23 Fevereiro 2013
Cláudio Messias*
Uma mega operação que envolveu as polícias civil e
militar e a Justiça nas esferas estadual e federal resultou na prisão de 32 pessoas
em Assis nessa sexta-feira,22/02. As investigações começaram há dez meses e
canalizaram para um foco: a chegada, à cidade, de entorpecentes vindos a partir
da divisa com estados como Paraná e Mato Grosso do Sul. São, ao todo, 44
mandados de prisão. Dos 32 presos, 6 são
mulheres. Eles permanecerão na cadeia durante pelo menos 30 dias, tempo
necessário para o fechamento do inquérito policial.
Leia atentamente o parágrafo acima, raro e exceto leitor.
Aqui no editor de textos Word 2010, em fonte arial, tamanho 12, margens superior
e inferior de 2,5 cm e esquerda e direita de 3 cm, são 7 linhas e meia de
texto. Trata-se, no hipertexto, de um enunciado suficiente para atender à cada
vez mais apressada expectativa de leitura de portadores de tablets, smartphones
ou mesmo notebooks e desktops. É o suficiente? Talvez, sim. É o ideal? Com
certeza, não.
Desafio você, meu solitário companheiro de acessos a esse
recanto de elucubrações, a visitar as páginas, sejam elas impressas ou
virtuais, de todos os veículos de comunicação de Assis. Há, claro, registro
desse evento que mobilizou todo o efetivo da polícia civil na cidade, com
direito à vinda de reforço da região e até de outras comarcas. Junte tudo o que
ler e compare com o primeiro parágrafo logo ali acima. Pouca coisa vai mudar na
informação, dependendo do tipo de interesse que cada um tem por determinado
acontecimento.
Em Campina Grande, na Paraíba, em junho de 2010, conheci
uma menina, na periferia, que não ia à escola porque não tinha registro de
nascimento. Sandra Perpétua tinha Perpétua no nome porque a mãe tinha esse
sobrenome. Aos então 9 anos de idade, vendia castanha de caju na feira
permanente de Campina Grande. Linda, com grandes olhos verdes, ela fazia
carinha de tristeza quando me respondia que sim, queria e sonhava ir para a
escola. Por quê? Porque ela sabia que, por não ter nome, não podia ser
matriculada. Segundo a menina, a mãe não a registrava para que pudesse tê-la na
rua, trabalhando e ajudando a levar sustento para a casa, uma vez que
formalmente documentada a família seria responsabilizada pela ausência da menor
nos bancos escolares.
Sem-nome é a condição dada, nos arredores de Campina, a
quem não tem registro. Verifiquei, nos cinco dias que fiquei naquela cidade
paraibana, que são poucos os casos de crianças nessas condições, situação
gradativamente revertida com a isenção de pagamento das taxas cartorárias, dez anos atrás,
pelo governo federal. Em Assis, em um só dia, a imprensa criou 32 sem-nomes.
Pessoas que segundo a polícia estavam em nosso meio e davam um jeito de colocar
drogas e estilhaçar a vida de muitas famílias, que choraram filhos, pais e avós
viciados na desgraça entorpecida.
Um pretexto para justificar a não divulgação dos 32 nomes
envolvidos nas prisões é que, assim como adotam grandes jornais, como a Folha
de S. Paulo, em mega operações como a de ontem fica impossível ouvir a versão
dos acusados, uma vez que há blindagem total de acesso. Tudo bem, vamos
relembrar alguns casos de repercussão nacional: a Polícia Federal invadiu o
escritório do presidente da Federação Paulista de Futebol, Marco Pólo Del Nero,
atrás de computadores que o ligavam a uma complexa rede criminosa, e meia hora
depois ou, ainda, nas versões impressas do dia seguinte lá estavam o nome e a
foto do acusado. O filho do empresário Eike Batista, Thor, atropelou e matou um
ciclista, no Rio de Janeiro, e igualmente a cobertura foi completa. Em ambos os
casos as versões oficiais dos acusados só vieram bastante tempo depois.
Citei esses tipos de caso, cobertos pela Folha,
propositadamente. Tem sido prática comum, aqui em Assis, divulgar não só
notícias envolvendo sem-nomes, mas, também, não se divulgar determinadas notícias.
Ignora-se que a divulgação da versão dos acusados é uma tarefa da comunicação
social, uma vez que muito mais do que se defender, os interlocutores de
determinados fatos prestam contas, à sociedade, sobre seus atos. Se Marco Polo
Del Nero teve o nome divulgado, o mesmo não aconteceu, aqui, quando saiu o mandado
de prisão do empresário Joaquim Carvalho Mota. Na época, o lava-mãos foi tão
vergonhoso e escandaloso que teve jornal e site de notícias da cidade
reproduzindo reportagem de O Globo, como que se eximindo da indelicadeza de dar
nomes aos bois. Pior, teve esposa de mega empresário da cidade atropelando e
matando ciclista na Vila Progresso, sem que isso chegasse às páginas impressas
ou virtuais do noticiário policial local. Mas, fique tranqüilo. Registrar que
um pai ou uma mãe foram presos sob flagrante de apropriação não paga de
mercadorias em estabelecimentos comerciais, isso, além de normal, é
corriqueiro, pois atende aos interesses de quem paga.
Conheço, claro, algumas das pessoas que foram presas
ontem. Em alguns casos, me surpreendi com o envolvimento. Em outros, nem tanto.
Que é constrangedor, para os envolvidos, estarem, neste momento, dividindo
frias celas prisionais, isso com certeza é. Infelizmente para eles, felizmente
para a sociedade assisense como um todo. Os inocentes ganham, daqui por diante,
a chance de provar essas condições mediante contratação de advogados que, é
sabido, estão todos ouriçados desde os primeiros cumprimentos dos mandados de prisão.
Advogados que, por sinal, não foram ouvidos nem citados pelos jornalistas que
cobriram o evento.
E é a essa sociedade assisense como um todo que a
comunicação social deve servir. A partir do momento em que se propõe a ser jornalista,
o cidadão sabe que a base de seus enunciados transformados em textos escritos
ou falas precisa atender a seis aspirações básicas daqueles que lerão, ouvirão
ou assistirão aos conteúdos: o quê, quem, quando, onde, como e por quê? O
segundo elemento dessa ordem, que transformada em texto também é chamada de lead, é desmembrado em sujeitos. No caso
da operação policial de ontem, o primeiro “quem” é a polícia, é a Justiça, ou
seja, quem prendeu. O segundo “quem” são os 32 sem-nomes, acusados de envolvimento
com o tráfico. Ou seja, sem esses nomes ou mesmo as iniciais com as respectivas
idades, ter divulgado ou não o ocorrido não tem o mínimo sentido.
Muitos dirão que citar os 32 nomes é sacramentar a
condição da imprensa como indústria do espetáculo, como conceituou Guy Debord.
Sim, óbvio, somos a sociedade do espetáculo. Quem não concorda com esses
parâmetros corre sério risco de, não entendendo as aspirações de consumo da
audiência, ser superado por quem assim reflete criticamente. Não por acaso, tradicionais
grupos de comunicação, que imperaram e amedrontaram durante décadas na região,
hoje amargam péssimos critérios de controle de qualidade estética e editorial,
com insuficiência até mesmo para honrar com pagamento de salários. Pensa-se na
audiência tradicional/analógica, ignora-se a realidade da audiência digital/inovadora.
E todos nós, velhos ou novos, já somos digitais o suficiente para cobrar a inovação que nos traga a identidade daquilo e daqueles que são
transformados em notícia.
* Professor universitário, historiador e jornalista, é
mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.
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