Cláudio Messias*
Nesse domingo, 23, cumpri com a segunda parte de um plano pessoal que envolveu um mesmo objeto: um aparelho de telefonia celular.
Em 2016 minha sogra, Francisca, uma cearense nascida em Lavras de Mangabeira, encantou-se com um vídeo que, postado na plataforma Youtube, mostrava técnicas de crochê, tipo de artesanato preferido dela. Exibi na tela de meu celular e percebi que aquela senhora com mais de 60 anos de idade teve um fascínio, comum, pela tecnologia.
Dona Chica frequenta alguns dos projetos do programa Unesp Aberta à Terceira Idade. Já naquela época fazia aulas de informática para iniciantes. Suficiente, dizia eu, para que ela se inserisse no mundo virtual. Um universo, dizia ela, inacessível, dado o seu desconhecimento ou sua falta de habilidade para lidar com plataformas tão complexas.
Rozana, a esposa, anunciou que trocaria de aparelho de telefonia celular, um smartphone, e que repassaria o 'velho' para a mãe. Discordei. Afinal, mãe, dentro de suas possibilidades, procurar dar i novo ao filho. Nossos dois filhos, por sinal, já tinham smartphones comprados em loja. Nada mais justo, pois, que dona Chica ganhasse um aparelho novo.
Decisão tomada, compramos um aparelho do mesmo modelo do meu, já que eu havia trocado fazia poucas semanas. Compra online e eis que o aparelho chega pelo Correio. Dona Chica, então, ganhou e-mail, conta no Google e outros pré-requisitos que a colocaram como cidadão do mundo virtual.
Um neto ensinou minha sogra a ver videos no Youtube, uma neta abriu sua conta no Facebook, outro a colocou no Whatsapp. Estava, então, feita a inserção de mais um sujeito social no infinito universo de informações, que faz da telinha de uma mídia móvel, janela para o mundo e seus riscos.
Com muitas fotos que registra de seus crochês e dos artesanatos de suas amigas, dona Chica padeceu de um problema comum: o armazenamento de seu smartphone era pequeno para a sua rotina de uso. E, então, veio presente de outra filha, com troca de aparelho.
O velho aparelho ficou sem uso, encostado, e eu acabei trazendo-o de Assis para Campina Grande. Aqui ganhou nova película protetora, cabo e carregador. Ontem, 23, passou para as mãos de Inaldo Batista, um senhor nascido em 1952 e por quem guardo profundo respeito e carinho. Inaldo é como se fosse meu tio paraibano, socorrendo-me, por exemplo, quando a bomba de combustível de meu carro pifou ou, então, quando faço minhas mudanças de endereço.
Inaldo, igual minha sogra, menosprezava a suficiência própria no lidar com a tecnologia. Imediatamente à colocação de chip de operadora de telefonia no novo aparelho e à criação de suas contas no Google, eis que a instalação do aplicativo Whatsapp o faz ter contato com a filha, que reside aqui mesmo em Campina Grande. Fizemos uma chamada de video e quem estava do outro lado, também, era seu netinho.
Em questão de horas Inaldo, como ocorrera com dona Francisca, estava inserido à tecnologia o suficiente para receber e ver videos, assim como compartilhá-los. E assustou-se com o número de amigos que, guardados em sua lista de contatos no chip da operadora de telefonia, já fazia uso das mídia sociais.
Em ambos os casos, Inaldo e Francisca agradeceram por eu ter oportunizado que entrassem no mundo virtual das infinitas informações. Hoje pela manhã, por exemplo, quando conversei com Inaldo pelo Whatsapp, repeti a ele a pergunta que fiz à minha sogra após ela iniciar o uso das redes sociais: você tem ou não tem inteligência para usar a tecnologia? Ambos, sorrindo, disseram que sim.
A reflexão que levo dessa experiência é que nós, da Educomunicação, centramos as ações de letramento midiático à formalidade das políticas públicas, muitas vezes ignorando que a inclusão cidadã é aquela em que, fora da hegemonia, o sujeito muda sua visão de mundo a partir de vivências próprias. Utopia, claro, entender que isso ocorra fora da hegemonia, uma vez que o uso das tecnologias revela-se parte da indústria cultural numa releitura de consumo. Mas, se isso é inevitável que ocorra, que assim seja a partir de ações dos próprios sujeitos sociais, dentro de um contexto de cultura de consumo de par para par.