Cláudio Messias*
Há, definitivamente, algo errado com o tempo. E quando refiro a tempo entro na complexidade do étimo, com seus múltiplos significados. Apropriando daquilo que enunciavam os mais antigos, olho para o tempo e não vejo somente passado, presente e futuro; vejo chuva chegando ou prenúncio de estiagem. Enxergo, por exemplo, que em 2013, já quase passado, muitas foram as manifestações de que o clima, denominação mais contemporânea para o tempo natureza, esteve anormal. Está fora do normal,
No final da década de 1990 acompanhei o professor Ronaldo Cicciliato, do colégio Xereta, a uma das expedições que fazia com seus alunos nos arredores do rio Paranapanema. De conversa boa e um jeito doidão, estabanado, Ronaldo é uma das pessoas a que chamo de figuraças. E naquele ano - talvez, 1997 -, dentro de um barco a motor, eu e o fotógrafo Lúcio Coelho registrávamos, em reportagem, o contato dos estudantes, em uma aula legítima e literalmente prática de geografia, com o encontro entre os rios Cinza e Paranapanema, cada qual com sua coloração específica. E dentro do barco Ronaldo dizia, na nossa conversa paralela, sobre alguns dos impactos que os lagos das usinas hidrelétricas de Canoas I e II trariam para o Médio Vale.
O professor de geografia e ambientalista advertia para o fato de o impacto ambiental do complexo Canoas ser muito mais amplo do que as adjacências que estavam sob a mira do Ministério Público, do Ibama, enfim, do Estado. Naquele ano as comportas começariam a fechar nas duas usinas, formando definitivamente os lagos, já quase cheios. E como consequência, prenunciava Cicciliato, viriam dias mais quentes e noites mais amenas. Em regiões próximas a lagos artificiais, observava o ambientalista, costumam bater brisas noturnas, principalmente na transição entre noite e madrugada. Mais precisamente, a partir das 23 horas, no caso da região.
Tudo bem, pode ser que a brisa das 23 horas sempre tenha batido em Assis, mesmo antes da vinda do capitão Francisco de Assis Nogueira, mais de um século atrás. Mas, pouco tempo depois de ter ouvido aquela observação de Ronaldo Cicciliato, já formados os lagos de Canoas I e II, lá vem a brisa noturna das 23 horas. A noite pode estar quente, abafada, com o ar aparado, dando aquela sensação de insuportabilidade típica daqui, do Médio Vale, mas em Assis, cravada a meia-noite, está batendo uma brisa. Você, raro e exceto leitor que mora ou está em Assis, faça o teste. A brisa a que me refiro vem do sentido Cândido Mota>Assis, ou seja, sopra na direção Sul>Norte, bem de leve.
Se há, realmente, alteração no clima regional como teorizou Ronaldo Cicciliato ela decorre de intervenção humana, já que os lagos do complexo Canoas são, obviamente, artificiais. No macro, contudo, creio que seria promover demais a raça humana dizer que o planeta como um todo está mudando em decorrência de nossa curta passagem cá por esse solo que nada mais é do que um ponto isolado e perdido no Universo (fosse o contrário, receberíamos marcianos, venusianos e outros extra-terrestres para as festas de fim-de-ano, aniversários, batizados, etc, sem contar que muitos exemplares masculinos daqui pagariam pensões em outras galáxias, etc).
É essa mudança macro, no clima, que me instiga ultimamente. Já citei aqui, no Blog, meu estranhamento a um Natal, na década passada, em que tivemos, em casa, de recorrer a parentes e vizinhos para dar conta de acomodar a todos os visitantes, à noite, com... cobertores. Era 23 de dezembro de 2004, em um início de verão cinza, que mais parecia outono. Nuvens baixas, garoa e temperatura abaixo dos 20 graus. Agora, neste exato momento em que escrevo, o relógio marca 12h02 de 30 de dezembro, o céu está cinza e a temperatura ambiente é de 25 graus.
Minha avó materna, Ana Rosa de Oliveira, uma descendente de portugueses que casou com Stefano Sussel, austríaco chegado ao Brasil em 1898, passou 2/3 da vida na Água da Cruz, próximo ao Tabajara, berço da maioria dos causos que aqui registro no Blog. Dizia ela, já morando na cidade, mais precisamente na vila Adileta, que em ano que dá pouca manga, no pé, a geada no inverno seguinte é certa. Fruto, isso, de frequentes e atentas observações no tempo, no comportamento das nuvens, na formação nebulosa ao redor da Lua.
Quem ainda se dá ao luxo de pegar o carro e, mesmo não tendo parentes proprietários de sítios nos arredores da cidade, sai em busca de contato direto com o mato ou com o cheiro de bosta de vaca sabe as mangueiras deram, por essas semanas, o maior golpe naqueles que apreciam chupar o fruto pegando-o direto no pé. Sim, as mangueiras atrasaram a safra neste ano. Costumamos ter manga madura já no final de novembro. As mangas rosa e a coquinho costumam dar primeiro, depois vindo a espada, a manteiga a bourbom, a coração-de-boi, enfim, as maiores e mais suculentas. Aqui, na região, passado o Ano Novo os manguerais ficam repletos de frutos caídos, maduros, no raio de suas densas sombras. A fartura é tanta que por mais bonito e no-ponto que esteja uma manga caída ao chão, prefere-se apanhar uma 'in natura', no galho, dada a fartura.
Domingo, dia 22, fui com a esposa até uma propriedade que pertence a conhecidos, situada entre Assis e Paraguaçu Paulista. Garrafas d´água e facas à mão, decepcionamos ao chegar às mangueiras. Cada um chupou uma manga, ainda assim, mais puxada para verde do que madura. As mesmas mangueiras que há anos visitamos desde o final de novembro tinham, dez dias atrás, mangas verdes ao ponto de sequer atingir o tamanho ideal para começar a madurar. E em relação aos anos anteriores, menos frutos por pé. Logo, vem à lembrança os prenúncios de vó Ana, criando expectativas para o inverno de 2014.
As mangueiras dão florada normal, todo ano. O que determina a quantidade de mangas por pé é o vento. De maio, na florada, até o auge do verão, quando os frutos cessam, quanto mais ventos fortes der com as mangas já formadas, mais frutos cairão. A sabedoria popular diz que esses frutos caídos pela influência do vento são, na realidade, aqueles que seriam menos doces, mais frágeis. Logo, na lei da natureza, a manga que estiver madura e em fase de maturação, hoje, passou pelos testes de qualidade da mãe natureza e tem selo ISO de garantia.
Mas, o que dizer das gabirobas, então? As gabirobas são típicas da vegetação do cerrado e ficam reduzidas, em roça, a cada queimada de inverno ou a cada ação de 'esperteza' de fazendeiros que anualmente ampliam suas propriedades a partir da gradual falência do pequeno produtor rural não só de Assis, mas do país como um todo. O grande latifúndio reduz a áreas insignificantes os campos de gabiroba, porém não é essa intervenção humana que faz com que a safra atrase como atrasou em 2013.
Peço desculpas ao raro e exceto leitor que também não aventura-se a sair da cidade periodicamente e cotejar a natureza em seu berço legítimo, o campo, mas tenho que dizer que somente quem assim o faz sabe que as gabirobas também atrasaram. O tempo de maturação ideal costuma incidir em novembro, mês em que os apreciadores da fruta a esperam na feira-livre ou nas acomodações das sorveterias. Nem feira, nem sorveteria. Novembro foi um mês em branco, sem gabiroba. A fruta só contemplou os apreciadores a partir da segunda semana de dezembro, ainda assim em safra pequena se comparada a anos anteriores.
As explicações para tais fenômenos carecem de um tipo de pesquisa que a biologia ou a biotecnologia condicionam a anos de investigação. Podem, claro, não dar em nada e apontar para o fato de isso ser um mero detalhe, atípico para a nossa finita e curta passagem por esse solo e normal para a infinita e longa passagem do planeta pelo vasto Universo. Mas, nós, humanos imediatistas, que priorizamos o agora em detrimento do que aconteceu e miramos o porvir, por mais que queiramos ter a sensação de que está tudo normal, parafraseamos nossos antepassados e ratificamos o básico enunciado de 'continuar com a pulga atrás da orelha', pois que há algo errado no clima, no tempo, ah, isso há!
*Professor universitário, historiador e jornalista, e´mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.