Cláudio Messias*
Minha avó materna Ana Rosa dizia, em vida, algo que adotei como ensinamento básico de vida: o que começa errado tende a não ter bom desfecho. Em resumo, começou algo errado, meu amigo, prepare-se porque não dará certo. Infelizmente, essa retórica envolve o nome glorioso do nosso Vocem, de Assis, que depois de mais de uma década desativado para a disputa do futebol profissional quase voltou. E parece que desse 'quase' não sairá.
O projeto de reativação do Vocem, anunciado um mês atrás, era bom, reconheçamos. Esqueçamos as cabeças e os nomes que estavam por trás da iniciativa, assim como as circunstâncias que levaram à escolha da Esquadrão da Fé para inscrição na disputa da Segunda Divisão do Campeonato Paulista de 2014. No papel, em forma de prognóstico, o prenúncio era de que um excelente trabalho seria montado, desenvolvido e concluído. Um detalhe, contudo, não poderia ser ignorado: futebol profissional tem formalidades que, todos sabemos e cobramos, visam à garantia de que o principal agente que fundamenta a existência do futebol seja respeitado: o torcedor. E estamos falando de futebol no Estado mais rico da nação, organizador do maior - e para mim, melhor - campeonato regional de futebol do planeta, sob os auspícios da Federação representativa que tende a colocar o próximo presidente da Confederação Brasileira, também chamada de CBF. Logo, vamos, então, com calma e sem muita sede ao pote.
Tenho ficado muitos dias fora de Assis e, assim, poucas informações têm chegado sobre essa fase de preparativos para a disputa da Segundona. O que sei chega em interações via redes sociais, ora em diálogos abertos, ora reservados. Tenho, óbvio, minhas fontes confiáveis e também aquelas que exigem uma conferência a mais na checagem. Importante dizer, também, que se estivesse em Assis diariamente pouca coisa mudaria, pois hoje sou muito mais torcedor do que jornalista, e vinha guardando ansiedade sobre a inédita oportunidade de ver Atlético Assisense x Vocem, o dérby histórico. Minha função, aqui no Blog, não é essencialmente informar, embora o faça.
Explanado esse contexto, avanço para o que há de formal. Não sem antes deixar claro que na finalização da coluna semanal Fiscalização Eletrônica que posto cá, no Blog, soube de especulações que davam conta de que o Vocem não disputaria a Segundona. Como sei da briga travada em bastidores entre os dois clubes da cidade, cada qual buscando fechar seus acordos comerciais que viabilizem a nada barata disputa de um torneio de futebol profissional, achei que elucubrações sobre eventual e-mail anônimo comprovando a não inscrição do Esquadrão da Fé seriam fruto de mais uma vergonhosa parte da história dos bastidores políticos de uma cidade que já inventou até pesquisa eleitoral publicada na imprensa literalmente impressa e, assim, elegeu prefeito na última hora. Bastaram, agora, horas de uma única madrugada para que de boato passássemos a um cenário que aparenta ser definitivo. O Vocem parece, mesmo, estar fora da Segundona, ao menos na temporada de 2014.
Quando soube dos tais e-mails, procurei-os. A primeira versão chegou em formato .doc, durante as primeiras horas dessa quarta,feira, 26, resultado de um copia>cola feito de PDF para o Word. Li, analisei e dei fé. Mas, carecia do documento original, que continuei buscando, mesmo não estando em Assis. O envio foi feito por um jornalista que tem o meu respeito e a minha admiração desde que comecei no rádio lá pelos idos de 1985. Documentos em mãos, ou melhor, na tela do computador, comprovação do impedimento judicial de disputa do Vocem feita, parti para o contato com a principal parte envolvida, ou seja, a Federação Paulista de Futebol. Frequento aqueles corredores há mais de 20 anos e sei que em situações envolvendo a Justiça comum a instituição se calará, pois não trata-se de uma intervenção da Justiça Comum em assunto relacionado à Justiça Desportiva. Se o Vocem está impedido de inscrever-se na Segundona é porque não providenciou a documentação necessária exigida de todas as agremiações inscritas para a mesma competição. Imagino que o posicionamento da Federação seja esse e mesmo imaginando que não obterei resposta para as mensagens eletrônicas que enviei, faço a minha parte de comunicador e em eventual recebimento, posto nesse espaço.
Há, portanto, duas situações que o Vocem precisa resolver caso queira disputar a Segundona neste ano ou em qualquer temporada futura. A primeira delas é referente à constituição legal de seu conselho e de sua diretoria. Não vou entrar em nomes porque, além de desnecessário, infelizmente isso acaba sendo uma brecha para que extremistas mal informados e/ou pessimamente intencionados façam fusquinha em torno do assunto. E digo 'desnecessário' porque o pressuposto é de que quem está lendo esse material, agora, sabe quem são as pessoas envolvidas. E se não sabem, por serem de outras localidades ou estarem fora de Assis, entenderão perfeitamente que quando foi desativado, na década passada, o Vocem tinha constituídos um conselho e uma diretoria. E para retornar em 2014, claro, precisaria formalizar na Federação Paulista de Futebol se as informações registradas quando da última participação do clube em competições oficiais são as mesmas ou se houve alteração. E dentro de tudo o que foi fartamente anunciado nos últimos 30 dias os nomes envolvidos no Vocem de 2014 não são os mesmos do Vocem de dez anos atrás. Simples assim: o Vocem de 2014 precisa apresentar na Federação a documentação que comprove os trâmites em que a diretoria anterior foi substituída por aquela que se propõe a gestar o clube. Esse trâmite, todos sabem, é feito mediante convocações formais, públicas, de conselheiros, dentro de prazos igualmente legais. E como houve eleição nas últimas semanas, toda essa documentação tem de estar juntada, protocolada e, assim, com suficiência para que o clube seja confirmado enquanto inscrito.
A outra questão pendente para o Vocem e sem a qual, solucionada, o clube não conseguirá disputar o torneio da Segundona 2014 condiz a uma briga judicial que implica diretamente na primeira circunstância, relatada acima. A diretoria anterior do clube, constituída formalmente via conselho, contesta a forma como os trâmites transcorreram nas últimas semanas. O caso foi registrado em boletim de ocorrência, avançou para o Poder Judiciário e estourou em forma de uma intervenção preventiva que determina a não-inscrição do clube na Segunda Divisão. Essa decisão, que é pública, foi tomada na segunda-feira, dia 24 de fevereiro, também conhecida como anteontem. Nela, o juiz André Gustavo Livonesi, substituto na 3ª Vara Cível de Assis, profere que (...) a inscrição do Clube perante a
Federação Paulista de Futebol acarretará uma série de atos a serem praticados
pelo Administrador Provisório, tais como organização dos jogos, pagamento de
funcionários e jogadores, arrecadação de bilheteria etc. Como reconhecido pela
própria parte, tais atos são irreversíveis e suas conseqüências de difícil
previsibilidade, situações que não autorizam a antecipação da tutela. Como já
fora dito, se a parte optou em inscrever o clube no campeonato organizado pela
Federação Paulista de Futebol com seus atos constitutivos em situação
irregular, não pode agora, alegando sua própria torpeza, pedir que sejam
suprimidas as etapas de regularização, devidamente demonstradas pela nota de
devolução apresentada pelo Cartório de Registro de Título e Documentos e de
Pessoas Jurídicas (...)". Veja a íntegra aqui.
A situação da equipe de gestores que quer assumir o Vocem em 2014 havia começado a ficar complicada no dia 21 de fevereiro, ou seja, sexta-feira da semana passada. O grupo, que havia solicitado a inscrição do Esquadrão da Fé junto à Federação, recebeu da própria o Ofício Nº 0723/2014/FPF-DCO, assinado pelo Coronel Isidoro Suita Martinez, vice-presidente do Departamento de Competições. O documento comunicava ao Vocem que o prazo para a entrega de documentos relativos à comprovação de filiação junto à Federação Paulista de Futebol se encerrará no no dia 24 de fevereiro de 2014, às 18 horas. Ficava enfatizado, ainda, que "não sendo atendido o referido prazo, o clube não participará de nenhuma competição por nós organizada", conforme as palavras de Martinez.
Ocorre, então, que as duas circunstâncias complicadas relatadas ali atrás tornam-se uma só a partir do momento em que o Vocem de 2014, sem acordo com a diretoria anterior, não consegue registrar a constituição legal de seu conselho que, assim sendo, não pode legitimar a eleição da diretoria apresentada como gestora no ano corrente. Sem conselho, sem diretoria, sem comprovação documental na Federação, sem participação na Segundona, e com o agravante de que qualquer ação que fuja desse cenário estará desrespeitando a decisão judicial em voga na 3ª Vara Cível da Comarca de Assis. Daí, pois, as ações passam a ficar centradas em São Paulo, em articulações que envolvam negociação de dilatação do prazo de inscrição do Vocem e tentativa de derrubar ou suspender a determinação judicial desse dia 24 de fevereiro, uma vez que o processo, agora, caminha para investigação do Ministério Público Estadual.
Optei, nessas últimas horas, por desconsiderar o bombardeio de informações sobre o assunto que circulam pelas redes sociais, uma vez que de um lado estão aqueles que, desconhecedores dos fundamentos jurídicos envolvidos, dizem haver conspiração infundada contra o Vocem, e, do outro, interlocutores ora dizendo que a Federação Paulista de Futebol confirmou a inscrição do Esquadrão da Fé, ora afirmando que a decisão definitiva será tomada após o Carnaval. Há, sabemos, emoções fortemente envolvidas, com ares de provocação, intimidação e em alguns casos, lamentação pelo que parece ser irreversível.
Seja qual for o desfecho disso tudo, é fato que a Federação não confirmou a inscrição do Vocem e que uma determinação judicial impede o clube de fazê-lo. Creio que nesse caso a premissa da comunicação de que 'contra fatos não há argumentos' tenha de ser revista. Entendo e defendo que o grupo gestor do Vocem volte a público e abasteça o torcedor, a imprensa, enfim, a opinião pública, com a mesma estratégia de divulgação com que apresentou o projeto e anunciou treinador, aluguel de imóvel para alojamento, etc. Uma expectativa em torno do retorno do Vocem foi criada na cidade, e essas pessoas que acreditaram no noticiário envolvendo o assunto deram fé de que os trâmites foram lícitos o suficiente para não esbarrar em processos judiciais. Uma parte está mostrando, com autos, o que está ocorrendo. Compete à contraparte, agora, arguir, prestar contas.
De nossa parte, comunicadores e comunicólogos, fica a lamentação de que novamente o nome de Assis bata nas portas do futebol profissional com notícias desse gênero. Não dou razão a uma ou outra parte envolvida, pois, ratifico, não tenho relação alguma com os nomes que aparecem. Os conheço, sim, mas a relação para por aí. Fico triste é com o envolvimento do nome do Vocem nisso tudo, pois mesmo desativado o Esquadrão da Fé estava lá, quieto, guardado carinhosamente na memória de quem um dia fez parte do "inferninho" dos estádios da Ferroviária e do Marcelino de Souza. Hoje, retirado de seu estandarte, o Vocem é objeto em processo judicial e até que se prove o contrário, não encontra-se inscrito para disputar o torneio que fundamenta seu anunciado e badalado retorno. Ora, se o projeto para 2014 passava por essa trajetória, que os gestores fundassem outro clube, profissionalizassem uma agremiação do futebol amador, mas poupassem a marca Vocem dessa vergonha.
Foto: Arquivo-Waldyr Max Jr./Facebook
ESQUADRÃO DA FÉ - Formação do Vocem no início da década de 1980, período em que o clube mais levou torcedores aos estádios da Ferroviária e Marcelino de Souza. Homens da cidade e vindos de outras localidades e que ajudaram a construir um dos nomes mais respeitados e conhecidos do futebol interiorano desse país. Por quase todos os lugares onde passei, seja aqui no estado de São Paulo ou fora das divisas, sempre houve quem perguntasse sobre o Vocem. Uma história, pois, que precisa ser respeitada.
*Professor universitário, historiador e jornalista, é mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.
2 comentários :
Parabéns Messias,
Além de informar ajuda a formar opiniões. Muito tenho ouvido, embora não concordo e acredito, que o VOCEM é vítima de conspirações. Inclusive, estão "falando" - odeio este "falando" - que o Assisense está por trás da conspiração. Sabemos, como educadores, a falta de informação completa, confiável de nossa imprensa local. Portanto, reitero meus parabéns pela busca, averiguação, reflexão sobre os fatos e acontecimentos.
Parabéns sr jornalista pelas informações do seu blog , da onde o senhor pega essas noticias eu não sei ,mas são totalmente sem fundamento e como o senhor disse em matérias anteriores é torcedor do Assisense. Mas como bom jornalista deveria ser imparcial.
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