Cláudio Messias*
Em 2009, a segunda maior rede de supermercados do planeta decidiu os investimentos que faria no Estado de São Paulo ao longo dos então próximos cinco anos. Assis e Franca ganhavam os projetos de instalação de lojas do Walmart. Ninguém foi bater à porta do grupo norte-americano. Simplesmente, os números falavam por si. E eles para cá vieram.
Esse jeito quantitativo de
encarar a economia é chato. Chato, mas derruba tabus. Costumamos lançar olhares
somente qualitativos sobre o interior. Vida pacata, baixos índices de
violência, pôr-do-sol romântico e nostálgico, cheiro de bosta de vaca misturado
com barulho de galinhas no terreiro. Mas, calma lá. Isso é sítio, zona rural. E
dia desses vi que há um sitio situado a menos de 30 quilômetros da Praça da Sé,
na capital, com direito a todos esses bichos e plantas característicos. O
interior que as grandes empresas enxergam tem cidades que são cada vez mais parecidas com as
metrópoles. Semelhantes em um detalhe: consumo.
Há pelo menos três décadas o
discurso político prevalente em Assis é de que para cá não vêm indústrias. E
sem indústrias não há, nessa retórica, progresso. Trata-se, pois, de um
discurso histórico construído na época em que o planeta vivia sob o temor da
Guerra Fria e o Brasil, sob a ditadura, experimentava o tal do
nacional-desenvolvimentismo. Um capítulo de nossa história recente em que a
indústria aliou-se ao opressor Estado Nação e interferiu nas políticas de educação
e desenvolvimento. Dali nasceram projetos do sistema S, como Sesi, Senai,
Senac, etc, e uma cultura de que o país precisava qualificar mão-de-obra que atendesse
à indústria, principal referencial de desenvolvimento de um mundo capitalista
ao extremo, do lado azul da Guerra Fria, e socialista, comunista, do lado
vermelho. Principalmente a população adulta cristalizou essa fala.
Crescemos ouvindo os mais velhos
sustentando o discurso de que a região de Assis não vai pra frente porque aqui
não tem indústrias. Tal retórica advém de um tempo em que a indústria
metalúrgica empregava uma cidade inteira como São Bernardo do Campo, no setor
automotivo. O discurso não mudou, mas a indústria, sim. Fábricas que antes
empregavam milhares, hoje têm quadros de centenas de funcionários. Com a
automação trazida pela tecnologia, há fábricas que trocaram os milhares por
dezenas de trabalhadores. Se uma máquina colhe cana-de-açúcar, 24 horas por
dia, substituindo o serviço de 30 boias-frias por jornada de 8 horas, o mesmo
maquinário substitui dezenas, centenas de homens e mulheres sob o comando de um
único funcionário, cuja folha de pagamento corresponde a menos de 5% do efetivo
substituído.
Pois é, os tempos mudaram. A
realidade, idem. Só o discurso é que não muda. Ainda há quem lamente que a não
vinda de indústrias pesadas sentencia Assis ao marasmo econômico; à falta de
prosperidade. Será mesmo? Eu, de minha parte, defendo que não é exatamente isso
o que ocorre. O que posso, aqui, é elencar circunstâncias que fundamentem meu
otimismo com a minha cidade, a minha região. Deixando claro, óbvio, que
reconheço haver muita, mas muita coisa errada não só em Assis, mas na região
como um todo, quando o assunto é diferenciar projetos de crescimento de
projetos de desenvolvimento.
Assis está vinculada à região
administrativa de Marília. Estamos atrás de Campinas, São José do Rio Preto,
Ribeirão Preto, Baixada Santista e da Grande São Paulo nas estatísticas
relacionadas à renda per capita. Mas, estamos à frente de Presidente Prudente.
Junto com Marília, sede de região, e Ourinhos, Assis compõe uma fatia que
corresponde a 40,7% do PIB de toda a região administrativa. Esses números, referentes a 2010 e pertencentes ao Seade, já foram melhores um dia: 45,3%,
em 2000. Nada, porém, relacionado a queda de qualidade de vida das três
principais cidades, mas, sim, provocado pela melhor distribuição do
desenvolvimento entre as demais localidades. Isso porque o PIB da região toda
continua correspondendo ao mesmo 1,4% do PIB do Estado.
Das três cidades citadas, Assis é
a que possui o menor PIB, também conhecido como produto interno bruto, ou seja,
a soma de todas as riquezas de uma determinada localidade. Atrás de Marília e
Ourinhos, temos riqueza de R$ 1,3 bilhões anuais. Em 2000 esse número
correspondia a menos da metade, ou seja, R$ 557 milhões. Marília, em 2010,
tinha PIB de R$ 3,9 bilhões e Ourinhos, R$ 1,7 bilhão. O fatiamento dessas
fontes geradoras de riquezas mostra, e bem, o perfil distinto das três
localidades que escolhi para citar como parâmetro. Vamos a essas fontes.
Três anos atrás o Seade
identificava que o PIB de Assis era dividido em três escalas, assim
distribuídas: R$ 2,3 milhões da agropecuária, 15,8 milhões da indústria e 81,9
milhões do setor de serviços. Marília, sede política da região administrativa,
gerava R$ 0,9 milhão com agropecuária, R$ 23,6 milhões com a indústria e R$ 75,5
milhões com o setor de serviços. Ourinhos, R$ 1,8 milhão com a agropecuária, R$
28,6 com a indústria e R$ 69,6 milhões com serviços.
O setor de serviços, pois,
corresponde à nossa maior fatia geradora de riquezas, seguido pela indústria e,
por último, pela agropecuária. Das três cidades, Assis é a que mais gera
riquezas a partir da atividade que vem da zona rural. Tudo bem, é o setor que
menos rende entre os três considerados, mas, ainda assim, não perdemos a nossa
característica de região com economia essencialmente agrícola. É o IBGE quem
mostra que há mais de dez anos invertemos o quadro de 50 anos atrás, de maneira
a deixar de ter 75% de população rural e passar a ter 25% dos habitantes
morando onde produzem alimentos da mesa diária de todos. Partindo desse parâmetro,
nossa agricultura de Assis está bem, pois aumentou seu PIB, em dez anos, de R$ 1,2
milhão para R$ 2,3 milhões. Proporcionalmente, nossos agricultores geram, em
riquezas, 20% do que a indústria produz na cidade.
Mais de 80% das riquezas que dão
combustível à economia de Assis advêm do setor de serviços. Ficamos, nesse
quesito, à frente de Marília e de Ourinhos. Aqui, R$ 81,9 milhões, ante R$ R$
75,5 milhões de Marília e R$ 69,6 milhões de Ourinhos. E que fenômeno é esse
chamado “serviços”? Trata-se de um movimento para o qual o Sebrae começou a
olhar com mais carinho a partir dos anos 1990. Um setor da economia que envolve
a geração formal e a geração informal de vagas no mercado de trabalho. Uma
fatia que ganhou identidade principalmente com a terceirização de atividades
que caracterizou a última década do século passado, quando o Brasil assumiu suas políticas estatais neoliberais..
É nesse segmento que entra o
Walmart. E é nesse cenário que encontra-se fundamento para a solidez da
economia de Assis perante a outros centros. Aqui, onde mais de 80% das riquezas
saem do setor de serviços, significa dizer que o índice de empregos é estável e
não depende diretamente de certezas e oscilações do mercado para determinar
seus altos e baixos. No geral, a região administrativa de Marília mostra o
setor de serviços como responsável por 36,5% do total gerador de empregos
formais na economia, ante 50,5% da média geral do Estado de São Paulo. Assis está fincada de forma sólida nesse parâmetro.
Dentro do setor de serviços o
comércio é o que mais gera empregos formais. Apropriando-se de números do
Ministério do Trabalho a Fundação Seade mostra que o topo do ranking das
profissões que mais geram vagas na região administrativa de Marília é
justamente a de vendedor do comércio varejista. Só em 2011 foram notificados 14.931
trabalhadores com registro em carteira ocupando esse tipo de função na região
administrativa. Setor de comércio, que pertence a serviços, que mostra Assis
como a cidade da região administrativa com economia estabilizada exatamente por
esse setor.
No discurso de que Assis carecia
de indústrias o mercado mudou, a economia mudou, o perfil dos profissionais
mudou, mas não a retórica. Enquanto lamentávamos que indústrias não vinham para
cá, perdíamos fôlego com a cervejaria Malta, assistíamos à extinção do parque
industrial da Nova América e nunca vimos um distrito industrial com ocupação
plena. Vimos, sim, a extinta rede Sé de supermercados ganhar corpo na avenida
Dom Antônio, onde depois seria centro de distribuição da Rede Avenida e, enfim,
a loja Avenida Max. Nesse ínterim, o Amigão chegou, e trouxe com ele novo
conceito de supermercados na cidade. Novo turno de funcionamento de lojas como
o Super Bom Supermercado exigiu contratação de novos funcionários. E o setor de serviços não parava de expandir.
Depois do Amigão chegaram São Judas
Tadeu, Americanas e, por último, Walmart. O mercado consumidor de Assis é tão
bom que até mesmo a pequena rede França, de Maracaí, cá veio com a loja
instalada na avenida Paschoal Santilli, no Jardim Paraná. Aí os mais
pessimistas vão sacramentar: mas, para que tantos supermercados se não tem
indústrias para gerar emprego e, assim, ter consumidores para tantas lojas?
Sim, essa retórica mostra que a cidade de Assis ainda não acordou para o sentido inverso da corrente que impulsiona a economia.
Hoje, é o setor de serviços que conduz as estatísticas, comportamento que advém do novo perfil da classe média brasileira como um todo.
Exatamente 10 anos atrás, em
2003, nosso maior supermercado era o Avenida Plus, na rua José Nogueira
Marmontel. Com ar climatizado, ganhava por um lado mas perdia por outro, pois não tinha logística para estacionamento,
submetendo clientes ao trânsito e ao clima. De lá para cá a cidade ganhou os
seguintes supermercados: Amigão, França, São Judas, Max, Americanas e Walmart.
Os grandes geraram, em média, 150 novos postos diretos de trabalho. Podemos,
então, falar em 700 novos empregos diretos criados. Consideremos que
metade disso, ou seja, 350 empregos, foram gerados de maneira indireta. Temos,
nesse patamar, mil famílias impactadas diretamente, em dez anos, pelo setor de
comércio supermercadista que ganhou combustão com a revolução ocorrida na economia nacional..
Vejamos, pois, que cada uma das
empresas citadas acima gera, hoje, muito mais empregos do que conseguiriam fazê-lo igualmente as indústrias de
pequeno porte. Não tenho essas estatísticas, mas imagino que todo o parque
industrial da cervejaria Malta funcione com o equivalente a 1/3 desse efetivo
de novas vagas criadas em Assis, pelo setor supermercadista, nos últimos dez
anos. Portanto, quem chora a ausência de indústrias deve, primeiro, agradecer
que existam empresas do setor de serviços que não deixam a economia local cair
e, assim, garantam nossa efetivação evolução estatística. A cidade sabe
criticar o predomínio da Rede Avenida de supermercados, mas, se números fossem
abertos, todos veríamos que não existem patrões que mais empregam, na
atualidade, do que aqueles que assinam os contracheques (sim, tudo bem, hoje os
pagamentos são feitos mediante crédito em conta bancária), ou seja, a família
Binato. Puxação de saco de minha parte? Não. Simples realidade. Quem tiver números que me desbanquem, que os apresente.
Os números relacionados à cidade
de Assis são deveras expressivos se observados a partir das estatísticas do
Seade. Em 2011 tínhamos os 95 mil habitantes que tanto desagradam aqueles que
querem porque querem que indústrias venham para a cidade. Caso seja mantida a
taxa de crescimento populacional de 1,61% ao ano, levaremos mais alguns 1ºs de
julho para a tão esperada comemoração de virada dos 100 mil habitantes. Muitos
batem no peito clamando por 100 mil habitantes e não se dão conta de que Assis
é, hoje, uma cidade mais feminina, rompendo o histórico predomínio masculino do perfil de sua população. Sim, o Seade mostra que em 2011 tínhamos 49
mil mulheres, ante 46 mil homens assisenses. Três mil mulheres a mais no território e o
povo discutindo se o todo tem mais ou menos de uma centena de milhar. Tal qual nas grandes guerras do século passado, as mulheres saíram dos lares e para as casas levaram mais renda e menos filhos. Nossa de de saúde pode, e deve, ser criticada, mas um fator há de ser respeitado: as políticas públicas de educação para a saúde, em Assis, são dignas de elogio. De três filhos por família a média baixou, segundo o Seade, para dois ou menos. Crescemos, pois, com a necessária qualidade que nos torna trilhadores do desenvolvimento, uma vez que sob o controle demográfico a rede municipal de ensino básico, infantil, atende melhor à demanda, gerando um efeito cascata de benefícios que refletirá, a médio prazo, nos ensinos fundamental e médio.
Tudo bem, se for levado em conta esse patamar da melhor distribuição de qualidade de vida da população de Assis ver-se-á que há tempo de sobra para
discutir esses assuntos relacionados à economia local. Afinal, a longevidade de
um assisense é, hoje, de 73,9 anos, o que de minha parte garante que tenho pelo menos mais três décadas de combustível para discutir a minha cidade. O predomínio populacional de Assis é de
pessoas com idade entre 25 e 59 anos. Até 14 anos são, atualmente, 19,1% do
total. A faixa mais velha, a partir de 60 anos de idade, corresponde a 14,1% da
população. Logo, do total de 100 mil pessoas pretendido para a cidade, 14 mil
podem cristalizar o discurso nacional-desenvolvimentista de, ainda, dependermos
de parques industriais para atingir um nível de desenvolvimento que cidade com
esse perfil não atingem.
*Professor universitário,
historiador e jornalista, é mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.
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