27 MAIO 2013
Cláudio Messias*
Nesse sábado, dia 25, o Centro
Educacional Sesi, unidade de Assis, promoveu a sua Feira de Ciências. Logo
cedinho, dezenas de pais acompanhavam os respectivos filhos>alunos na
solenidade de abertura. Com o brilho da apresentação do casal Rosana Mello e
Bauer, que muito mais do que cantar deu uma verdadeira aula sobre o reuso de
materiais recicláveis, a festa foi completa e passou do meio-dia.
Uma cena, contudo, chamou
atenção. Estava, lá, o prefeito Ricardo Pinheiro. Ou, como o vi afirmar em
outra ocasião de evento no final de semana, lá estava o cidadão Ricardo
Pinheiro, pois a formalidade do chefe do executivo havia sido deixada no Paço
Municipal às 17h00 da sexta-feira. À paisana, sem o traje que exige sapato,
calça social, paletó e gravata, a representação do prefeito lá prestigiou o
evento do Sesi.
Chego, então, à cena que chamou
atenção, nada relacionada a qualquer tipo de importância na presença, ali, do
prefeito. Uma mulher aproxima-se de Pinheiro e, em tom de voz acima do que
todos da roda de conversa praticavam, pede desculpas, licença, e vocifera sobre
a situação das adjacências daquela unidade escolar. Repetia, pois, o que a
diretora da escola, Edna Romero, já havia ressaltado ao microfone. Ambas
referiam-se ao ecoponto situado ao lado do Sesi e que, indevidamente usado pela
própria comunidade, gera transtornos principalmente nas estações
outono/inverno, quando o ar, seco, é sobrecarregado pela fumaça de queima do
lixo.
Não vou entrar no detalhe quanto
à maneira abrupta com que aquela mulher invadiu a roda de conversa e fez
cobrança – justa, por sinal – sobre as imediações da escola Sesi. Prefiro
defender que toda cobrança, seja qual for a causa, tem de ser feita obedecendo a
um mínimo de civilidade. Ainda mais quando as partes envolvidas encontram-se,
naquele exato momento, em um ambiente de ensino/aprendizagem e, o que é mais
importante, sob os olhares de aprendizes formais e informais.
O eixo de minha crítica está no
sentido do que é cobrado. Cobrar providências para que o ecoponto funcione
adequadamente é justo. No entanto, atribuir ao Poder Público a responsabilidade
sobre o uso indevido daquelas imediações é dar tiro no próprio pé. Não, não
estou dizendo que aquela mulher é quem joga lixo orgânico no ecoponto e atira
fogo. O que quero dizer é que ela, eu e você, raro e exceto leitor, fazemos
parte da mesma comunidade que usa, bem ou mal, aquele ecoponto.
O espaço de um ecoponto deve
servir para que a população ali despeje resíduos sólidos, principalmente de materiais
de construções. Tudo bem, também são admitidos sofás velhos, cadeiras de
plástico ou de ferro e até mesmo eletrodomésticos, mesmo não sendo esse o objetivo.
Convido um a um dos senhores, raros e excetos leitores, a ir ao local e vir se
é esse o tipo de material que várias vezes, a cada hora do dia, nós, da
comunidade, ali despejamos. De cachorro e gato mortos a sacos de lixo comum, de
tudo há um pouco. Caso vocês tenham um pouco mais de tempo, compareçam por lá,
no ecoponto, depois das 17h00. Respirem o ar, sintam o odor e carreguem de
razão o esbravejar daquela senhora que fez cobrança ao prefeito de quase 15 mil
votos.
Estamos acostumados a cobrar,
vociferar, porém não exercemos a cidadania plena de ao menos esboçar o início
de uma cultura que dê destino correto a tudo aquilo que produzimos de mais
podre, ou seja, o nosso lixo. Nossas lixeiras dos banheiros têm tampas para que
membros da família ou visitantes não sejam submetidos ao constrangimento de compartilhar,
visualmente, da etapa final de nosso processo alimentar. As mesmas mães e pais
que colocam escovinha e desinfetante no banheiro e educam os filhos a não
deixar vestígios no vaso sanitário, acomodam o lixo de qualquer forma, sem a
devida separação, e dão as costas à forma com que essa parte de seus próprios
corpos chegará ao destino final.
Minutos depois do vociferar ao
prefeito a Feira de Ciências do Sesi continuou. E lá estavam alunos e os pais,
não exatamente nessa proporção, pois, infelizmente, nem todos os pais
sacrificam a fria manhã de um sábado de outono para prestigiar o que seus
filhos, a representação de uma sociedade melhor, mais justa, mais digna, fazem
durante 200 dias letivos a cada valioso ano de vida. Para confortar os
estômagos havia salgado, refrigerante e bombom, vendidos a preços abaixo do que
é praticado pelo mercado justamente pelo fato de o Sesi conseguir doações da
indústria, do comércio, enfim, da sociedade civil.
Estamos falando, já há alguns
parágrafos, sobre lixo, também conhecido como produto final da alimentação
humana. E se aquelas pessoas ali presentes, no Sesi, comeram salgados, bombons
e tomaram refrigerantes, teve lixo. É de se esperar, portanto, que dentro de
uma escola que diariamente sofre com a fumaça de lixo queimado irregularmente
em suas imediações, depois de um discurso da diretora lamentando tal episódio,
que não houvesse lixo jogado indevidamente pelo chão, em cima de bancos, enfim,
fora das lixeiras. Ainda mais em se tratando de visitantes que, pais de alunos,
sacrificaram a manhã geladinha de sábado, saíram da cama e foram prestigiar os
filhos. Entre esperar isso e ter isso como resultado, porém, há uma diferença considerável.
Havia lixo espalhado pelo pátio do Sesi após o evento.
Eu lá estava com a esposa e os
dois filhos. Não somos melhores do que ninguém e, confesso, repetimos muitos
dos erros coletivos, produzimos equívocos e reconhecemos que temos muito a melhorar
em se tratando de assuntos relacionados à cidadania. Mas, em um momento
isolado, estava sentado em um banco, repousando minha coluna cervical – a escoliose
assim exige. Um grupo estava à esquerda, no mesmo banco, dividindo espaço com
latinha de alumínio, sacos de papel e embalagens de bombom ali deixados
anteriormente. Um rapaz, que aparenta ser pai de aluno, depois de comer o
bombom jogou a embalagem no chão. Olhei e não quis acreditar naquilo, pois já
estava indignado com a quantidade de lixo que aqueles adultos haviam produzido
em questão de horas.
O vento lançou a embalagem de
bombom a pouco mais de um metro de nós. E eis que surge um garotinho que, com
dois copinhos contendo mudas de planta distribuídas gratuitamente em uma das
seções da Feira de Ciências, vem falando sozinho, para em frente à embalagem
que estava no chão e, fazendo malabarismos que uma criança de aparentes 8/9
anos de idade costuma lançar em situações assim, tenta colocar o terceiro
objeto nas duas mãos já ocupadas. A persistência do garotinho faz o grupo de
adultos pertencente ao responsável pela sujeira parar a conversa e observar a
cena. Foi bom, pois o menino, depois de conseguir pegar a embalagem de bombom
já transformada em lixo, continuou falando sozinho e soltou essa: “esses adultos
são todos porcos mesmo!”.
Recado direto e certo, pois o
porcão do adulto que jogou a embalagem não só ouviu o garotinho defini-lo
enquanto consumidor sem consciência como o viu colocar a embalagem na lixeira
que estava ali, a menos de dois metros de suas mãos. As crianças e os jovens,
portanto, estão muito mais preparados e abertos à educação ambiental,
sustentável, do que os adultos. A mesma categoria adulta que vê-se no direito
de abordar um prefeito e cobrar providências sobre o que, em partes, ela própria,
a comunidade em sua representação mais legítima, tem o dever de salvaguardar.
A Câmara Municipal de Assis está
sendo palco, atualmente, de discussões relacionadas ao que deverá ser feito com
o dinheiro público do município no ano que vem. É hora de cobrar investimentos,
propor soluções ao que se considera como problema. Como visto, o destino final
ao que produzimos em forma de lixo, ponto derradeiro de nosso consumo orgânico,
é um problema. Ecopontos e terrenos balidos continuam potenciais pontos de
procriação do mosquito aedes aegypti, nome bonito dado ao pernilongo que
transmite a dengue, cujos sintomas, bem sei, não são nada bonitos. E cadê o
vociferar nessa hora? Fácil, sim, é enfiar o dedo na cara de um prefeito, de um
vereador, e cobrar soluções, ainda mais coletivamente, no meio de outros
adultos eleitores. Difícil, mesmo, é fazer direitinho o dever de casa, destinar
o lixo de forma adequada e comparecer às audiências públicas que determinam os
caminhos pelos quais o dinheiro público passará para atender às necessidades
coletivas.
Trinta anos atrás jogávamos o
nosso lixo doméstico em latas de 20 litros. Cada casa tinha uma, duas e até
três latas dessas. O caminhão do lixo passava, os lixeiros pegavam essas latas,
as despejavam e as devolviam na frente de cada residência. Sabia-se que o caminhão
de lixo estava chegando pelo odor exalado, e não necessariamente pelo barulho
característico, hoje, do processamento dos resíduos sólidos feito por esse tipo
de veículo. Uma lata que vacilasse na calçada era tombada por cachorros e,
então, tchau coleta. Os lixeiros passavam em maratona pelas calçadas e não
pegavam, mesmo, lixo espalhado fora da lata. Cachorro de rua, logo, era
vira-latas.
De duas décadas e meia para cá a
lata foi substituída pelos sacos plásticos. A logística da coleta também mudou.
Um coletor de lixo passa, antes, recolhendo os sacos plásticos colocados em
frente às residências. Junta-os e amontoa nas esquinas. Assim, quando os
caminhões passam, não precisam transitar rua por rua, mas, sim, a cada
cruzamento, recolhendo o que está acumulado. Esse sistema dá mais dinamismo à
coleta, que em Assis é feita aos finais de tarde e inícios de manhã, dependendo
do setor. Esse método é melhor se comparado ao anterior? Não, segundo a mulher
que vociferou ao prefeito, sábado passado, na escola Sesi.
Segundo aquela senhora, Ricardo
Pinheiro deveria observar o que é feito em Curitiba e tomar como exemplo. Não
sei, contudo, qual Curitiba ela conhece. A Curitiba que frequento é tão falha
quanto Assis e qualquer outra cidade brasileira onde predomina a cultura de não
se dar o destino correto ao lixo, seja ele doméstico, industrial ou comercial. Dois
meses atrás, quando lá estive para compromissos em uma segunda-feira logo pela
manhã, deparei com uma capital paranaense dominada, no centro, por lixo
espalhado pelas calçadas já em plena noite de domingo. Em circunstâncias como a
dessa minha última viagem, vou de carro, porém transito por Curitiba utilizando
o transporte público que, por sinal, funciona muito bem. No caminho entre o
hotel e o ponto de ônibus, lixo por todos os lados e visivelmente sem tipo
algum de separação entre o que é reciclável, solido, e o que é orgânico.
O lixo acomodado em sacos
plásticos e colocado nas esquinas de Assis ou nas ruas de Curitiba não
representa problema algum. Se ficam, ali, minutos ou mais de uma hora,
igualmente sem problemas. O problema continua sendo o mesmo que fazia cães
tombarem latas: a presença de lixo orgânico. Para esse tipo de lixo a embalagem
plástica não pode, obviamente, ser a sacolinha de supermercados que deveríamos,
por conta própria, à margem da legislação, ter extinguido do uso há mais de
ano. Nem mesmo o saco plástico comprado aleatoriamente nos mesmos supermercados
pode ser usado. Tem de haver uma espessura suficiente de plástico que impeça o
vazamento do chorume, que é aquele líquido resultante da decomposição dos
materiais orgânicos. É essa espessura que impedirá a ação de dois tipos de ser:
cães e fuçadores humanos.
Claramente, o que incomoda aquela
senhora, que vociferou ao prefeito, é a cena de sacos e mais sacos acumulados
nas esquinas. Estive em Lisboa e Paris, recentemente, e por lá vi os mesmos
sacos, talvez mais espessos, com o lixo aguardando para ser levado em
caminhões. Com a diferença de que, lá, o lixeiro passa de casa em casa. E,
convenhamos, algumas casas europeias são generosas no volume de lixo doméstico
e/ou comercial produzido. Vi casas com tamanha produção de lixo que muitas
esquinas de Assis ficariam bem atrás no comparativo quantitativo. Há, sim,
disciplina quanto a horário em que se colocam, na calçada, os sacos com lixo,
situação passível de pesadas multas em euro.
O que precisa ser mudado, enfim,
é o nosso modo de encarar a destinação final daquilo que não nos serve mais.
Quando cachorro virava latas de lixo custávamos a acreditar nas histórias de
que no Japão ou nos Estados Unidos podiam ser encontrados aparelhos de TV nas
lixeiras. Hoje, nossos coletores de materiais recicláveis andam com os carrinhos
contendo de máquina de lavar roupa a computador, tudo funcionando, comprovando
que, sim, a nossa classe média teve o poder aquisitivo aumentado na última década.
Aprendemos a jogar fora o que não nos serve, porém carecemos de educação sobre
o método de descartar. Não raro, vemos de sofás e até geladeiras, pasmem, em
margens de rodovias.
Sabemos reclamar e continuamos
sem saber o que fazer com o resto de comida que cachorros e gatos, habituados à
ração que compramos, não comem para serem poupados de doenças contemporâneas
como os diversos tipos de câncer provocados por gordura e óleo que consumimos.
Os mesmos cães que, hoje trancados nos quintais como forma de segurança para
nossos lares, não saem às calçadas nem para fuçar no lixo que tão mal
despejamos. E, que coisa!, o cão evoluiu do vira-latas, ao rasga-sacos e,
agora, ao comedor de ração. Já nós... continuamos os mesmos irresponsáveis produtores de lixo orgânico. E ainda por cima, reclamões sem causa palpável.
*Professor universitário,
historiador e jornalista, é mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.
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