sábado, 15 de junho de 2013

EU, DA POLTRONA – Ouso dizer que a Seleção melhorou sem Neymar

Cláudio Messias*

Você, raro e exceto leitor, vai xingar-me de novo e dizer que sou chato com o que vou escrever sobre a estreia da Seleção Brasileira na Copa das Confederações. Normal, pois sou chato mesmo. Chato, não. Sou muito chato. Só que vi, de novo, uma Seleção meia-boca no primeiro tempo, contra o Japão, e outra Seleção, mais rápida, no segundo. E, tá bom, sou o mais chato do planeta bola e, pra mim, a Seleção terminou o jogo de um jeito que vai contra a vontade do retrancado Felipão.

O jogo de hoje não foi qualquer jogo. Abrimos a primeira Copa das Confederações de nossa história. Em 1950 não tinha estádios prontos, protestos na porta dos estádios, nem Copa das Confederações. Vaiar presidente da República, então, nem pensar. Até porque se dissessem que vaiar era falta de respeito e de educação, perguntariam: o que é educação? Sequer Lei de Diretrizes e Bases da Educação tínhamos naquele tempo.

Bom, mas o assunto é futebol. E dentro de campo lá estava, de novo, o tal do Luiz Gustavo Sai-de-baixo, volante. Quem sabe até daqui a 13 meses me convençam de que o volante titular de Felipão é melhor do que Fernando. Difícil. Pois, pra mim, a instabilidade desse volante titular exige cobertura dos laterais Daniel Alves e Marcelo, uma vez que Luiz Gustavo alterna posição com Paulinho, este, sim, jogando mais avançado. Fernando, além de seguro, é um líder, abre a boca, não passa fome e se preciso for, chega a Roma.

O engessado 4-4-2 de Felipão não dá certo, e explico por que. O técnico teimoso fixa Thiago e David Luiz atrás, amarra os laterais e recua demais Paulinho, que tem de ficar para apoiar Luiz Gustavo. O resultado disso é uma construção de meio-campo que força o retorno de Huck e prende Oscar a Neymar, isolando Fred na frente. Não por acaso, nos últimos jogos, com Felipão no comando, Fred tem sido garçom, pois funciona mais como pivô do que necessariamente como centroavante como quer Felipão.

O ideal, a meu ver, é uma formação da Seleção que tenha três defensores fixos: David Luiz, Thiago Silva e, pasmem, Luiz Gustavo (Fernando). Daniel Alves e Marcelo fazem, sim, o vai-e-vem, mas avançados e posicionados no meio-campo, onde formam opção de triangulação com Oscar e Neymar, que abastecem, obviamente, Fred e Huck. Estes últimos são altos e fortes o suficiente para colocar em pane a baixa e fraca defesa japonesa. Portanto, 3-5-2 seria a formação tática ideal, a meu ver, para esse questionável time titular de Felipão.

Fizemos 2/3 dos gols, hoje, com o Japão ensaiando abrir os olhos. Neymar, convenhamos, fez um golaço. Fred deve estar afônico até agora pela matada de bola na papada, que ajeitou a, pasmem, Cafusa no ponto para o chutaço de Neymar, inaugurando oficialmente as redes do Mané Garrincha que repete o Maracanã e, apesar de todos os ingressos vendidos e esgotados, mostrava inúmeras cadeiras vermelhas vazias. Quando vir novamente o gol, amigo leitor, perceba que logo aos 3 minutos a defesa japonesa marca em linha e não espera a falta de domínio de Fred, que tinha dois marcadores. Foi dessa desatenção que saiu a desvantagem de nosso adversário. Japoneses que, por sinal, pouco perigo ofereceram mas que, admitamos, não nos deram opções táticas.

A Seleção do primeiro tempo teve como melhores jogadores Neymar e Huck. Oscar pouco conseguia produzir exatamente porque o Japão jogava no mesmo 4-4-2. Eram quatro japoneses fechando a criação brasileira no meio-campo e outros quatro, pragmáticos, fechados atrás. Nossas jogadas mostravam um Huck indo ao fundo e disparando chutes fortes, cruzados, na área. Por que aquilo? Porque nossos laterais, especialistas em cruzamentos nos ataques de Barcelona e Real Madrid, estavam recuados. Huck, em vez de responsável pelos cruzamentos, tinha de estar com Fred na área para aproveitar cruzamentos aéreos mais eficientes.

O Brasil vencia por 1 a 0 mas ouvíamos vaias vindas da arquibancada. E olha que Paulinho, o volante mais goleador da história recente da Seleção, aproveitou que os olhinhos japoneses ainda não estavam totalmente abertos para a etapa complementar e com 2 minutos de tempo corrido fez logo 2 a 0. O volante que tão bem exerce o papel de meia avançado fez um gol parecido com o de Neymar, aproveitando bola alçada na área, dominando rápido e não dando chance ao goleiro japonês Kawashima, que homenageou, no uniforme, o árbitro brasileiro Clésio Moreira dos Santos, o Margarida.

Felipão manteve a formação tática do primeiro tempo, porém deu mais liberdade a Paulinho. Quem pagou o preço, com isso, foi Oscar, que jogou mais recuado e tendo atribuição de marcação. Tanto não deu certo que logo aos 55 minutos, com 2x0 no placar, os vândalos torcedores que vaiam presidente da República começaram a gritar o nome de Lucas, colocando de prontidão as Forças Armadas inteiras. Neymar, àquela altura, estava jogando bem, sim, mas, ao contrário do cai-cai que foi até a contratação pelo Barcelona, teve a infelicidade de levar algumas pancadas setoriais. Eu também o tiraria do jogo, pois a vitória era irreversível, e a onda de azar poderia comprometer sua participação no decorrer da competição.

E onde está a situação que justifica a afirmação desse chato que vos escreve, ousado o suficiente para dizer que a Seleção melhorou sem Neymar? Respondo: Lucas entrou no lugar de Neymar. Todos, inclusive eu, imaginavam que Lucas entraria no lugar de Huck. Ou, como cabeça de Felipão é tal qual barriga de nenê e cerebelo de juiz, Oscar poderia ser sacrificado. Só que Neymar saiu de imediato, prenunciando risco de contusão, e a Seleção passou a jogar com Lucas e Oscar na armação, Huck e Fred, depois Jô. Ficamos sem os dribles desconcertantes de Neymar, porém ganhamos em agilidade. O trio Lucas>Oscar>Ernanes deu muito certo. Certo porque Paulinho e Ernanes, com toques rápidos, deram agilidade e velocidade ao meio-campo. Veja, pois, que estamos falando em um sistema 4-2-3-1, igual ao que venceu a França no último jogo de preparação, só que com a inédita formação que tem o trio de ouro pelo meio.

O derradeiro gol da Seleção, com Jô, é fruto de um nó tático na cabeça dos japoneses. Sem Neymar para infernizar, eles focaram a marcação em Lucas e, depois, em Oscar. Foi nessa alternância que Oscar disparou exatamente no setor onde Neymar atuava, pela esquerda, e deu passe com maestria para Jô apenas afundar as redes. Perceba, raro e exceto leitor, quando vir o lance novamente, a velocidade com que a bola sai da defesa, avança para Oscar pelo meio e chega a Jô. É, portanto, perfeitamente possível jogar com quatro defensores e recuando Daniel Alves e Marcelo. Porém, você tem de ter ao menos três cérebros capazes de criar pelo meio. Para mim, esses nomes são Lucas, Oscar e Ernanes. Gosto de Huck, admiro Neymar, só que a formação da Seleção que terminou o jogo muito me agrada, e não é de hoje. Fred, por mim, já daria lugar a Jô no jogo de quarta, contra o México.

O resumão dessa estreia do Brasil na Copa das Confederações traz a válida harmonia que se espera de um time que vislumbra voltar ao seleto grupo das 5 melhores seleções do planeta. Continuo com a sensação de que podemos melhorar, ainda mais em se tratando de sistema tático. E é dessa premissa que sai minha compreensão quanto ao excesso de cautela de Felipão, que uma semana atrás ainda carregava o peso de não ter vencido no comando da Seleção atual. Só que advirto para o fato de, no momento, ser necessário ousar um pouco mais, saindo da retranca excessiva e permitindo a peculiar criatividade técnica de nossos jovens jogadores. Felipão talvez não queira dar brecha para a associação entre essa inovação e a estreita relação com o que fazia, antes, Mano Menezes. Inevitável, contudo, reconhecer que a maioria absoluta dos jogadores que decidem nessa Seleção advenha do que Mano apropriou-se em nome da renovação pós-copa da África do Sul.

A berlinda, mesmo, virá dos confrontos contra México e Itália. O primeiro está aqui para ganhar, enquanto a outra mostra que curte, mesmo, ver bunda na praia, admirar as paisagens naturais e nem ligar tanto assim para o mico de ir, sem aviso prévio, treinar em um Engenhão interditado pela peculiar incompetência brasileira de construir estádios porcaria.


*Professor universitário, historiador e jornalista, é mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.

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