Cláudio Messias*
A Arena Fonte Nova engrossou, hoje, a furada estatística que
Globo/Fifa usam para maquiar o sucesso de público dessa Copa das Confederações.
Desde o horário do almoço os repórteres globais entram falando de estádio
lotado para o jogo Itália x Brasil e o que se vê, na execução dos hinos
nacionais, são cadeiras verdes vazias. E não foram poucos os lugares não
ocupados. Medo dos protestos? Com certeza, não. Então as copas das
Confederações e do Mundo não foram feitas para os padrões da economia
brasileira? Com certeza, sim.
Quando a bola rolou tive a sensação de que poderíamos
terminar o jogo com menos de 22 jogadores em campo. Duas contusões pelo lado
italiano, uma pelo lado brasileiro e uma série de cartões amarelos que é bem a
cara de Felipão. Neymar, claro, não sabe marcar. Mas Felipão ensina em questão
de minutos e, igualmente em minutos, lá vai o atacante ficar pendurado. Batemos,
e muito, na Itália. Mas, a recíproca foi mais que verdadeira. A Itália não só
bateu, mas, principalmente, foi desonesta. Parecia jogo do Baixadão, em que a
canela fica situada no pescoço.
Taticamente, a Seleção de Felipão tinha Ernanes no lugar de
Paulinho. O volante que entrou jogando havia falado para a Globo que suas
características fogem da de Paulinho. O substituído joga mais avançado, Ernanes
joga mais na criação pelo meio. Na prática, Paulinho é um volante que faz as
partes de meia atacante, enquanto Ernanes é um volante que se dá bem criando
como meia de armação. Isso na fala de Ernanes, pois na prancheta de Felipão
Ernanes foi, sim, um primeiro volante, uma vez que o fraco Luiz Gustavo ficou
recuado como terceiro zagueiro, principalmente com a saída de David Luiz e a
entrada do contestável Dante.
Hoje Felipão ousou começar com um 3-5-2 que avançou os laterais
Daniel Alves e Marcelo. O técnico quis fazer pressão na Itália e inverter as
coisas. O Brasil, sim, jogou em linha e forçou a marcação italiana em linha.
Ficamos atrás da linha da bola nos minutos iniciais e demos a impressão de que
faríamos um gol logo. Só esquecemos de avisar a comissão técnica italiana, que
rapidamente inverteu o sistema 4-4-2, armou um 4-2-3-1 e, plantando Balotelli
na frente, forçou o recuo em linha do time brasileiro. Foi nessa condição que o
futebol de Ernanes desapareceu nos 90 minutos, pois era dele a função de
neutralizar a ligação meio-campo>ataque dos italianos.
Fizemos o primeiro gol com Dante em uma das poucas falhas da
boa zaga italiana. Aliás, a Itália merece o nosso respeito no aspecto físico,
pois fez, contra o Japão, um jogo muito mais cansativo e desgastante que o
nosso, contra o México, e não afrouxou um momento nos 90 minutos. E pouco
falhou, pois os gols tomados neste sábado foram fruto, é de se reconhecer, da
qualidade do jogador brasileiro.
Qualidade do futebol preciso e em franca evolução de Neymar.
Tenho a sensação de que a melhor coisa que aconteceu para esse rapaz foi ter
saído do Santos. Não pelo ex-time em si, mas pela prisão que mantinha
encarcerada a sua vontade de explodir para o mundo do futebol. Santos era pouco
demais para Neymar. Um atacante ligeiro, ousado, que já não cai, mais, com
tanta facilidade. E quando sofre falta, torna-se a continuidade de perigo de
gol. Perigo que transforma-se em redes balançando como no segundo gol de hoje
contra a Itália. Neymar sofreu a falta, Neymar cobrou a falta, Neymar fez o gol.
Minha desconfiança sobre Neymar estava centrada no fato de
ele talvez não saber jogar entre zagueiros europeus, suspeita essa que ganhou
corpo com o sumiço dele diante de adversários como russos e ingleses nos
amistosos preparatórios para a Copa das Confederações. Hoje, contra a Itália,
Neymar disse, na linguagem do futebol, “prazer, europeus; eu sou o Neymar”.
Jogou muito, mas, pendurado pelo cartão amarelo que a estupidez tática de
Felipão produziu, nossa maior estrela teve de sair.
No universo do futebol, hoje, existem duas estrelas
brasileiras brilhando. Uma delas é Neymar, que ainda vai mostrar-se ao mundo
através da Europa, de Barcelona. A outra já brilha há um ano e talvez ganhe
destaque igual ou maior à de Nerymar na temporada 2013/2014: Lucas. E se Lucas
brilhou, dia desses, no trio com Oscar e Jô, por que, então, Felipão fez o
teste de seus sonhos colocando o imaturo Bernard no lugar de Neymar aos 24
minutos do segundo tempo? Estava 2 a 1 no placar e muita água passaria por
baixo da ponte. Se estou errado, raro e exceto leitor, me diga qual foi a
importância de Bernard no resultado final do jogo? O que ele fez nos demais 21
minutos de tempo normal em que esteve em campo?
Minha elucubração mais tácita é relacionada a o que Felipão
tem contra Lucas. O melhor jogador do campeonato francês na temporada passada é
discreto, fala pouco e somente o necessário, dá o sangue em campo, brilha mais
que muita estrela titular de Felipão, mas amarga a certeza do banco. Hoje,
terceiro jogo que só valia a primeira colocação do grupo, todo mundo fez
testes. Até o México, no insignificante confronto com o Japão. Mas, nem nos
testes Lucas entrou. Era hora de vê-lo jogando com Oscar na armação e Fred na
frente. Assim, nosso 4-3-3 ficaria perfeito, pois Ernanes avançaria para a
criação, serviria Oscar, que abasteceria Fred e Lucas. Fred, então, , poderia
jogar fixo na frente, puxando para trás a marcação italiana e, assim, dando
mais respiração ao nosso setor defensivo.
Mas, não. Felipão teve a capacidade de tirar o guerreiro
Huck e colocar o ótimo Fernando. E comprovou que depois de
Ronaldo-comentarista-de-corrida-de-tartaruga Casagrande é amem a tudo. Os dois
concordaram que recuar o time antes dos 30 minutos era bom, pois aquilo
garantiria a primeira colocação e eliminaria o pesadelo de enfrentar a Espanha
nas semifinais. Fernando, volante, joga mais que Luiz Gustavo e Ernanes juntos.
Entrou e fez a Seleção ter a sensação de que Paulinho estava em campo. Forte na
marcação e rápido na armação, facilitou para que a bola chegasse com mais
rapidez a Oscar, que ora avançava pela direita, ora pela esquerda. Com isso, os
italianos ficavam sem saber o que fazer, pois tanto Marcelo quanto Daniel
atacavam em linha com o meio e permitiam a Fred ser o referencial de frente.
Fred, hoje, fez dois gols e em 90 minutos igualou o que Jô
fez em dois jogos que entrou. Ótimo isso, pois eu já defendia que Jô, um ótimo
auxiliador de marcação, estava merecendo entrar como titular. Dizia e digo isso
porque, pra mim, qualquer um dos dois é titular e reserva do outro e resolverá
os problemas da Seleção quando entrar no segundo tempo, ou seja, se Jô for
titular, a Seleção passar por problemas táticos que culminem em dificuldade de
fazer gols e precisar de modificação, é Fred a alternativa, com a certeza de
que entrará e resolverá. Dois centroavantes legítimos como o é, também, Leandro
Damião. Estamos bem; muito bem, na oposição.
Os dois gols feitos pela Itália resultaram de falhas de
marcação que considero normais. No primeiro gol prefiro acreditar que com David
Luiz no time não teríamos cometido a falha de marcação. Já o segundo gol,
pasmem, teve a participação de um árbitro que é a cara da Fifa, uma instituição
que adora fazer moral com países nem tão desenvolvidos no futebol. Bizarrice
aquele homem de preto apontar a marca do pênalti e, na sequência, apontar o
meio-de-campo validando o gol italiano. Um gol que deveria receber placa no
Fonte Nova, com o nome de Josef Blater.
Admito que vejo maturidade nessa Seleção Brasileira e
avanço, muito avanço, em relação ao que vi nos amistosos que marcaram o início
de trabalho de Felipão. Hoje, contra a Itália, apanhamos, mas também batemos.
Fomos agredidos, e também agredimos. Atacamos e fomos atacados. Fizemos gol,
tomamos gol e soubemos manter o ritmo de balançar as redes. E você pode estar
perguntando: e isso não está bom, não é suficiente? Sim, é suficiente, para a
realidade desse jogo contra a Itália. Estamos todos prenunciando a final Brasil
x Espanha e, convenhamos, essa mesma Itália acostumou-se, na Eurocopa, a tomar
pancada dos espanhóis.
Concordo com Felipão que não temos tempo para testes e que
daqui por diante buscamos o homogêneo futebol brasileiro. Temos um craque que
desequilibra, que é Neymar, um zagueiro xerife chamado Thiago Luiz, um volante
que avança, ou seja, Paulinho, um cérebro criador chamado Oscar e um
centroavante marcador de nome Fred. Nossos dois laterais são os melhores da
posição no mundo. Isso, em si, já basta para mostrar que uma eventual final
contra a Espanha fará o futebol espanhol estranhar a falta de hegemonia. Não
tenho dúvidas de que os humilhantes 70% de tempo de posse de bola não irão se
repetir contra nós. Dividiremos, pois, a bola com equidade. Mas, a meu ver,
carecemos de uma opção de velocidade, que faça triangulação com Neymar e Oscar
e chegue, em trio, na cara do gol espanhol. Essa opção é Lucas, que
sacrificaria Huck. Dada a força física e o poder de marcação de Huck, contudo,
a opção de Felipão tende a ser manter mesma formação dos últimos jogos. E,
nesse aspecto, dou um pouco de razão a ele.
Antes da Espanha deveremos ter o Uruguai, time ligeiro e que
tem características semelhantes à do Brasil. Não será, porém, páreo para o
nosso futebol, ainda mais se tivermos como parâmetro os convincentes 4 a 2
sobre a Itália. Será, aí sim, o jogo para Felipão voltar a dar oportunidade a
Lucas. Se der, é porque, hoje, ele tratou o jogo contra a Itália apenas como
confronto para definir posição na chave. Se não colocar, é porque continua,
sim, o mesmo marrento que só coloca a própria unanimidade em campo, em
detrimento do consenso público.
*Professor universitário, historiador e jornalista, é mestre
em Ciências da Comunicação pela EC/USP.
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