26 Fevereiro 2013
Cláudio Messias*
Poucas cidades gozam do privilégio de ter uma mata em meio a
ruas e casas. Assis tem o Parque Buracão, chamado formalmente de “João Domingos
Coelho”. De pesadelo, nos anos 1960/70, aquele ecossistema que um dia foi voçoroca tornou-se orgulho
verde de uma população que recorre ao espaço para atividades físicas, de lazer,
enfim, de relação direta com o meio ambiente.
Já relatei, aqui, por essas páginas, acontecimentos diversos
relacionados ao Buracão. Não por acaso. Ele é o epicentro de minha vida
cotidiana. Sempre residi ao, no máximo, duzentos metros dali - em 1975 minha casa chegou a ficar a 50 metros da boca da erosão. E lamento não
poder nem ter podido usufruir mais de tão rico espaço.
Minha frequência no Buracão, de uns anos para cá, tem sido
para caminhadas. Antes, dez, quinze anos atrás, levava meus filhos ao parquinho
e aproveitava ora para ver jogos de basquete e/ou futebol na quadra, ora pra
ler algumas páginas de livros. Com a chegada da faixa etária dos 4.0 e com os
filhos já adolescentes e mais interessados nas telinhas e telenas da
tecnologia, a pista asfáltica reservada ao trânsito de pedestres tem sido meu
destino mais frequente, muitas vezes solitário.
Retomei, há algumas semanas, minha frequência de caminhadas
matinais. Prefiro caminhar pela manhã, período do dia em que o calor é menor, o
sol, mais fraco – se é que existe sol mais fraco – e a natureza.... ah, a
natureza! A natureza manifesta-se das mais variadas formas. Não que o canto dos
pássaros e o oxigênio sejam melhores na alvorada em relação ao crepúsculo. Mas,
confesso, a sensação de felicidade vinda da flora e da fauna parece-me mais
forte com o início, também chamado reinício, diário da vida todas as manhãs.
Hoje pela manhã, portando o indispensável aparelho de telefone
celular, fazia minha caminhada matinal. Era por volta de 7h20 quando avistei um
casal de aparentes 60 anos de idade fotografando uma árvore que havia meses já chamava-me a atenção. Não que eu não tivesse visto aquela planta antes. Não
havia, sim, percebido um detalhe no mínimo irreverente: frutos formados em
cacho, amarelos (foto abaixo). E essa árvore estava assim desde novembro do ano
passado. Ou antes, pois, repito, a percebi naquele mês.
Foto: Blog do Messias
A árvore forma uma penca com frutos/flores amarelos
O casal que fotografava aquela árvore o fazia usando o
aparelho celular. E serviu de estímulo para que eu, por que não?, também
registrasse aquela imagem que tanto surpreende aos usuários do Buracão. Estava
na minha terceira volta pelo interior do parque quando fiz as fotos. E, então,
com o ritmo da atividade física quebrado, comecei a fazer foto de tudo.
E lembrei de uma cena de algumas semanas atrás, quando,
caminhando com Rozana, a esposa, vimos e ouvimos os cantos de um casal de
saracura, pássaro do brejo e que estava bem abaixo da ponte da travessa Padre
Belline. Quem dera, teria sorte de fotografar aqueles pássaros escuros, que
fazem movimento com a cabeça e os longos pescoços, como que em canto de
acasalamento. Não, não tive essa sorte.
Mas, na caminhada, registrei outra manifestação da natureza
que me inquieta. Uma das inúmeras mangueiras do Parque Buracão está carregada de frutos verdes. São mangas temporãs,
são, sim. Mas mangas temporãs em uma mangueira que até início de janeiro estava
carregada de frutos maduros? E por que só um galho daquele pé de manga? A foto
abaixo registra a penca de mangas, algumas já “de vez”.
Foto: Blog do Messias
A mangueira é uma das quatro árvores da espécie do mesmo local,
e a única a ter frutos verdes, dois meses após a safra
Outra imagem que chama a atenção é a do prédio da antiga
cancha de bocha. Quando inaugurado no final da década de 1990 o Parque Buracão
dispunha de seguranças/vigias nas duas portarias de acesso. Uniformizados, eles
controlavam o acesso dos usuários, que não podiam portar bicicleta, skate e
nem... cachorros ou outros animais domésticos. Hoje, entra quem quer, com o que
quer e para fazer o que quiser. Azar dos frequentadores da cancha de bocha, que
viram o espaço ser invadido durante as madrugadas ou mesmo durante o dia e
tiveram de dividir a cancha com usuários de drogas, mesmo à luz do dia. Ao ponto de, anos atrás,
retirar toda a estrutura que lhes pertencia e buscar outro canto. Só restou o
alambrado colocado por eles como recurso último de imposição de respeito ao
espaço coletivo. Em vão.
Foto: Blog do Messias
A cancha foi, primeiro, cercada e, depois, abandonada pelos bocheiros
Bem ao lado da antiga cancha há, do lado direito da pista de
caminhadas, alguns pés de goiaba. E das duas espécies: branca e vermelha. Nessa
época do ano os goiabais estão carregados. Como disse, já que havia
comprometido a atividade física em sua totalidade, parei para... comer goiabas! Na ânsia de atingir a forma física ou mesmo na concentração das conversas em
duplas ou grupos, quem caminha pelo Buracão talvez não se dê conta dos pequenos
pontos verdes claros ou amarelos em meio à vegetação. São doces, mas é preciso
ficar atento aos pontinhos pretos que nada mais são que os orifícios de respiro das larvas de moscas de frutas. E a presença da larvinha engana, pois o
pontinho pode estar em uma parte e o bichinho, em outra. Digo isso porque não é
raro morder a goiaba e ver uma metade da larva na fruta, o que garante que a
outra metade está, sim, lá, dentro de sua boca.
Fotos: Blog do Messias
Essa goiabeira fica situada ao final da reta paralela à antiga
cancha de bocha, lado direito da pista de caminhada
As goiabas estão, na maioria, maduras
Nesse caso não fiquei com a outra metade da larvinha na boca
Já em retirada, fotografei uma árvore que, florida,
mostra-se imponente na parte baixa da antiga erosão do Buracão. Plantada na
encosta, ela abre os galhos em um raio de aproximadamente dez metros e permite
um panorama digno de cartão postal. A imagem abaixo foi feita de meu aparelho
celular e talvez não registre os detalhes que outra máquina fotográfica que
tenho registraria. Mas, vale, com certeza, pelo espetáculo.
Fotos: Blog do Messias
A árvore, florida, vista do lado oposto
As flores têm uma tonalidade rosa, com detalhes em laranja no centro
Vista lateral da árvore, que abre sobre um raio de dez metros
Enfim, uma foto que dá muito assunto para conversa. A
catraca de entrada do parque de registrar a frequência de entradas e saída já
há alguns anos. Segundo o vigia atual, o defeito apareceu de tanto sobe e desce
– eu disse sobe e desce, e não entra e sai – de crianças e marmanjos sobre o
aparelho. Mas, nem é esse o assunto que dá muita conversa. Explico.
Primeiro, a catraca foi questionada quanto à real aferição
da média de público que frequenta o Parque Buracão. Afinal, foi colocada na
portaria da rua Orozimbo Leão de Carvalho. E há, desde a inauguração do parque,
outro portão, pela rua Antônio Zuardi. Aliás, ali há dois tipos de acesso: pela
portaria e pelo Museu de Arte Primitiva, o MAPA. O outro motivo de falatório é
a especulação de que a catraca já virou duas vezes e estaria na terceira
rotação quando apresentou defeito.
Como marca dois dígitos de milhares, seguidos de três
dígitos de centenas, o mecanismo de controle de acessos da portaria da Orozimbo
zeraria, ou seja, voltaria ao número zero quando chegasse aos 100 mil acessos.
E se já virou duas vezes, registrou, em vida, 246.757 giros. Cada giro da
catraca representaria uma pessoa adentrando ao parque.
Quando meus filhos eram pequenos, com menos de 5 anos de
idade, um deles perguntou ao vigia, com quem eu conversava, se a catraca
regridiria na numeração registrada caso fosse girada ao contrário, ou seja, em
movimento como se alguém estivesse saindo do parque. O vigia não soube
responder e fomos todos, naquele final de tarde, verificar. A numeração não foi
abatida, ou seja, não caiu. Mas, em compensação, precisou haver dois giros da
catraca para que o registro voltasse ao normal. E, então, surgiu outro detalhe:
cada pessoa que saía seguindo o movimento em sentido anti-horário era
registrada como ingresso novo ao parque, o que colocava totalmente em xeque
aquele recurso controlador de tráfego.
Foto: Blog do Messias
A catraca parou de marcar as entradas há alguns anos
Enfim, registros cotidianos de um parque que já fez parte da
infância de muitos de nós, desde o tempo em que era a maior erosão urbana do
país até o tempo em que as cercas serviam, sim, de separação entre o que há
dentro e o que há fora do Buracão – hoje tudo é misturado, pois a própria cerca
nas imediações da ponte da travessa Padre Bellini não foi reposta pela
Prefeitura, expondo totalmente o parque ao acesso de animais das mais variadas
espécies, inclusive humana, de sóbria a noiada.
*Professor universitário, historia e jornalista, é mestre em
Ciências da Comunicação pela ECA/USP.