terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Não ter desfile não significa não ter carnaval


05 Fevereiro 2013


Cláudio Messias*

Prefeito e representantes das escolas de samba de Assis se reuniram, vi na imprensa quase um mês atrás, e chegaram a um consenso de que a verba destinada ao Carnaval da cidade seria, em 2013, utilizada para outras finalidades. Ambas as partes titubearam, óbvio, diante da deselegante situação de destinar verba para a folia em um momento em que a Prefeitura devia salários aos servidores públicos municipais.

Completamos um mês da administração de Ricardo Pinheiro. Logo nos primeiros dias de trabalho o prefeito eleito com menos de 15 mil votos mexeu no Carnaval. Fosse Ezio Spera, exatamente um ano atrás, e a oposição o teria apedrejado. Claro, resultado de um capital político que sai do marasmo que caracterizou o segundo mandato do ‘democrata’. Mas, confesso, vejo modos diferentes de encarar a mesma falta de investimento na folia.

Anuncia-se o Carnaval, em Assis, como sendo resumido a desfiles de escolas de samba pela avenida Rui Barbosa. Culpa, em parte considerável, da televisão, que cobre somente os desfiles de São Paulo e Rio de Janeiro, focando o mercado consumidor ali concentrado. Mas, lembremos, estamos no Vale do Paranapanema, a segunda região economicamente mais pobre do Estado, pagando o preço de distanciamento da capital que afugenta investimentos para produção industrial primária, ou seja, o desenvolvimento. E, aqui, desfile de rua tem outra característica, pois a manifestação cultural é diferente se comparada à hegemônica fórmula das escolas de samba paulistanas e cariocas, moldadas pela Rede Globo.

Na minha juventude pulei carnaval no Recreativo e no Gema. Curtia, sim, ver o desfile na Rui Barbosa, sábado à noite. Mas, de lá seguia para os salões, ou na condição de folião, ou trabalhando para emissoras de rádio. A cidade tinha vários blocos de foliões, que concorriam em irreverência e criatividade. E os enfeites dos salões eram guardados, em temática, a sete chaves. Víamos abadás que identificavam os grupos e raramente avistávamos brigas. Pelo contrário, se houvesse discussão o que mais aparecia era gente para apartar.

Recordo-me das cenas em que a quadra do Gema era transformada em uma roda gigante. As marchinhas davam o tom para que uma multidão girasse em torno do centro da quadra. Quem cansava subia até as arquibancadas e lá se refrescava, repunha as energias, interagia e depois retornava. Em suma, pobres e ricos podiam pular o Carnaval, com a opção de, ao raiar do sol, repor as calorias comendo as tradicionais canjas servidas por restaurantes como a Cantina do Alemão, ao lado do hotel Santa Rosa, e Dona Chica.

Desde que foi criada pelo ex-prefeito José Santilli Sobrinho a Fundação Assisense de Cultura assumiu a gestão do Carnaval em Assis. Coincidência ou não, o fim gradativo das folias de salão aconteceu a partir disso. Lembro-me que o argumento para encerrar os bailes do Gema era relacionada ao excesso de brigas, com, inclusive, registro de tentativas de homicídio. No Recreativo a história certamente é outra, pois, privado, o clube não depende e nem pode receber recursos públicos para esse tipo de finalidade.

Foi da FAC, contudo, uma das iniciativas que ainda hoje me traz as melhores lembranças de envolvimento das multidões assisenses no ato de pular o Carnaval. Era início dos anos 1990 e, se não me falha a memória, o tema era “Carnaval Prapular”, resumindo-se a um trio elétrico que percorria as ruas da cidade e levava a marchinha, tocada ao vivo por uma banda, consigo. Ninguém precisava comprar fantasia, pagar por abadá, nem mesmo arrumar-se para sair de casa. Bastava seguir o trio elétrico. Acompanhei o trio elétrico por duas vezes e testemunhei uma multidão de crianças e jovens correndo, pulando, dançando, enfim, alegres, atrás do caminhão de som.

Hoje os bailes de salão continuam nas mãos da iniciativa privada. Apesar de a cidade ter dois ginásios de esportes e muitas quadras cobertas os bailes populares inexistem. As próprias escolas de samba que desfilam na Rui Barbosa não fazem os próprios bailes nas cinco noites de folia. Daí, então, a sensação de que se não houver desfile automaticamente não haverá Carnaval na cidade.

Escolas de samba como a Vila Operária não dependem há anos da verba da Prefeitura para descer a avenida. Mesmo em anos em que o desfalque dos cofres públicos impediu o repasse da verba de apoio houve o evento.  Trata-se da comprovação de que a vontade de foliar é grande e precisa ser reconhecida e valorizada. De rifa de motocicleta a feijoadas mensais, tudo vale em nome da vontade de expressar a voz da comunidade.

Se o argumento é que os bailes populares, bem como as concentrações de público originadas pela festa do Carnaval, provocam confusões, que me desculpem as autoridades. Tenho visto, cada vez mais, locais onde prevalece a presença da elite e incide a auto-violência. Afinal, tem rico pegando a chave de carro zero de colega rico no cabideiro da academia e repassando Mato Grosso adentro. E aqui fora tem filhinho de rico, tachado de playboy, andando em bando e agredindo gente pobre na rua.

Durante minha passagem pela imprensa de Marília cobri o Carnaval em algumas ocasiões. Lá existe o grupo chamado O Circo, que há décadas mantém a tradição de pular a folia uma semana antes do fim de semana do Carnaval. São empresários, empregados, donas de casa, enfim, a população em geral, que desce pelo centro da cidade – geralmente a Rua São Luiz, maior corredor comercial de Marília – no sábado que crava dez dias antes do Carnaval.

Iniciativas como essa são um verdadeiro chamariz para a festa da folia. E olha que Marília tem desfile de rua todo ano, com disputa acirrada entre pelo menos três agremiações. Nem por isso, contudo, os bailes de salão acabaram por lá. Pelo contrário, até a comunidade japonesa já aderiu à festa, sobrando opções para quem quer mais ou menos agito.

Daqui a dois dias não se falará em outra coisa que não seja Carnaval. Em Assis, até o momento, não ouvi nas emissoras de rádio nem li na mídia impressa/online nada referente à programação dos cinco dias de folia na cidade. Sei, apenas, que dois clubes da cidade farão seus bailes fechados. A sensação que tenho é que se não tem desfile patrocinado pela Prefeitura não tem carnaval na cidade.

Na prática, pois, Carnaval em Assis está deixando de existir há muito tempo. Tenho amigos proprietários de agências de viagens e o comentário é um só: a cada ano, mais e mais pacotes de viagens são vendidos, na cidade, para este derradeiro período de festas antes do início do ano formal. Os destinos são as praias do Nordeste, onde é Carnaval desde o início de janeiro e assim será até a Semana Santa. Se não há festa aqui, procura-se em outro lugar.

* Professor universitário, historiador e jornalista, é mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.

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