03 JUNHO 2013
Cláudio Messias*
O Brasil e o mundo adotaram a
Parada Gay, na cidade de São Paulo, como o segundo principal evento da maior
metrópole brasileira, atrás apenas da Fórmula 1. Visão consumista de um evento
que um dia, há duas décadas, parou o centro financeiro da capital econômica do
país. De manifesto pelos direitos dos GLBTs a Parada Gay foi transformada em
mais uma data sazonal no calendário de eventos paulistanos.
Parada é flexão do verbo parar.
Um dia, portanto, uma série de causas levou gays, lésbicas, bissexuais, enfim,
seres humanos, a parar a avenida Paulista. Automóveis deram lugar a carros de
som, não sem, com isso, haver desentendimentos com a polícia militar. Os
cálculos de público também foram, naquele início, conflitantes, colocando em
xeque os métodos de se conceber o contingente possível para cada metro quadrado
ocupado.
Semanas atrás havia concentração
de professores na mesma avenida Paulista. Eles não necessariamente pararam o
centro paulistano, mas, mais uma vez, protagonizaram cenas agora históricas do
conflito com a mesma polícia militar. A Parada Docente, contudo, não surtiu as
mesmas manchetes. O próprio governador picolé-de-chuchu, que com sorriso amarelo
posou hipocritamente ao lado de protagonistas da Parada Gay, jamais faria pose
aos fotógrafos ao lado de professores da rede pública que cobram-lhe uma
política mais justa de valorização do magistério. Nem os próprios docentes, com
certeza, fariam muita questão de estar na mesma foto.
Na condição de jornalista já
cobri inúmeras paralisações e greves de professores, sejam eles da rede oficial
de ensino, sejam das universidades públicas. Hoje, sou professor. Um professor
que passou pelo quadro da rede oficial de ensino e, portanto, deu aulas nos
ensinos fundamental e médio, e também em EJA (educação de jovens e adultos). Um
educador que já durante a formação, ou seja, na graduação, vivenciou a
realidade de uma greve a cada um dos quatro anos da licenciatura.
As greves que testemunhei como
jornalista e professor pouco, mas muito pouco mesmo, renderam em ganhos reais aos
professores nelas envolvidos. A pior de todas, creio, aconteceu em 1986 e 1988,
quando professores da rede e das universidades cruzaram os braços em conjunto.
Só cederam quando o então governador Orestes Quércia, que teve como um de seus secretários
de Segurança Pública Luiz Antônio Fleury Filho, colocou o Choque da PM para
espancar professores, alunos e todos os demais cidadãos que estivessem pela
frente naquele tradicional centrão paulistano, situação ápice da política de repressão.
Aquelas foram as “piores” greves
porque os desdobramentos atingiram a todos, menos ao império do PMDB no Estado.
Fleury tornou-se governador sob o slogan quercista de “quebrei meu Estado mas
elegi meu sucessor”, os salários dos professores continuaram defasados e, o que
é pior, dali a quatro anos a situação de São Paulo era caótica o suficiente
para não haver dinheiro em caixa sequer para pagamento de todos os funcionários
públicos estaduais. Romper com a ditadura peemedebista representava, para os
profissionais paulistas, acompanhar a tendência de redemocratização do país.
A máxima “é possível piorar o que
está ruim”, presente em forma de hit, hoje, nas redes sociais, já fazia jus ao
que nós, paulistas, sentíamos na década de 1990. O discurso do PSDB de reerguer
o país através da educação enganou a todos, inclusive a academia. Mário Covas
sucedeu Fleury, mas tinha um vice que assumiria em seu lugar na virada do
segundo mandato. Não havia passado tempo suficiente para que todos tomassem
conta de que controlar a inflação não era o pior de todos os desafios. Para
manter as contas em dia com os credores internacionais, a quem o Brasil do PSDB
reverteu a Carta de Alforria, os salários foram congelados. Acreditava-se na
mentira de que o custo de vida não subia.
O vice de Covas era Geraldo
Alckmin. Tivesse sido eterno enquanto durasse aquele amor. De tal maneira que
Covas amou a Alckmin, que amou a Serra, que amou a Alckmin, e ambos odeiam
Aécio. No universo da incoerência tucana os dois primeiros mandatos do PSDB
renderam perda real de 35% não só a professores, mas a todos os funcionários
públicos. Funcionalismo que apostou em Covas, depois em Alckmin, depois em
Serra, e agora em Alckmin de novo.
Ano que vem o PSDB completa duas
décadas de hegemonia no estado de São Paulo. Em mais da metade dessas duas
décadas tivemos salas de aulas vazias, sem professores, por pelo menos um a
cada doze meses. E não estou falando só de escola pública. Todos os ambientes
formais de ensino/aprendizagem passaram por esse processo, sob a égide do
Estado. Você, raro e exceto leitor, pode estar questionando sobre as redes
municipais de ensino, que raramente paralisam ou aderem a greves. Refaça esse
recorte de exceção e entenda, definitivamente, a base da ‘sabedoria’ tucana que
impôs a municipalização do ensino.
É fato que o professor é o
profissional com pior remuneração entre os profissionais com formação acadêmica
obrigatória. Nem vou entrar no glamour que antes tornava a categoria uma das
mais assediadas pelo comércio, dada a remuneração percebida. E se antes
tínhamos “o” professor, agora temos “os” professores. O caos é tamanho que
existe a Escala Paupérrima. Aquela que tem o docente do ensino superior no topo
da escala e o professor do ensino básico na base, com o perdão da redundância.
Professor de ensino básico vinculado aos municípios, que adotam remuneração em
conformidade com seus orçamentos. Peguemos o quanto ganha um professor do
primeiro segmento do ensino fundamental em Borá e comparemos com o que recebe
quem trabalha na mesma função em Barueri. O menor município do Estado no
comparativo com a localidade que mais arrecada ICMS no mesmo Estado.
A aberração das políticas
públicas do Estado de São Paulo é tamanha que nos últimos 5 anos os professores
de ensino fundamental (segundo segmento) e médio foram submetidos a um
fatiamento funcional. Se antes havia os estatutários (aprovados em concurso
público), os estáveis (com mais de 5 integrais completos no exercício da
função) e os OFAs (ocupantes de função atividade), agora existe outra categoria
paralela, que goza de estabilidade adquirida por força de lei mas que não tem
as garantias de um efetivo aprovado em concurso. Mais uma vez prevalece a
máxima tucana “que seja eterno enquanto dure esse amor”, pois o próximo governador
poderá, já em 2015, mudar isso tudo, confirmando que de garantia não existe
nada nessa pseudo estabilidade docente em vigor.
Até aqui você, raro e exceto
leitor, deve estar elencando os motivos que justificam uma greve geral na
educação. E deve imaginar que eu seja a favor desse tipo de paralisação. Vou
opinar somente sobre a segunda dedução. Não sou a favor de uma greve nessas
condições. Por quê? Porque essa fórmula, de cruzar os braços em busca de
melhores salários, mostrou-se falha e hoje tem uma opinião pública já reticente
sobre sua eficácia. Sim, conseguiram queimar, torrar a greve enquanto instrumento
de mobilização social. Não que ela, a greve, seja ineficaz; está, sim, sendo
deflagrada de maneira que haja um prejudicado maior: o público.
Sou a favor, pois, da Parada
Docente. Interromper aulas aqui e nas demais cidades não incomoda a imagem
hegemônica do Estado tucano. Três milhões de pessoas na avenida Paulista já
mudam um pouco esse cenário. Pobreza de espírito, contudo, parar porque o holerite
de junho será insuficiente para o consignado e as despesas essenciais. Sou o primeiro
a deitar no solo da avenida Paulista e ali ficar enquanto coletivamente não
cobrarmos o vigor imediato do Plano Nacional de Educação, que desde dezembro de
2010 está no Congresso Nacional e deveria vigorar em 1º de janeiro de 2011.
Meu amigo, se as políticas
públicas de educação não vigoram, os orçamentos federal, dos estados e dos
municípios tornam-se um barco sem rumo, à deriva. E nessa hora Alckmin, que
amava Covas, mais ou menos gostava de Serra e simpatiza Aécio, discursivamente
vai, mesmo, odiar Dilma. Afinal, a presidente está no penúltimo ano do mandato
e sequer consegue viabilizar que o Congresso, onde controla o poder
legislativo, aprove aquele que representa o conjunto de metas para a chamada
segunda década da educação, posterior ao vigor da LDB de 1996 (reeditada em 4
de abril último). Se não tem política pública há o pretexto para o não
investimento.
Há um mês as universidades
públicas paulistas estão paralisando gradativamente as atividades. O movimento
parte dos alunos, que cobram uma série de melhorias. Já vi e li de tudo
relacionado a essa Parada. De apoio aos professores da rede estadual a cobrança
pelo pagamento de bolsas na integralidade das parcelas anuais, há uma relação
de itens justos, que fundamentam o movimento. A novidade, agora, é outra greve
deflagrada, dos funcionários das universidades. Sem os servidores,
definitivamente, não há aulas. Em ambos os movimentos, de funcionários e
alunos, não vejo nada relacionado a uma cobrança que afronte a medíocre
política nacional de gestão da educação. O foco continua sendo o estado.
A Unesp de Assis forma,
anualmente, engenheiros biotecnológicos, psicólogos, biólogos, historiadores e
professores de línguas. Quase metade do contingente discente, egresso, guardada
a proporcionalidade das vagas de ingresso, sai dali professora. São professores
com habilitações para docência em história, geografia, filosofia, sociologia,
inglês, francês, alemão, italiano, literaturas e língua portuguesa. Professores
reflexivos em formação, que estão com foco de reivindicação, hoje, somente na
doutrina tucana de fazer educação neoliberal e ignoram, talvez por
desconhecimento, o quão trágica é a inexistência, desde 2011, de um norte
orçamentário advindo do Plano Nacional de Educação hoje parado nas mãos de
deputados federais e senadores.
Infelizmente, somente fenômenos
fúteis como “Luíza no Canadá” e “Gina indelicada” conseguem equiparar-se em
audiência, nas redes sociais, a movimentos igualmente fúteis protagonizados por
ícones telenovelísticos e, assim, tocar a opinião pública da forma mais
superficial. Fosse suficiente, sim, nesse aspecto de toque na opinião pública, a
Parada Docente, que tirasse professores e alunos da sala de aula de escolas
municipais, escolas estaduais, universidades e mesmo das instituições privadas,
colocando-os todos na avenida Paulista, trajando as mesmas vestes pretas que um
dia começaram a derrubada histórica de Fernando Collor de Mello. É desse
levante que precisamos.
Milhões de pessoas na Paulista
farão, sim, com que a Unesp devolva aos estudantes uma das parcelas de bolsa de
estudos que fora tirada no início do ano letivo. Igualmente, uma multidão
dessa, que tem professores mas também tem estudantes e, nestes, a representação
de suas famílias, colocará na berlinda a despedida do PSDB do poder paulista,
devolvendo a efetivos e estáveis as perdas que já ultrapassam os 50% dos
salários em 20 anos desde o início do Plano Real. Uma multidão que pare o
centro econômico do país fará, ah se fará, a dona Dilma assumir de vez que para
falar em Espetáculo do Crescimento e Plano de Aceleração do Crescimento ela
tem, sim, é que viabilizar o vigor do Plano Nacional de Educação, que em vez de
estádios para receber gringos privilegia a construção de salas de aula onde o
Bolsa
Família tapa o sol com a peneira.
Família tapa o sol com a peneira.
Milhões de pessoas na Paulista
vão mostrar à aristocrata sociedade paulista que houve mudanças recentes no
comando da Unesp e que os estudantes acampados, hoje ocupando os campi, ali
exigem um direito, que na forma de dever foi rompido pela universidade na
transição de reitorias. Tudo bem, parar as aulas não é o melhor caminho, mas,
parar São Paulo mostra-se uma alternativa a ser considerada. Afinal, se há
dotação orçamentária que garanta fatia do ICMs paulista às universidades
públicas, lógico que as parcelas de bolsas de auxílio estavam garantidas desde
2012. E se em 2013 uma parcela não foi paga aos estudantes bolsistas, não tenho dúvidas de que esse dinheiro
foi para algum lugar que, convenhamos, não é a conta bancária dos discentes. É
essa clareza que a Unesp teria de mostrar na avenida Paulista, a uma multidão
parada, passível de abertura de processo por corrupção. Ou o dinheiro aparece
ou a multidão, estática, aguarda a saída dos responsáveis e a respectiva
punição.
Em duas ocasiões, participando de
congressos científicos, acadêmicos, estive fora do Brasil nos dois últimos anos.
Nas duas circunstâncias deparei com movimentos de ocupação das ruas. O primeiro,
em abril de 2011, em Santiago, no Chile, mobilizava estudantes contrários às
políticas públicas nacionais que desabasteciam as universidades de
investimentos. O segundo, em outubro de 2012, em Lisboa, reuniu 2 milhões de
pessoas no Baixo Chiado, no Manifesto, um ato contra a política de austeridade econômica
da zona do euro. Em ambos os casos, pessoas saídas de suas regiões ocuparam as
ruas e, sem precisar confrontar com ninguém, deram o recado: “não concordamos”.
Aqui, no caso do estado de São
Paulo, muito mais do que não concordar precisamos mostrar o que está errado.
Entrar em confronto, seja ele físico ou ideológico, com a polícia beira a
incoerência. Duas categorias mal pagas pelo Estado, sob a mesma política de
desvalorização que sacrificou metade da receita em duas décadas, digladiando
ora para defender ora para atacar o mesmo Estado opressor, patrono das
políticas públicas mais nefastas do último século.
Com quatro décadas e mais três
anos de vida continuo acreditando mais na revolução do que na volta de Cristo,
porém admito que no hoje, no agora, confio de forma palpável na reação. Reacionários
imediatos, é o que precisamos ser. Para cada ação nefasta desse estado que
citei, uma reação coletiva. Não tenho dúvidas de que a tênue abertura da
conservadora sociedade brasileira para questões relacionadas a causas
homoafetivas está intrinsicamente relacionada ao fortalecimento do movimento
social denominado Parada Gay. A sociedade reagiu positivamente, a partir de uma
consciência gradativa que marcou o estabelecimento de uma cultura de
tolerâncias.
Vivemos, sim, um momento
diferente em relação ao que nossos avós testemunharam. Posso citar como prova
disso exatamente o teor dessa minha publicação. Tivesse, ela, a data de 3 de
junho de 1983 e muito provavelmente nenhum jornal local ou emissora de rádio
sujeitariam-se à publicação. Para ser sincero, acho que nem em 1988, com a
reabertura do processo de democratização do país vigendo, essa publicação
passaria ilesa de represália estatal. É com base nessa liberdade de expressão e
ratificando a necessidade de embasamento a partir de elementos sólidos de
cobrança que difundo minha vontade de ver uma mobilização que saia da sala de
aula porém ganhe as ruas. Parar São Paulo é fazer São Paulo andar. E estamos
parados, em outro sentido, desde 1994.
*Professor universitário,
historiador e jornalista, é mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.
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