terça-feira, 8 de setembro de 2015

RECESSÃO - O contraditório na anunciada crise da Prefeitura de Assis

Cláudio Messias*

A necessária harmonia entre os poderes formalmente constituídos pelas políticas públicas é ora uma utopia, ora uma alienação. Em se tratando de relação entre Executivo e Legislativo a instabilidade é fator de marca ainda mais premente nesse cenário. Nem sempre um prefeito termina um mandato com o mesmo apoio proporcionalmente negociado no início, numa Câmara.

Nessa primeira semana de Setembro a cidade de Assis tem a notícia de que o prefeito dos 15 mil votos foi à Câmara anunciar que precisará do apoio do Legislativo para terminar aqueles que parecem ser os melancólicos 16 meses finais de sua despedida da Prefeitura. Pode não ser a pior crise político-financeira da histórica da Sucupira do Vale, mas há algo de inédito nessa iniciativa de tornar público o caos utilizando o espaço popular que tem a incumbência exatamente de fiscalizar o dito Poder Executivo.

Difícil, em Assis, saber a realidade que sai de gabinetes, secretarias e departamentos públicos ligados à Prefeitura, uma vez que o tal Poder Legislativo rateia verbas entre sedentos veículos de comunicação e, assim, o que se lê, ouve e assiste, em se tratando de mídia, na cidade, jamais corresponde ao que se pode chamar de algo próximo da realidade, o que não significa dizer que a imprensa local mente. Eis a mídia corporativa municipal. E é tanta pintura de que a cidade está bem e que a gestão é das melhores que, agora, fica difícil convencer aqueles, ludibriados pela mídia comprada, de que algo realmente sério esteja ocorrendo e precise-se do apoio de cada dito munícipe.

A tônica do discurso de Ricardo Pinheiro na primeira segunda-feira do mês era de que o Poder Executivo, agora, precisa do Poder Legislativo para sair da crise. No site JSOL, editado pelo vereador Reinaldo Nunes, o Português do PT, consta que o prefeito dos 15 mil votos não citou números da crise que estaria assolando os cofres da Prefeitura e que poderiam tornar seus últimos 16 meses de governo mais apáticos do que já foram os até aqui dois anos e oito meses de questionável gestão do dinheiro público. Prevalece dúvida sobre a honra de governante e súditos? Não totalmente. Mas, há algo de contraditório nisso tudo.

E já que Pinheiro falou em dificuldade de lidar com o dinheiro público, inevitável recordar daquele janeiro de 2013. Foi quando o então prefeito eleito chamou a mídia corporativa municipal para anunciar algo que está fazendo exatamente agora. Ou melhor, refazendo. Negociar com fornecedores à base da retórica do "devo, não nego; pago quando puder". Só que no primeiro mês de seu trágico governo havia uma desculpa: a gestão acabara de ser repassada por um antecessor que sequer apareceu para repassar o bastão ou a chave do cofre. Agora, passados dois anos e meio, se a situação continua igual ou pior, é porque a Prefeitura de Assis está nas mãos de pessoas erradas ou, mais grave, incapacitadas para a função de fazer o Poder Público Municipal oferecer para a população de 100 mil habitantes aquilo que as riquezas locais geram de receitas em forma de tributos.

O prefeito dos 15 mil votos parece não gostar de revelar números. Naquele janeiro de 2013 ele usou microfones e páginas impressas da mídia corporativa municipal para lamentar a situação em que encontrou as finanças da Prefeitura, mas, até hoje prevalece uma dúvida sobre o tamanho do rombo em que se encontravam os cofres do município naquele início de gestão. Não é exclusividade sua, pois Bolfarini não delatou Santilli, que por sua vez não delatou Bolfarini, que depois não delataria Santilli, que também não delatou Bolfarini, posteriormente não delatado por Nóbile, igualmente não delatado por Spera. Nessa ordem sucessiva, não seria Pinheiro o delator de Spera. Nós, que colocamos essas peças no Paço e geramos os impostos que sustentam toda essa parafernália, é que não sabemos, mandato após mandato, o tamanho do buraco em que se encontram as contas da Prefeitura. Demoramos, por demais, a entender que eleger prefeito em Assis tem representado assinar cheque em branco a desconhecido dono de boas conversa, aparência e gogó.

Agora, faltando exatamente um ano para que a fogueira das eleições municipais que decidirão o próximo prefeito de Assis pegue definitivamente fogo, Ricardo Pinheiro novamente declara uma crise que aparentemente não tem números. Mas, para um chefe do Executivo ir ao espaço do Legislativo chorar crise, é porque realmente deve haver algo de errado em um fator básico na economia em geral, seja ela doméstica, empresarial ou pública: o dinheiro que está entrando não está sendo suficiente para cobrir aquilo em que se está gastando. Em resumo, a equipe capitaneada por Pinheiro está gastando mais do que arrecada. Fosse numa empresa com CNPJ e a demissão seria passível de justa causa. Nas aulas de matemática, zero, com direito a recuperação.

Que o país passa por uma crise semelhante à que outras nações, inclusive do bloco da zona do Euro, atravessam, disso todos sabemos. A produção industrial caiu, fecharemos o ano com PIB negativo, o desemprego voltou a aumentar e os governos federal e estadual fecharam as torneiras dos repasses de verbas complementares. Esses fatores podem parecer suficientes para justificar uma crise como a que Assis estaria atravessando, conforme discurso de Pinheiro. Mas, não é bem Assis. Não somos pólo industrial de nada, nosso índice de desemprego não corresponde à média nacional e nossas verbas recebidas dos governos federal e estadual são condizentes ao que produzimos em impostos. Afora isso, a essência da nossa economia interiorzona capira, com muito orgulho, é o bendito e abençoado A-GRO-NE-GÓ-CIO. Somos uma região essencialmente agrícola, ou seja, pertencemos ao setor da economia que, na contra-mão da tragédia histórica assinada pelo PT para o país nesses últimos 'treze' anos, está produzindo, empregando, exportando e ajudando a impedir que o país afunde ainda mais na lama que a incompetência, agregada à corrupção, construiu.

São os dois últimos fatores apontados como razão para o caos local que fazem o blogueiro tentar entender a crise que estaria assolando a Prefeitura de Assis. Verbas federais e verbas estaduais. E que essas verbas não sejam entendidas como donativos que dependam da boa vontade da presidente Dilma ou do governador Alckmin. Pinheiro, portanto, tem, mensalmente, uma fatia considerável dos recursos de seu Orçamento advinda fixamente sob o amparo legal. Chova ou faça sol, esses repasses caem nas finanças da Prefeitura.

Difícil dizer o quão, proporcionalmente, os números que serão citados abaixo correspondam no bolo das finanças municipais de Assis. Pouco dinheiro não é, e para ter um parâmetro fiel, legal, necessário seria fazer, formalmente, solicitação, via protocolo, na Prefeitura, dos números pontuais das receitas geradas pelo município, o que demanda, burocraticamente, dias ou, em alguns casos, semanas ou, até mesmo, meses de espera. Importante ressaltar, mais uma vez, que tratam-se de números parciais. Por que correspondem a um valioso parâmetro, veremos adiante.

O que vemos, de fato, é que a Prefeitura enviou à mesma Câmara, nesses últimos anos, uma ordem crescente, sucessiva, de Orçamentos que inter-relacionam receitas e despesas cada vez maiores. E não se trata de exclusividade do prefeito dos 15 mil votos. Seu antecessor já havia, no último ano de mandato, enviado à Câmara Orçamento inferior ao do segundo ano de mandato da atual gestão (cabe ressaltar que um prefeito, quando assume uma Prefeitura, administra orçamento enviado ao Legislativo por seu antecessor).

Ou seja, se o município está gastando muito, em 2015, é porque em 2014 a equipe capitaneada por Ricardo Pinheiro entendeu que o dinheiro em caixa seria suficiente, nesse melancólico penúltimo ano de poder, para cobrir os gastos. Pensa-se que um ano atrás o suco servido a atletas, dentro de uma pseudo política de apoio ao esporte no município, não constasse nas despesas como mera cortesia, que pudesse ser cortada sob os auspícios de uma eventual consultoria, de início de mandato, gestada pela F-GV.

Os números - Estamos em setembro e, portanto, passaram-se oito meses do ano de 2015. Nesse período, a Prefeitura de Assis recebeu, da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, R$ 34,1 milhões. Comparando, em igual período, aos anos anteriores, Ricardo Pinheiro não tem do que reclamar. Afinal, são os melhores primeiros oito meses do ano que a cidade registra desde 2010. Aliás, Assis recebeu repasses de recursos estaduais oriundos de arrecadação de impostos em ordem progressivamente positiva desde 2010. Só no mandato de Pinheiro foram R$ 30 milhões em 2013, R$ 32 milhões em R$ 2014 e, agora, R$ 34 milhões. Dois milhões de reais a mais por ano. E no comparativo com o mesmo penúltimo ano de seu antecessor Ezio Spera são exatos R$ 10 milhões a mais.

Os recursos advindos do Tesouro Nacional, ou seja, por mediação do Ministério da Fazenda e com co-relação do Ministério do Planejamento, são mais polpudos. E, igualmente, nos três anos de mandato de Ricardo Pinheiro o período de janeiro a agosto teve aumento no volume repassado. São, até agora, em 2015, R$ 42,5 milhões destinados pelo governo federal, correspondendo a Fundo de Participação dos Municípios, IOF, ITR, entre outros fatores estabelecidos pelas políticas públicas. Desde 2010 esses repasses só crescem, com a ressalva de o ritmo ter desacelerado, proporcionalmente, a partir de 2013, coincidindo com o início do mandato de Pinheiro. Ritmo desacelerado não significa redução de repasse, é bom que se diga.

Somando o que os governos estadual e federal repassaram, de janeiro até agora, são R$ 76,6 milhões. Há, ainda, quatro meses pela frente para que os repasses pinguem, semana a semana, nos cofres da Prefeitura de Assis. Se forem repetidos os números do ano passado, Pinheiro terá R$ 45,5 milhões do governo paulista e R$ 60,4 milhões do governo federal, totalizando R$ 105,9 milhões. E se o Orçamento do município para o atual penúltimo ano de mandato é de R$ 265 milhões, diga-se que em eventual confirmação - os avanços progressivos de repasses mostram que haverá crescimento nas verbas advindas - de R$ 105,9 milhões, parte da receita fixa estará garantida.

Necessário, pois, entrar no Orçamento que a equipe de Pinheiro enviou para que a mesma Câmara Municipal aprovasse a relação receitas-despesas da Prefeitura para o exercício de 2015. Só o Poder Executivo em si consome R$ 205,02 milhões do total, enquanto o Legislativo, ou seja, os vereadores, ficam com R$ 5,4 milhões. Os demais fatores de gastos são a Previdência Municipal (dos servidores), com R$ 35,4 milhões, a Fema, com R$ 14,3 milhões, a Autarquia de Esportes, com R$ 3,4 milhões e a FAC, com R$ 2,5 milhões. O eixo central da Prefeitura, portanto, exige R$ 205 milhões, ante verbas estaduais e federais com prenúncio de entrada equivalente à metade disso, ou seja R$ 105,9 milhões.

Mas, se pegamos o Orçamento de 2015 e comparamos com o de 2014, vemos que Ricardo Pinheiro e sua equipe trabalharam com projeção de entrada de receita a mais, no comparativo relacionado ao equivalente a metade de seu conturbado mandato. Dois anos atrás a projeção de receita era de R$ 229,1 milhões, mas para 2015 houve um salto para R$ 265,9 milhões. Teria o prefeito do PSDB acreditado sobremaneira no discurso petista, eleitoral, de que não haveria crise ou ameaça interna-externa alguma para 2015? Parece que sim, pois há exatamente um ano, quando a tucanada esbravejava quanto a um cenário internacional trágico, a Prefeitura de Assis, como que em uma realidade paralela, surreal, potencializava seu poder de gastos, prevendo, sabe-se lá com que parâmetro, que as receitas que cobririam suas despesas aumentariam em utópico índice recorde.

O salto de projeção de gastos para 2015 é preocupante, para não dizer desesperador. Pinheiro sai de despesas de R$ 4,6 milhão do Legislativo, em 2014, para os atuais R$ 5,4 milhões, ou R$ 1,2 milhão a mais. A Fema exige aporte de R$ 2 milhões a mais, e o Assisprev, R$ 3 milhões adicionais. Isso, em um momento em que o PIB nacional já despencara desde o mandato de seu antecessor, assim como o PIB paulista. Economia em recessão, mas não o suficiente para frear o otimismo com relação ao que a cidade de Assis tinha de poder financeiro para custear as próprias despesas.

Há, certamente, quem diga ou dirá que os números atuais, de repasses de verbas dos governos estadual e federal, corresponde ao presente, enquanto os Orçamentos são fruto de projeções. Tudo bem, realmente é assim que a máquina pública trabalha. E nesse aspecto, crê-se, não há conflitos. O que não pode, no momento atual, é um prefeito ir à Câmara, deixar recado no holerite de servidor público e cortar até suquinho servidor em quadra de esportes sob a alegação de que vem coisa pior pela frente. Há crise, todos sabemos. Mas, parece não haver dúvida de que houve viagem intergalática pela maionese quando pensou-se naquilo que poderia ser gasto.

O prefeito dos 15 mil votos e sua equipe parecem aquele grupo de turistas que projeta a viagem ao Caribe imaginando gastar 1-x no total. Quando iniciam a viagem, o dólar dispara, mas a reserva para o passeio continua a mesma. Chega na metade da viagem o dinheiro acaba e, por fim, cada um fica a olhar para o outro pensando a quem recorrer para que, ao menos, consiga-se voltar para casa. A permanecer essa situação, da forma como está, essa viagem está, sim, perto de terminar. E daqui a exatamente 15 meses e 22 dias. Resta saber se as bagagens já não terão sido usadas para barganhar o custo do retorno.






* Professor universitário, historiador e jornalista, é mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela ECA-USP.




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