Cláudio Messias*
Segunda-feira passada soube da convocação para matrícula de meu filho no curso de Engenharia de Aquicultura na Universidade Federal do Paraná, campus de Palotina. Como a seleção é feita via SISU, não havíamos precisado ir até aquela cidade paranaense até então. Mas, matrícula é presencial. E para lá nos dirigimos na madrugada de terça, de maneira a chegar ao destino antes das 14h30, horário limite para a convocação dos presentes.
Quando da escolha do curso procurei saber onde fica Palotina. Vi, então, que o município paranaense fica próximo à fronteira com o Paraguai. Mais precisamente, nos arredores de Guaíra. E, por ironia do destino, ao lado de Francisco Alves. A razão para essa 'ironia' a que refiro está no fato de eu ter passado o mais interminável mês de janeiro de minha vida naquela pequena localidade paranaense, lá pelos idos de 1984. Agora, para lá levo um filho meu.
O Oeste do Paraná era, 30 anos atrás, anunciado como o berço do desenvolvimento, em desdobramento ao consagrado Norte Paranaense. O quarteto formado por Cascavel, Toledo, Cianorte e Umuarama surgia sob a expectativa de ser o prolongamento daquilo que Londrina e Maringá haviam, como um relâmpago, iniciado. Fácil, contudo, era fazer aqueles planos. Difícil era convencer que aquele fim de mundo daria alguma coisa. E deu.
Defino como o mais interminável janeiro de minha vida, naquele 1984, porque, aos 14 anos de idade, estava em férias escolares. E para lá fui com um primo paulistano, que visitaria os pais na propriedade rural situada nos arredores de Francisco Alves. Eu estava com minha avó paterna, Florcela, que reencontraria a filha mais velha depois de décadas de separação motivada por problemas e desentendimentos familiares normais em qualquer tribo civilizada. Definição das minhas férias: eu, adolescente, ficando um mês entre idosos.
Naquele início de janeiro de 84 a caminhonete D-10 saiu de Assis antes das 7h00, tal qual fizemos com nosso Siena na terça passada. Uma parada em Pedrinhas Paulista para cumprimentar sei lá quem, outra parada em Arapongas para, veja só, comer arroz, feijão, frango e faroja na praça da igreja matriz e, então, um batidão direto até Chico Viola, apelido homônimo da pequena cidade, em alusão ao cantor homenageado politicamente. Um detalhe que não pode passar em vão: estávamos em três na carroceria coberta da D-10, pois na frente estavam o casal de primos e minha avó. Tenho, até hoje, o cheiro de diesel queimado em minhas narinas e a eterna sensação de náusea provocada por horas a fio vendo o mundo passar em sentido contrário, naquele asfalto que parecia infinito.
Chegamos a Francisco Alves, no sítio de meus tios, pouco antes do pôr do sol. Algo em torno de 19 horas, o que significa dizer que levamos mais de 12 horas naquela viagem. Nessa terça, depois de consultar o Google Maps e todas as referências, supus que teríamos um trajeto menos ácido. Minha teoria estava centrada no fato de o caminho ter Maringá como ponto intermediário e não mais Arapongas, garantia de que o fluxo de tráfego seria bom até ali, uma vez que conheço, e bem, aqueles arredores. Mas, até as proximidades de Guaíra eu só tinha as lembranças do que vi pela capota traseira da D-10, ainda assim em ângulo de 180 graus.
Passamos por Maringá às 8 horas de uma ensolarada manhã de terça. Um erro provocado pelas confusas placas paranaenses e em vez de seguir para Paranavaí, como estávamos, precisamos retornar 20 km e seguirs rumo a Campo Mourão, comprometendo o traçado, no máximo, em 20 minutos. Triste constatação, pois rumo a Paranavaí a rodovia era duplicada, enquanto para Umuarama, nosso primeiro e principal sentido, a pista era simples. Aliás, simples ao ponto de ser humilde ao extremo, com o perdão do trocadilho. Com poucas terceiras faixas de rolamento, ficamos atrás de longínquas filas de caminhões e chegamos a temer pelo horário obrigatório dass 14h30.
Com a velocidade baixa pude contemplar o Oeste conquistado. Umuarama e Cianorte no destaque, sendo a primeira focada no agronegócio e a outra, no vestuário. Cidades do porte de Assis para maior e melhor, com a fama de ser algo em meio ao nada. Mas, que nada? E que fim de mundo é esse de que todos falam? Bom e recomendável usar a borracha ou a tecla "delete' e apagar esse tipo de alusão. Há muito desenvolvimento e qualidade de vida naquela parte do Paraná, favorecidos por uma logística de acesso cada vez mais moderna.
Retomando o trajeto, meu retorno a Francisco Alves foi mais uma coincidência dessa viagem. Como não avistava nas placas o nome da cidade de Palotina, resolvi parar em uma base da polícia rodoviária estadual em Cruzeiro do Oeste, berço eleitoral de Zeca Dirceu, filho do condenado do Mensalão José Dirceu, do PT. Lá, fui informado de que chegando em Francisco Alves faria o trevo, entraria na cidade e seguiria mais 23 quilômetros até Palotina. Estava, àquela altura, a 110 km de meu destino final, às 11 horas da manhã. E pelo cálculo, chegaria à Universidade com mais de uma hora de antecedência do necessário.
Chico Viola agora tem um portal de entrada, com um busto do cantor homônimo. Continua o mesmo pacato município, essencialmente de agricultura familiar. E quando por lá passei nessa semana, além das recordações inevitáveis, também imaginei que o filho não gostaria do que poderíamos ver em Palotina que, ressalto, até não não conhecia. Passadas duas vilas rurais no caminho, que contribuíram para a angústia coletiva dentro do carro, eis que chega Palotina. A partir dali, o que vimos saltou aos olhos.
Palotina tem algo em torno de 30 mil habitantes. Parece cidade planejada, com ruas largas, com pavimento de calçamento ou asfalto e, o que mais impressiona, de uma limpeza impecável. A terra clara - e fraca - contribui para aumentar essa sensação de limpeza urbana, mas isso não fica somente na aparência. Há uma infra-estrutura urbana de qualidade, com um comércio cujo perfil dá mostras do potencial econômico do lugar. No discurso de, por exemplo, funcionários de hotel e restaurantes por onde passamos, a explicação para aquela qualidade toda está no fato de a Universidade Federal do Paraná para lá ter aportado com um campus há mais de duas décadas.
Não sei, realmente, se um campus universitário, que até 2013 tinha como principais cursos os de Agronomia e Medicina Veterinária (Engenharia de Aquicultura foi implantado em 2014), seja capaz de transformar uma localidade dessa forma. O que teorizo, sim, é que há uma economia sólida naquele pedaço de Brasil, com uma agricultura que cresce aos olhos. Para onde se olha percebe-se que aqueles habitantes respiram à base da agropecuária, com uma diversificação de culturas e opções de produção interessantes. Vi, naquele trajeto todo, apenas uma usina de açúcar e álcool e, por conseguinte, poucas lavouras de cana-de-açúcar. Isso por si fala, e muito.
Cumpridos os compromissos de matrícula, retornamos na quarta-feira. A pausa para almoço foi estratégica, em Cianorte. Havíamos, na ida, avistado um dos tantos shoppings atacadistas, à beira da rodovia, e concordamos que ali seria, no retorno, um bom local para a rápida parada. Não sem antes ceder ao apelo visual de, em Cruzeiro do Oeste, comprar panelas que, produzidas ali, são muito baratas (R$ 40 para um jogo de 5 panelas de alumínio e R$ 40 e R$ 25 para panelas de ferro fundido que utilizarei em meu fogão a lenha para fazer, respectivamente, arroz e feijão (esse, re-esquentado).
Não entramos em Cianorte, porém a parada no shopping atacadista de vestuário serviu de parâmetro para dar jus à condição de Capital Nacional do Vestuário. Fabricantes situados em Santa Catarina e demais estados mantêm lojas nesses centros atacadistas de compras de Cianorte, comercializando tanto para quem compra para revender quanto aqueles que consomem para uso próprio. Um filho comprou uma camisa social fina, preta, de mangas longas, por R$ 39, o outro, uma camiseta regata para fazer academia, por R$ 29, e eu, três camisas de gola pólo por R$ 35 cada. Calças e bermudas jeans saíram por R$ 40 a peça, independente de modelo ou cor.
O que chama atenção em minha análise é que essas cidades do Oeste do Paraná encontraram a sua vocação. Cada uma explora o setor da economia que faz seu próprio mundo girar. Nesse bojo, de lugares cravados no fim do mundo as cidades paranaenses inverteram o contexto e chamaram o mundo para frequentar um corredor de desenvolvimento que faz inveja a muita província paulista metida a besta. Comunidades simples, lideranças políticas visível e comprovadamente arrojadas. E não se veem placas de governo ou políticos vangloriando-se por isso ou aquilo, à exceção de um outdoor desse tal Zeca Dirceu anunciando algo relacionado ao que vem politicamente em 2014, o que demonstra que, se por um lado o desenvolvimento é forte, por outro, a Justiça Eleitoral de lá é fraca. Mas esse é outro assunto, para outro tipo de ocasião.
Passei sobre o rio Paranapanema, cruzei, pois, a divisa e voltei a São Paulo. E, logo de cara, lá está a obra de construção da penitenciária de Florínea. E, nessa hora, recordo que houve, um dia, um prefeito que teve a capacidade de ir a São Paulo pedir a construção de mais um presídio para o Médio Vale. Inevitável, pois, fazer menção a essa nossa Sucupira do Vale, cujos caminhos tão buscados, levando ao desenvolvimento, passam por trilhas de cabeças políticas que pedem a vinda de presos, e não de liberdade econômica de uma região visivelmente em eterna busca por sua vocação.
*Professor universitário, historiador e jornalista, é mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.
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