quinta-feira, 19 de setembro de 2024

LUTO - Rominha foi minha utopia sobre comunicadores humildes

 *Cláudio Messias

Não canso de registrar, aqui, meu desconforto com a total ausência de opções matinais de atualização factual sobre o cotidiano de Assis, a cidade a que denomino Sucupira do Vale desde os primórdios meus no meio rádio. E, sim, minha crônica de hoje remete ao meu início no rádio, lá pelos idos de 1984, quando era aprendiz de técnica externa na Cultura AM.

Tenho segundo domicílio em Campina Grande, Paraíba, desde 2014, quando ingressei concursado como docente na Universidade Federal homônima à cidade. Dez anos buscando online, formalmente, notícias sobre a Sucupira do Vale e seus arredores. E nesses dez anos, é claro para todos que igualmente querem saber sobre a cidade, a escassez de conteúdos informativos é uma das vergonhas que os meios de comunicação deveriam reparar. Uma vergonha que não para de aumentar.

Creio que não seja o único que nem bem clareou o dia já acessa os tais sites de notícias. E esse hábito, aqui em Campina, é precoce em relação a quem está aí, pois por volta de 4h30 já tem claridade no céu e às 5h00 já tem luz solar. Preparo meu café, ajeito coisas da casa e, então, ali pelas 7h00, já estou ávido atrás de notícias.

Também tenho certeza não ser exclusividade minha, nos últimos anos, ler sobre sepultamentos do dia em Assis e região. Quem diria que eu faria, hoje, o que ironizávamos e mesmo ríamos, nos bares de Assis em que a imprensa se reunia lá pelos idos de 1990, o episódio em que o saudoso Luiz Luz, depois do giro informativo das 16 horas em um certo dia da década de 1980, anunciou na Cultura AM uma nota de falecimento da Funerária Santa Rosa, equivocadamente não retirada da papeleta da mesa de estúdio. No ar, o "voz de veludo", também chamado de "malvadão" devido ao programa Caso de Polícia que aparesentava, leu que determinada pessoa seria sepultada exatamente naquele horário, 16 horas, mas o adiantado da hora mostrava ser por volta de 16h10. Luiz, no improviso, sacou que "se o ouvinte se apressasse ainda pegaria o féretro a caminho do cemitério municipal". Virou, também por essa, lenda na história do rádio assisense.

Se não se tem notícia factual logo pela manhã, hoje, ao contrário do que nos serviam gerações consagradas do rádio nas manhãs concorridas de Cultura AM e Difusora AM e os diários Gazeta de Assis e Voz da Terra, pelo menos temos, não com tanta regularidade, as tais notas de falecimento em sites de notícias que estão longe, mas muito longe de representarem a importância, do passado, da região de Assis no protagonismo do jornalismo investigativo do interior de São Paulo.

Meu vício de acesso a esses registros obituários é o Jornal da Segunda, versão online. Reinaldo Nunes, o Português, se vira no avesso para dar conta de peneirar as informações que vão ao site e às resistentes páginas impressas do JS, publicação da qual já fui colaborador. E foi no JS, ontem, dia 18, que soube da morte de uma pessoa que faz parte da minha história inicial no rádio de Assis.

Como disse, fui observador, aprendiz, na Cultura AM no ano de 1984, sendo preparado para ser técnico de externa na equipe de esportes chefiada por Jairo dos Santos e Chico de Assis, ajudando, eu, Miguel Marques e Maurílio Siqueira. Passei para aprendiz de técnica de som no ano seguinte, 1985, capitaneado por José Carlos Domingos, o Pé na Cova, no AM, e por Manuel Martinez, no FM. No mesmo ano tive a primeira oportunidade de ser aprendiz de redação junto com Maria Sílvia Gomes, a Silvinha, e Valdir Pichelli, respectivamente nos informativos do FM e do AM.

Em 1985, quando passava de aprendiz a técnico folguista na Cultura FM conheci Rominha. No documento, Edson Wagner Roma, nome a que tive acesso no obituário do Jornal da Segunda Online. Rominha era locutor da Cultura FM no horário do almoço, e aos finais de semana me passava o posto para os programas gravados ora por Eduardo Camargo Neto, o Camarguinho, ora por Beto Balanço, ora por Peninha Black. Em outras ocasiões, essa troca de horários ocorria em turnos diferentes.

Rominha era um gentleman. Não recordo de uma situação em que o vi ser grosseiro ou, digamos, politicamente incorreto. Extremamente polido, empático, era de uma educação inigualável. E isso era percebido no estúdio do FM, no escritório da emissora, nas reuniões capitaneadas por Camarguinho para planejamento de promoções e eventos sazonais para as 4 estações do ano, em especial ao verão. Creio que seja uma unanimidade, hoje, essa definição da parte de quem conviveu com ele, seja qual for o ambiente, e independente de ele ter partido aos 73 anos de idade.

Sabedor de que eu estava começando no meio rádio, Rominha era um legítimo professor. Nas primeiras vezes em que mantive a rádio no ar ele, apesar do horário avançado do almoço, ficou algo em torno de mais de uma hora comigo, me acompanhando, justamente para me dar a necessária segurança de manter os protocolos técnicos. Eu havia ensaiado, sim, pilotar algumas vezes sob supervisões de Manoel Martinez, mas naquelas primeira vezes seria tão somente eu, as gravações e a mesa de som para a principal emissora FM da região estar no ar dentro dos padrões roteirizados, e Rominha me respaldou.

No mundo do trabalho da comunicação definimos Rominha como aeronave, eu, planador. E até eu ganhar voo autônomo, seguro, no comando da central técnica, foi a mão dele que me segurou.

As informações sobre a morte de Rominha são, vejo e leio, incompletas. "Lide" no jornalismo, pra que, afinal? Mas, convenhamos, as razões de uma morte não a reverte, de maneira que a dor da perda de mais um amigo, pesa. Pra mim, nos meus compartimentos de memória, Rominha tocava, naquela época de meu início, no Jet Boys. Mas a banda atribuída a ele, leio, é outra, ao lado de competentes como Serginho e Bagá, que são meus prâmetros em comum pois um dos meus últimos reencointros com Rominha foi no bar Almanaque, pra mim um dos ambientes de bar conceitual mais importantes da história de Assis. E isso foi lá pelos idos de 1996, num happy hour que fiz com o propagandista Marcelo Gardim.

Rominha, a essa hora, deve ter sido sepultado em Rancharia, segundo o obituário. Com ele, se vai meu parâmetro, em início de carreira, de comunicador que, aos meus olhos, balizava a ética comunicativa. E não me refiro a uma ética da moral, mas, sim, a uma ética da estética comunicativa em que forma e conteúdo se juntam na materialidade resultante de um protagonismo capaz de, no rádio, apresentar um repertório de músicas criteriosamente selecionadas por Toninho, o carcereiro em que horas de folga era discotecário do FM, e mediadas por um conhecimento, em forma de arte, pelo locutor Rominha q ue fazia... música.

Eu, aprendiz, convivia com Rominha querendo entender, com meus 15 anos incompletos, que o meio rádio, ou seja, na amplitude disso que reflito, o mundo do trabalho da comunicação, fosse composto, em sua essência, por pessoas dessa empatia. Mas, hoje, passados, pasmem, 40 anos, quando olho pra trás, já no pêndulo decrescente da vida, o que enxergo são poucos Rominhas. Talvez, quase certeza, eu mesmo não me veja, na metáfora do espelho reflexivo, como um Rominha nessas minhas quartro décadas de comunicação.

* Jornalista, historiador, mestre e doutor em Ciências da Comunicação, professor universitário.

sábado, 6 de julho de 2024

Assis, uma cidade com problemas na memória - a morte de Eli Elias

Cláudio Messias*

A morte de pessoas por quem guardamos algum tipo de consideração traz impactos. Desses solavancos que exigem tempo para nos repormos. E estou me repondo de um, recente.

A passagem de Eli Elias, na última semana de junho, foi um desses solavancos da  vida pra mim. Com ele, no jornalismo, vivenciei a situação de ódio a amor.

Em minhas duas décadas de jornalismo passando por Assis e região, via um Eli Elias poderoso, comandante da maior e mais influente empresa jornalística do Médio Vale do Paranapanema. O jornal Voz da Terra fazia, ditava a pauta. Suas manchetes, lidas por emissoras de rádio no alvorecer, resumiam o que havia acontecido no dia anterior e, por vezes, prenunciavam os fatos do dia vigente.

Eli não era dono do Voz da Terra. Era diretor de redação. Tornou-se sócio na reta final de sua estada naquele periódico. Mas mandava como se dono fosse. Os sucessos editorial e comercial eram fruto de seu perfil gestor, numa época em que jornalismo impresso era formador de opinião. Elegia governantes.

Havia, já numa polarização evidente, quem amasse e quem odiasse Eli Elias, em especial na política. Não arrisco dizer qual parte era prevalente, se de ódio ou de aliados. O que arrisco dizer é que em ambos os lados deva ser inquestionável o reconhecimento ao que a filósofa Marilena Chauí define como discurso competente, da parte de Eli.

Comecei no rádio em 1985, aprendiz na rádio Cultura AM/FM da família Camargo. Na época, Voz da Terra era uma potência, seguida pela Gazeta de Assis, cada qual com suas linhas e públicos. Fui para o impresso em 1993, assumindo como editor da Gazeta do Vale, sucessora da Gazeta de Assis.

De um jornalista que conhecia à distância um Eli Elias amado e odiado passei à condição de concorrente dele. E nesse aspecto um registro importante. Júlio Cézar Garcia, que havia sido jornalista em Voz da Terra, somou-se ao nosso time na Gazeta do Vale. De colega de redação de Eli, Julião passou a concorrente.

Nos Torneios Imprensa da vida, de que que participei e por vezes organizei, ouvi coisas boas e ruins de Eli Elias. Por dois anos fui concorrente dele, no comando da Gazetinha. Era quase um Davi e Golias a concorrência, mas por vezes tivemos furos jornalísticos de Davi.

Em 1995 assumi, então, um projeto que me colocou em rota de colisão direta com Eli. A expansão do projeto Oeste Notícias, do então deputado federal Paulo Lima, levou sucursal daquele jornal impresso para Assis. Assumi como supervisor e dentro da política das Organizações Oliveira Lima, de Presidente Prudente, fui com Meirinaldo, presidente dom conglemerado prudentino, visitar Eli Elias em Voz da Terra.

Eli era desses jornalistas que faziam a empresa avançar tecnologicamente, mas pessoalmente resistia, era analógico, digamos. Computador de um lado na mesa, máquina de escrever na mesa central da sala. Suas pautas para a redação eram enviadas datilografas, em uma época em que o jornal imprimia em cores e era editorado eletronicamente.

Foi polido ao receber a mim e Meirinaldo. Era a primeira vez que eu tinha contato imediato com o todo poderoso diretor de redação de Voz da Terra. Sua ironia era marcante, dentro de sua peculiar sinceridade. “Sejam bem vindos para vender menos que Voz da Terra”, disse ele, com semblante desafiador.

Eli estava errado. Oeste Notícias tinha uma qualidade de impressão gráfica impecável e, no comando editorial, o mesmo Júlio Cézar Garcia que um dia lá esteve em Voz da Terra. A redação da sucursal em Assis também tinha Reinaldo Nunes e Paulo Cuca, que garantiam a qualidade editorial.

Em seis meses de atuação o Oeste Notícias atingiu 1.189 assinantes em Assis, em maio de 1996. O faturamento mensal na casa dos R$ 30 mil era compatível ao departamento comercial da sede em Prudente. Para ter parâmetro basta comparar comercialmente Assis e Prudente.

Saí do Oeste Notícias em 1997 e, então, fui convidado a conversar com Eli Elias. Meus amigos Bel Dias, Lúcio Coelho, Júlio Bode e Igors me convenceram a ir. Eli tinha um projeto de ampliação da cobertura regional e desfrutaria da experiência minha, anterior, de desbravar o Médio Vale.

Fui e conheci pessoas maravilhosas como Mercinda, Renata Baldo, Kaetano, Eric Clayton, as irmãs Camila e Rose, Estela Santos, Fernando Meyer, os gráficos Cezinha, Claudinho, seo Sarney, dona Maria copeira, a filha Elaine Elias e a então esposa Kelly.

Tive, até 1999, dois anos de vivência plena na família Voz da Terra. Do nascimento de meu filho Júlio, em setembro de 1997, até minha saída para Marília tive apoio imenso de Eli Elias e de todos os funcionários, em especial Fernando Meyer, então genro dele e chefe da gráfica. Estava eu sem carro, mas durante uma semana, no nascimento de Júlio, o Uno da gráfica ficou comigo, abastecido, até que Rozana, esposa, estivesse plenamente reposta e com todos os retornos médicos normais de um pós-parto.

Por vezes Eli chamava no ramal da redação e dizia “sobe aqui um pouquinho”. Não tinha dia  certo da semana, nem horário. E quando o “dono” chamava, eu sabia, era para trocar ideias e avaliar alguns projetos e planos. Jamais me impunha pautas. Eli tinha isso. Por mais que o chamassem de arrogante e dono da verdade, aquele Eli com quem trabalhei sabia ouvir, pedia opinião ou simplesmente chamava para falar da vida.

Tenho gratidão pela maioria das empresas pelas quais passei. Em Assis, as rádios Cultura AM e FM foram o meu berço formador. Mas foi em Voz da Terra que senti a força de uma empresa de comunicação formadora de opinião local, sob a gestão de alguém que só sabia fazer aquilo na vida: cuidar de uma empresa jornalística tradicional, com viés conservador e com dependência dos poderes constituídos, em especial o executivo e o legislativo municipais.

Meu viés pessoal de esquerda nunca foi compatível com a identidade de direita conservadora de Eli Elias, o que talvez tenha nos distanciado durante tanto tempo. Mas isso jamais me fez deixar de reconhecer sua habilidade no lidar com a aristocracia da sociedade assisense. Eu tinha minha posição ideológica, Eli sabia disso e não me passava determinadas pautas pois, compreendia ele, eu as cumpriria com uma neutralidade fora da intenção exigida por algumas personalidades políticas e empresariais da cidade. Sempre havia quem o fizesse por ele na redação, o que eu também sempre respeitei.

Eli ajudava a eleger e reeleger prefeito e vereadores. E isso não é exagero. Era – e continua sendo – o capital simbólico de quem influencia o suficiente a opinião pública de que mesmo um candidato sem polidez seja passível de receber votos e, pasmem, seja eleito.

Quando saí de Assis troquei Voz da Terra pelo Jornal da Manhã, de Marília, que também tinha uma versão Eli Elias na gestão, ou seja, conservadora, estruturalmente defasada e editorialmente centralizadora. Somadas as experiências, senti que aquele jornalismo gestorial tradicional, raiz, estava realmente desmoronando, em uma ida sem volta ao caos existencial. E que eu precisava, com mais de 30 anos de vida, mudar meu foco profissional na vida.

Quando voltei a Assis em 2003, decidido a prestar vestibular na Unesp e iniciar a trajetória para onde estou hoje, na docência do ensino superior público em uma graduação em Comunicação Social, revisitei Eli. Mas, Voz da Terra já não estava mais no comando dele. Problemas administrativos, financeiros e comerciais  internos tinham tirado o diretor de redação que fazia o coração do jornal pulsar. A decadência já era visível.

Eli havia tomado decisões que posteriormente mostrariam-se, aos meus olhos, equivocadas, tanto para a vida profissional quanto para a pessoal. Não soube, por exemplo, entender a revolução pela qual passaria o mundo do trabalho da comunicação, em especial no aspecto tecnológico e de comportamento de consumo do público que consome mídias. Insistir nos impressos era tiro no pé.

Reencontrei Eli, nesses últimos 15 anos, em situações pontuais. Formei em História na Unesp, fiz mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação na USP, e o Eli que eu reencontrava era um utópico, ainda acreditando no periodismo impresso que era engolido pelas mídias digitais. E a postura ainda era a de quem detinha algum tipo de poder influenciador, o que não correspondia à realidade.

Eli deixou de construir publicamente a sua história depois que saiu de Voz da Terra. Foram mais capítulos amargos na história profissional e pessoal do que avanços necessários para continuar inserido no contexto das novas mídias, as digitais. Tentou a TV a cabo, o jornal impresso semanal, mas numa acepção editorial incompatível com a necessária convergência transmidiática.

E é muito triste ver, hoje, que as mesmas plataformas digitais que abastecem Assis e região com notícias já nessa perspectiva da transmidiação, ou seja, de cultura de convergência das linguagens, não sejam, primeiro, sequer sombra do que foram as empresas jornalísticas do passado, no âmbito de um Voz da Terra ou uma Gazeta do Vale. Essas plataformas, cujas responsáveis foram contemporâneas ao pós-auge de Eli Elias, registraram a morte do jornalista com uma assustadora pequenez de pauta.

Estivéssemos hoje em 1994, 30 anos atrás, por exemplo, e uma morte de personagem da importância socio histórica para Assis receberia ordem de pauta, com prioridade da redação, envolvendo dois ou mais repórteres e páginas especiais na edição do dia seguinte, com direito a anúncios de empresas locais e regionais elevando condolências a familiares. E não, essa cobertura não é meramente peculiar de impressos; é jornalismo por vocação.

Em uma situação imagética, fosse Eli Elias diretor de redação de um Voz da Terra ainda em circulação e, não há dúvidas, o sepultamento ocorreria concomitante à circulação de uma edição especial, com textos completos informando aos leitores sobre quem era o falecido. E, claro, muitos anúncios publicitários, que, óbvio, viabilizam produtos editoriais.

Em outro viés, qualquer redação preocupada com a completude da informação relacionada à pauta, como caso de morte de um personagem importante para aquela localidade, faz um registro que tenha, em ordem sequencial, um histórico sintetizado da vida do falecido, uma explicação de médicos ou especialistas sobre a doença que levou à morte e entrevistas com ao menos duas pessoas da convivência no passado, podendo ser uma que critique e outra que elogie, pois isso é parte do jornalismo, da vida. É parte da vocação para o que se propõe a fazer.

Lendo o texto de um dos sites que noticiou a morte de Eli fiquei com a sensação de que a pessoa que escreveu o fez por ordem do ofício, protocolarmente, sem a mínima preocupação de buscar o histórico do falecido. É nessas horas que vejo que o jornalismo assisense padece cada vez mais, enfraquece e se resume a versões mais estendidas de postagens de redes sociais. Sensação de que muito mais que jornalistas, são influencers escrevendo as notícias que constróem a história de uma cidade centenária.

O que li foi algo que alguém escreveu tendo ouvido falar sobre Eli Elias, sem dimensão sobre quem tenha sido Eli Elias e, pasmem, sem preocupação alguma de pesquisar sobre. E com o foco de registrar a morte, colocar no site e pronto, está formalizado. Faz lembrar aqueles que, na época do impresso, transformavam releases em notícia e, pasmem de novo, assinavam como se fossem textos deles.

Não vou longe nem entro tanto nesse problema de estrutura e superestrutura do webjornalismo de Assis. Dos três sites que noticiaram a morte de Eli Elias e que acessei, basta dar um "google" agora e ver que só há uma foto do falecido utilizada por todos eles. E essa foto é exatamente a mesma utilizada pela família dele em campanha pedindo ajuda para bancar os custos hospitalares, antes de sua morte. 

Certamente, o acervo de Voz da Terra e mesmo o acervo pessoal de Lúcio Coelho ou Erick Clayton, fotógrafos com passagem pelo jornal, tem centenas ou mesmo mais de um milhar de fotos de Eli. Mas, não. O jornalismo online contemporâneo nem isso protagoniza, pois sequer houve preocupação ou disposição de ir atrás de uma foto que ilustrasse o auge de Eli Elias, certamente ao lado de algum político local ou de empresários a quem ele blindava editorialmente. O próprio acervo do Rotary de Assis tem esse sem-número de fotos do jornalista.

E tem sido recorrente ler, nos sites, sobre notícias com essa incompletude editorial. Supõe-se que os comunicadores desses sites tenham passado pela formação acadêmica e aprendido, por teoria, sobre tópico frasal e a estrutura da notícia. E é tão simples entender que o "lide" contempla como fato e notícia divulgáveis algo que tenham quem, quando, onde, como, e por quê? e, em situações específicas, quanto?

Pessoa morreu por esse ou por aquele motivo e a família decidiu que o corpo será velado em tal lugar e, depois, sepultado em tal hora ou levado a Londrina para ser cremado. E junto com essas pessoas falecidas, esses corpos, vão junto a memória de uma cidade centenária, que até quer ler e saber sobre seus moradores ilustres, mas tem esse acesso impedido por comunicadores/as estabelecidos na literal zona de conforto de salas com computadores e smatphones.

Se antes tínhamos diretor de redação que estabelecia o que seria ou não lido, hoje continuamos assim, nesse ritmo. A diferença é que os diretores de redação atuais cerceiam o acesso à completude de uma informação exatamente por estarem aparentemente vivendo em um mundo nada compatível ao que o público da audiência espera. Redações isoladas, reportagens que não saem às ruas, jornalistas viciados na desterritorialização da verdade cotidiana dos fatos.

Rigor de minha parte? Creio que não, pois observo a isso tudo com olhar de pesquisador ativo das Ciências da Comunicação. Parâmetro do que digo talvez possa ser mensurado nos comentários dos sites de notícias da cidade, pois é ali que uma parte mínima de, só em Assis, mais de 100 mil pessoas pode manifestar, quando permitido, opinião sobre os conteúdos informativos circulados. E por vezes, dependendo da pauta, sequer o conteúdo é aberto a comentários. Não é raro ver comentários de leitores cobrando a completude editorial dos sites de notícias da cidade, dada a insatisfação com a ausência de parte essencial das informações.

Alguém dirá, e com razão, que os textos informativos, com o advento das plataformas digitais, são por si reduzidos, menores. E que esse meu texto, mesmo, é delongado o suficiente e receberia, em espaços de grupos de redes sociais, a figurinha de "texto muito longo", de dar preguiça de ler. Também concordo. Só não posso concordar que uma informação necessariamente completa seja reduzida, em corpo de texto, por preguiça editorial. Notícia completa sempre será o objeto de desejo de quem acessa um site em busca de informação.

Por fim, o que me entristece nesse episódio final, com a morte de Eli Elias, é que eu encontrava-me presencialmente em Assis, em recesso na universidade onde trabalho, quando soube que ele estava hospitalizado. Com situação de saúde, minha, exigindo passar igualmente por médicos, comentei com alguns desses sobre a situação do jornalista então adoecido e cuja situação de saúde e financeira era exposta por familiares nas redes sociais, e ouvi muitos lamentos. Todos, sem exceção, impactados com a forma pela qual Eli chegou ao que aparentava encaminhar para um fim.

Não visitei Eli no hospital. Retornei à cidade onde trabalho no dia 27 de junho, saindo de Assis dia 26 à noite e seguindo de Andorinha a São Paulo, pois meu voo partiria por Guarulhos. Soube da morte de Eli dialogando com a esposa, já não estando mais em Assis. E, mais uma vez, despedi à distância de mais um amigo a quem guardo gratidão eterna pela pessoa boa que foi para comigo.

Jornalista, historiador e docente no ensino superior público federal. É mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.