Por: Cláudio Messias*
Volto, aqui, no Blog, quase um ano depois de quase ter publicado a última postagem. Não mencionarei essa quase derradeira postagem. Ao menos que o tempo e a vida assim exijam que eu o faça.
Mas quem me traz, aqui, é Tapera. O nome completo a família sabe, os amigos sabem. Quem não sabe, que dê um gúgou. Não estou aqui para servir preguiçosos da vida digital.
Sou da época em que rádio se fazia regulando a sintonia entre central técnica e transmissor. E quanto eu rachava a cabeça tentando entender links e sintonia de uma central AM e um transmissor AM. Da central técnica da Cultura AM para o transmissor da emissora da Família Camargo na saída para Cândido Mota, pela Bendito Pires.
Aprendi com José Carlos Domingos, o Pé na Cova, e Manoel Martinez, o Mané. E mediado por Maurílio Siqueira. Ambos, no universo da Cultura AM/FM, sob a égide de Toninho Camargo e dona Anamélia, já sob a quase tutela de Eduardo Camargo, o Camarguinho, que dava vida e alma à Cultura 2 FM, receita de sobrevivência do grupo desde os anos 1980.
E eu estava nos anos 1980. Ingressei na Cultura como aprendiz em 1984 e iniciei efetivação em 1985. Em 1986 já era redator e, subsequente, editor do Cultura Notícias. Sim, o rádio acelerava funções e profissões. E assim assimilei suas responsabilidade e, hoje sei, sua injustiças no mundo do trabalho.
Mas, voltemos ao mundo do rádio em 1986. Tapera visitava Pardal e equipe de trabalho na central de transmissões da Cultura AM. Eu, n a redação, ao lado da sala de decisões das transmissões esportivas, ouvia tudo, atento. Sempre quis e aprendi com mestres. Bentinho foi um deles. Tepera, Pardal e Maurílio, outros.
Tapera sempre me conquistou por um fator: ensinava sem determinar. Hoje, aos 53 anos, sou um ex-radialista, ex-jornalista que, com graduação, mestrado e doutorado, ensino comunicação no meu cotidiano. Entretanto, no passado, jamais ignorei minhas escolas. E com quase 3 décadas a menos do que meu homenageado em vivência, reconheço humildemente que continuo aprendiz perante aos mestres.
Tapera jamais, a meu ver, buscou projeção. Pelo contrário, inúmeras vezes o vi como um cidadão comum em supermercados e espaços igualmente comerciais e, por que não, públicos. Transitava mortal igual. eis a essência da humildade. Quem precisa de projeção, se projeção pessoal não há? Tapera jamais quis projetar a si. A luz de seu talento o projetava. E isso não quer dizer que era desconhecido do suficiente para não ser projetado.
Nós, radialistas, sabemos a quem projetar. E projetamos quem nos ensina. Alguns passam, outros passarão. e Tapera é o aumentativo de pássaro, sim, pois é Passarão.
A razão lhes explico em um momento sublime.
Nos anos finais da década de 1990 algumas emissoras de rádio da região de Assis, em especial capitaneadas por paus-mandados de deputado federal e bispos católicos, protagonizaram ações contra emissoras de rádio comunitárias, à época classificadas como "piratas". Tapera tinha sua sintonia, foi alvo de busca e apreensão pela Polícia Federal vinda de Bauru.
Eu, repórter sob a égide do então poderoso jornal diário da época, registrei aquilo editorialmente influenciado por um editor tão pau-mandado quanto a gestão da empresa jornalística e, nas entrelinhas, deixei minha indignação,. Se eu, autor, não recordo do que escrevi, quiçá o editor pau-mandado do sistema da época, que não lia as reportagens e se lia, não entendia das entrelinhas.
Sim, raro e exceto leitor, eu até engulo algumas hipocrisias de quem se traveste de esquerda, mas não as esqueço. E aqui estou expondo apenas uma de tantas outras que um dia, se a vida permitir, eu colocarei. Que o protagonista, quando eu expuser, engula a seco o dia de glória que teve quando (tentou) me censurou (me censurar) em nome do prefeito da época. Ao todo, 18 reportagens não foram publicadas. As deixei prontas, mas o sujeito as engavetou e no lugar colocou, por vezes, releases saídos de assessorias de imprensa e assinados com o nome do próprio.
Tapera não. Tapera era claro nas regras do rádio. E quando eu cobria, num sábado, a apreensão de seus equipamento, o lacrar de sua vida em forma do prédio da rádio comunitária no Jardim Paraná, ele dizia: "calma, Messias. A vida ensina".
Em 2006 eu, professor, fazia coquetel de lançamento do jornal D' Escola, um informativo escolar que o Estado direitista de Geraldo Alckmin tentava impor como "ferramenta de recuperação paralela de reforço". Mas, na escola Léo Pizzato, no jardim Paraná, não. Não era só isso. Era uma plataforma de jornal impresso que ajudava a transformar vidas.
Tapera lá estava. A diretora da escola na época era Lourdinha e a coordenadora pedagógica, a maravilhosa Tânia Jancovic, uma das pessoas mais decisivas que já conheci em meus 53 anos de vida. Tapera cobria pela Rádio Cidade de Assis. Sim, era rádio que levava o nome da minha cidade, e não do Vale. E isso fazia diferença enorme, pois uma rádio que divulga o bairro jamais será a representação hegemônica de uma rádio que depende de um deputado, de um bispo ou de um pastor. Será, eternamente, a rádio da voz da comunidade.
Tapera me entrevistou naquele coquetel. Sua morte, hoje, me surpreendeu o suficiente para não encontrar a foto feita por meu filho, Júlio, quando ele me entrevistava lá nos idos de 2006, no pátio da escola Léo Pizzato.
Ao final, comendo salgadinhos e tomando sucos, Tapera chegou junto e disse: "Messias, eduque para mudar esse mundo. E eduque pela comunicação". Não por acaso, meu objeto eterno de pesquisa é a educomunjcação, campo do conhecimento que inter-relaciona comunicação e educação.
É isso que minha lembrança traz agora, e é isso que minha emoção permite escrever. Sou grato a Tapera pela referência. Aprendemos, muitas vezes, observando pessoas. E sempre observei Tapera. Acho que é tarde para dizer isso a ele.
*Professor universitário, historiador e jornalista, tem graduação em História pela Unesp/Assis, mestrado e doutorado e Ciências da Comunicação pela ECA/USP