Cláudio Messias*
O estádio era novo, mas a receita
era velha. Ou, na adaptação da linguagem, o estádio é velho com cara nova, e o
futebol, novo com cara velha. Igual, mesmo, só a velha conhecida coerência de
Felipão. A mesma que ele deixou de presente no Parque Antártica e que faz,
hoje, o Palmeiras amargar a segunda passagem pela Série B.
Nós, brasileiros, costumamos
olhar para o futebol brasileiro cobrando o padrão europeu. Foi o que
estabelecemos a Mano Menezes, que caiu por não estabelecer um padrão de jogo
compatível às “grandes” seleções europeias. E saber que um dia fomos “a” grande
seleção internacional, temida por todos. Queremos impor, no jeito de jogar brasileiro, a força física, em detrimento da habilidade.
No Maracanã, hoje, criticar o
alheio não deu certo. Galvão Bueno, aos 3 minutos do segundo tempo, lascaria o
tradicional “vale lembrar que a geração de transmissão é de competência da TV
tal, onde o jogo acontece”. Editor de imagens, cinegrafista, enfim, todo aquele
pessoal a quem a Fifa 'orgulhosamente atribuiu competência de transmissão',
dentro da Globo, focou a bandeirinha de escanteio depois da cobrança, durante
longos segundos, tirando o lance completo do enquadramento. E no minuto seguinte
inteiro os lapsos seguiram. A Globo, sim, é mais uma. Erra tão feio quanto a
FoxSports na Libertadores.
Dentro de campo a Seleção começou
com uma formação que não me agrada desde que Felipão assumiu. Lucas no banco,
Fred no ataque e Oscar, sozinho, na criação. Paulinho é, sim, segundo volante.
Joga assim no Corinthians e na Seleção. Só que no Corinthians ele tem ora
Danilo, ora Douglas, além das opções de Romarinho e Sheik, jogadores que
avançam com maestria e voltam para marcar com destreza. Na Seleção, Paulinho
tem, primeiro, que marcar, e depois avançar. E se avança, esbarra em Neymar e
Oscar na criação pelo meio, com Fred isolado, sozinho, na frente. Esse sistema
tático é falido, principalmente contra seleções como a inglesa, que joga no
4-4-2 clássico.
Felipão, depois de todo
intervalo, entra com formação de time B. A opção tática e de formação, dele, também tem duas vertentes. Ora dá certo, ora dá errado. E tem dia, como hoje,
que dá errado para, enfim, dar certo. A Seleção jogou confusa no primeiro
tempo, mas nos 15 minutos finais dava a impressão de que a primeira formação é
que era a correta. Ernanes, pelo meio, fez com que a Seleção tivesse mais um
volante jogando avançado, dando impressão de que Paulinho sobraria. E não
sobrou porque recuou, uma vez que o meio-campo defensivo ficou claramente
exposto aos rápidos contra-ataques laterais dos ingleses.
O primeiro gol do Brasil deu a
falsa sensação de que as coisas se ajeitariam. Afora o lindo lance de Ernanes,
o gol de Fred foi mera obrigação. Centroavante tem de estar ali, naquele
momento, naquelas condições, para finalizar. Mas, o troco dos ingleses veio sem
necessidade de usar fórmula mágica. O Brasil adiantou a marcação e deu o
contra-ataque. Foi nessa condição, de meio campo defensivo aberto, que saiu o
chute seco do largo Chimberlain. Igualmente, Rooney foi perfeito no comparativo em relação a
Ernanes, colocando na gaveta de Júlio César, com direito a desvio nas costas de
Fernando, a mesma bola que o brasileiro deixara na trave no lance do primeiro
gol.
O empate brasileiro aconteceu sem
sistema tático definido. A derrota eminente, na reinauguração do estádio um dia
chamado de Maracanaço, fez o jogo parecer coletivo apronto. E é nesse tipo de
jogo que desparece o jogador mais caro e especulado da atualidade e aparece...
um volante. Paulinho mostrou que é possível, sim, um volante vir a ser, um dia,
o melhor jogador do mundo. Não é qualquer jogador que acerta um sem-pulo
daquele, no apagar das luzes. Para a tristeza dos corintianos, que correm o
risco de ter despedido dele no título paulista sobre o Santos. Não tenho
dúvidas de que o preço que for falado, hoje, para Inter de Milão ou Real Madrid
sairá fatalmente dos cofres já nessa segunda-feira, sem contraporposta.
Felipão, depois do susto e do
coro de “burro” que foi obrigado a ouvir no segundo tempo, vai ter de optar
pela cruz ou pela espada. Do jogo quadradinho do primeiro tempo ao futebol
redondo do segundo há diferenças capitais. Nessa hora sou mais Mano Menezes e
opto por uma renovação que coloque Leandro Damião, Fernando e Lucas titulares
absolutos. Meu meio de campo tem Fernando e Paulinho atrás, Oscar e Lucas pelo
meio. Neymar e Leandro Damião jogam na frente. O sistema continua sendo o
3-5-2, mas, dependendo do fechamento do adversário, como foi a Inglaterra hoje,
muda para o 4-2-3-1. Assim, você avança o seu meio-campo mas não desguarnece o setor
defensivo, tendo, ainda, a opção do avanço dos laterais em bloco com o ataque.
Ernanes, Fred e Bernard são, sim,
padrão Seleção. Mas, figuram como ótima opção para o segundo tempo, caso as
coisas não estejam dando certo. Defendo, também, um revezamento maior dos
goleiros. Durante a semana passada a América inteira confirmou que Vítor, do
Atlético Mineiro, que já vestiu a camisa da Seleção, tem lugar nesse time, nem
que seja como segunda opção. Digo isso porque vejo o excelente Júlio César
tomando gols como o primeiro, hoje, da Inglaterra, e amargando mal
posicionamento como no segundo. Daqui até a Copa do Mundo temos mais de um ano
pela frente e não vemos o que Júlio César faz na Europa, diferente de sua
passagem pela Inter, que era vitrine. E, convenhamos, um ano na vida de um goleiro que após o
fiasco pessoal na Copa de 2010 anunciara aposentadoria é muito tempo.
Não gosto do sistema tático de
Felipão e não posso ser acusado nem tachado de injusto. Quando ele assumiu no
lugar de Mano Menezes havia uma cúpula da CBF que queria aparecer mais do que
os protagonistas que pisam no gramado, e eu já acusava isso. Hoje, essa cúpula
da CBF sequer é recebida pela presidente da República, muito menos recebe
convites da Fifa para os eventos que, realizados aqui dentro do país, levam a
tarja da própria Confederação. País mundialmente conhecido pela corrupção
pública tem uma confederação de futebol envolta em um emaranhado de nomes
preteridos por quem tem o poder nas mãos. Nada surpreendente, portanto, que
Felipão faça tudo isso achando que, mesmo assim, está tudo bem. Para quem já
foi campeão do mundo uma vez, perder uma Copa em casa continuará sendo apenas
mais um detalhe. Mas, Felipão, não foi o detalhe que fez o Chelsea demiti-lo e
o Palmeiras cair de novo. Desocupe a moita.
*Professor universitário,
historiador e jornalista, é mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.
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