vez mais grave: a fuga dos torcedores dos estádios. A Federação fatura demais com os patrocinadores, os clubes faturam de menos com estádios, caros, vazios.
Tenho amigos que trabalham na Federação e os isento dessa patifaria. E, reconheço, o que se passa na FPF talvez esteja, em uma escala de proporções, abaixo do que estourou na Fifa e respingará na CBF. E se é que dá para ter esperança de alguma coisa, imagino que Reinaldo Carneiro Bastos, que mês passado trocou a vice-presidência pela presidência da principal Federação de futebol do país, definitivamente tenha a coragem demonstrada desde o final do ano passado e mude os caminhos da instituição. O formato de disputa da Série A-1 é bom, mas para voltar a ter a força de antes o Paulistão precisa ter as divisões de acesso mais competitivas e igualitárias. Desde 2013 eu, aqui no Blog, esperneio contra a presença do Cotia nas competições oficiais. Clube que naquela temporada definia o estádio em que mandaria o jogo de domingo três dias antes, fazendo de palhaços os dirigentes de seus clubes adversários. Três temporadas depois precisou o TJD eliminar o Cotia, sem estádio, do Campeonato Paulista da Série A-3. Tenho dúvidas se Marco Pólo Del Nero ainda fosse presidente a Federação teria tomado igual, correta e radical decisão.
Reinaldo Bastos sinaliza para um Campeonato Paulista 2016 renovado. Respeitando o Estatuto do Torcedor, está fazendo as mudanças aos poucos. Rica, todos sabemos, a FPF continuará sendo, pois aqui estão os quatro clubes que dão audiência, público e receita publicitária nas competições que disputam. Deveremos voltar a ter apenas 3 divisões no Paulistão, como nas décadas de 1980 e 1990. Que voltemos, também, à composição das regras gerais do jogo, de maneira que se a marca do torneio é associada a cervejarias, igualmente os clubes possam voltar a comercializar o produto dentro de seus estádios.
* Professor universitário, historiador e jornalista, é mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela ECA-USP.
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