domingo, 30 de junho de 2013

EU, DA POLTRONA - Seleção já começou vencendo no canto do Hino


Cláudio Messias*

Fácil, agora, falar que a Espanha encontraria dificuldades para tocar a bola contra o Brasil. Também, dizer que o predomínio espanhol absoluto não ocorreria. Mais difícil, ainda, antever que Felipão repetiria contra a Espanha o que já tinha feito contra a Itália na fase de grupos dessa mesma, e já encerrada, Copa das Confederações.

Vi na Seleção de Dunga um Daniel Alves jogando como volante, naqueles três anos de preparativos para a Copa da África do Sul. Às vezes, no Barcelona, o lateral brasileiro também joga assim, mas é difícil analisar por essa ótica, pois naquele time até goleiro não tem posição fixa. Hoje, contra a Espanha, Felipão precisava de um jogador que fechasse pelo meio, na frente, com competência de marcador. Assim é Daniel Alves.

Jogador que faz o que Felipão pediu a Dani Alves nesse domingo não aparece na tela da TV. Mas, destaca-se nas estatísticas. Não as vi ainda, mas não tenho dúvidas de que Daniel Alves foi um dos que mais tocaram na Cafusa durante os 90 minutos. E, o que é melhor, quando a Espanha se fechava para os toques rápidos do Brasil, quem surgia aberto e com espaço pela direita? O próprio Daniel.

Fazer um gol logo a dois minutos desestrutura qualquer time. Até o melhor time do mundo. Ou melhor, ex-melhor do mundo. Comentava com amigos desde quinta-feira que, pra mim, a Espanha tende a despencar do topo até onde chegou. Nesse ínterim, tivesse o Brasil feito um gol a mais e, com 4 a 0 inquestionáveis, confirmaria o placar que nesse primeiro semestre de 2013 encerrado exatamente no domingo, dia 30 de junho, sepultou a hegemonia espanhola de Barcelona e Real Madri diante, respectivamente, de Bayern e Borussia Dortmund.

A Espanha volta ao lugar das seleções internacionais que jogam futebol burocrático. Eles não têm um gênio e carecem disso para confirmar o que Real Madri e Barcelona fazem pelos mais ricos e importantes campeonatos de clube do planeta. Por quê? Simples. Porque Cristiano Ronaldo é português e Messi, argentino. Os melhores jogadores do mundo, pertencentes aos melhores clubes do planeta, não têm naturalidade da melhor seleção do universo na atualidade. Daí ser questão de tempo a queda da máscara espanhola.

Na Eurocopa do ano passado eu fiquei indignado. Vi a Espanha enfiar os 4 a 0 que o Brasil podia ter repetido hoje. E em uma Itália que, pra mim, era melhor que a Espanha um ano atrás. Disse isso, aqui, após o jogo de quinta passada. Iniesta e companhia são, sim, comportados, porém pragmáticos demais para o meu gosto futebolístico. Não tinha dúvidas de que Neymar, Huck e Oscar brilhariam hoje e, com isso, clareariam Fred. Melhor que isso, todos jogaram perfeitamente bem, em harmonia. Até Luiz Gustavo, o homem que balbucia, e não fala.

Muitos não acreditavam que a Seleção não chegaria até onde chegou. Não me incluo nesse grupo, nem naquele que acreditava que o Brasil seria campeão da Copa das Confederações, em cima da Espanha. Minha crítica ficou, nessas três semanas de futebol de excelente qualidade, em alguns vícios táticos de Felipão, e na sua teimosia de apostar nos Luis Gustavos da vida. Deu certo, parabéns a ele, mas ainda há detalhes a resolver. Daqui até a Copa do Mundo, em 2014, esse time tende a passar por modificações. Mas, o mais importante, nós temos: a base. Estávamos havia 3 anos sem uma base, um referencial. Quando Mano Menezes começou a dar cara nessa Seleção, caiu. E o que Felipão fez foi manter 95% do time que Mano transformou em barro. As mãos de Felipão moldaram esse barro. O resultado é mais uma taça na galeria de títulos.

De uma coisa, contudo, eu não tenho dúvidas. Tudo começou, a cada jogo, nas arquibancadas. Em todos os jogos da Seleção nessa Copa das Confederações a torcida não interrompeu o Hino Nacional, compactado pelo padrão pobre da Fifa. Talvez reflexo do clima de cobrança que o país passa na atualidade, a massa cantou o que há de mais sagrado desde a nossa Independência enquanto Nação. E esses jogadores, que vão pra fora e conhecem a mordomia e retornam, em férias, para deparar com o caos, sentiram a força das ruas. Sabiam que o momento era esse e que a hora de mudar tudo havia chegado. Atenderam recomendação da Fifa uma vez, contra o México, mas já contra a Itália todos mantiveram-se abraçados, cantando o Hino da terra onde nasceram. Emocionei todas essas vezes, pois também fui um dos milhares de pais de família que levaram justamente a família às ruas, em protesto, por esses dias.

Nunca, antes, o mundo havia visto o que a torcida brasileira protagonizou sob a lente das câmeras hegemônicas da Fifa. Ficou claro o recado, no grito de um Maracanã lotado: "o campeão voltou". A torcida do Corinthians cantou isso quando do retorno do time à Série A, em 2009, depois de passar um ano na Série B. E o Corinthians, hoje, agora, nesse momento, é o atual campeão do mundo, depois de deixar perplexos japoneses e demais estrangeiros com o comportamento de sua torcida, nas arquibancadas, em dezembro passado. Sim, um brasileiro é o atual campeão do mundo até dezembro. A continuar essa trajetória dessa Seleção, que agora é um grupo, e em 2014 ninguém tira daqui a taça de campeão. Sim, vamos com calma.

Nesse aspecto, repito, Felipão mostrou-se diferente de Mano Menezes, e tenho de engolir a seco isso. Mano, tal qual Dunga, estava deveras preocupado com ternos de corte de luxo, imagem que carregava para o banco de reservas. Havia a sensação de que ter perfume demais, e suor de menos. A Seleção de Mano Menezes Traje Fino era composta por praticamente os mesmos jogadores de base atuais. Contudo, não era um grupo. Felipão tem Parreira do lado e Murtosa. Se são os três juntos, eu não sei. O que sei é que essa comissão técnica não proíbe nem seleciona jogadores para entrevistas, é cordial com jornalistas e dá autógrafos a fãs em hotel. Dunga impedia isso. Mano não proibia algumas coisas, mas, em contrapartida, os jogadores também não o faziam. Felipão prende, mas solta. Tem, pois, o grupo nas mãos.

Foi a essa base que Felipão tornou-se campeão em 2002, no Japão. Tinha o grupo nas mãos, coisa que seu antecessor Zagalo não tinha. Hoje, Felipão reabre a contagem regressiva para uma Copa do Mundo com o maior índice de aprovação da história. Seria eleito presidente em primeiro turno, e com risco de chapa única. No país dos protestos, a massa ficou fora dos estádios e quando entrou, deu a cara ao mundo. Vaiou presidente, foi chamada de sem-educação por um canalha que preside a Fifa e não deixou de dar seu recado nem na formalidade da cerimônia de encerramento da Copa das Confederações. Jamais, nesses 5 jogos da Seleção Brasileira houve vaias a Felipão. Até Neymar, o craque da competição, ouviu vaias na estreia.

Não ouso dizer que o Brasil saiu favorito na corrida pela Copa de 2014, pois cá não estiveram Alemanha, a atual campeã da Europa na representação de Bayern e Borussia Dortmund, nem Argentina, nem Inglaterra. O que afirmo veementemente é que a Espanha perdeu a hegemonia. Estava faltando isso, para o bem do futebol arte. A Espanha líder do ranking de seleções era a reinvenção do futebol em testes de laboratório. A melhor fórmula para o futebol que enche aos olhos é aquela em que o jogador, quando toca na bola, já sabe, com antecedência de fração de segundos, o que fará com ela metros adiante. Nesse sistema, é o jogador o centro do universo. Na Espanha, o centro do universo é o sistema tático, tal qual no Barcelona. Lá, quem pensa é o técnico. No Brasil há 11 cérebros em campo.

*Professor universitário, historiador e jornalista, é mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.

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