sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Boatos ignoram regulamento e 'criam' 5ª vaga para Assisense na A-3

Cláudio Messias*

O universo do futebol é feito basicamente da língua maldita, disso todos sabemos. Mas, imaginação fértil demais gera circunstâncias constrangedoras, por desconhecimento do regulamento. Em síntese, é mais fácil inventar um meio de criar vaga de acesso em campeonato do ano seguinte do que trabalhar séria e eticamente para que isso ocorra sem divagações. É o que ocorre em Assis nessa semana de desfecho da Segunda Divisão. Desinformados e desconhecedores de regulamento plantaram um tipo de boato que não leva a nada, muito menos à Série A-3.

Tive conhecimento desse tipo de especulação na semana passada, mas soube que a origem vinha de um grupo que, a meu ver, pouco acompanhou da trajetória integral do Assisense nessa temporada. Segundo os boatos, com a fusão entre Grêmio Osasco e Audax criaria-se uma vaga na Série A-2, que por sua vez, em efeito cascata, levaria a uma vaga na Série A-3 e, assim, conduziria um quinto clube da Segunda Divisão à série subsequente na temporada de 2014. Fácil, não é? Eu também acho. Pena que os regulamentos da Série A-2 e da Segundona não prevejam exatamente isso, privilegiando o time de Assis.

Quem construiu esse boato esqueceu de consultar a Federação Paulista de Futebol, organizadora das competições relacionadas às quatro divisões do Campeonato Paulista. Como é do conhecimento tácito de todas as pessoas que levam o futebol a sério, torneios como o das Séries A-2 e A-3 e também da Segunda Divisão são realizados mediante a um ritual complexo e rigoroso. Não estou dizendo que seja um processo lícito, sério e inquestionável. Apenas ressalto que há passos a serem tomados por clubes, jogadores, comissão de arbitragem, enfim, todos os agentes sociais envolvidos direta e indiretamente no espetáculo. A própria imprensa esportiva é submetida formalmente a esses critérios pré-estabelecidos.

Para a definição dos grupos compostos por clubes que disputarão determinada divisão são realizados os conselhos arbitral e técnicos, ou seja, de arbítrio mesmo, o que significa dizer que dali sairão as diretrizes para as formas de disputa e o caminho a ser percorrido por quem quer: ser campeão, apenas manter-se nas zonas de acessos ou sustentação de divisão ou mesmo aqueles que com desempenho inferior em relação aos demais terão de descer uma divisão no ano seguinte. Só vão para esse evento formal os clubes que obedecem a outros critérios pré-estabelecidos, como acerto de eventuais pendências advindas da temporada anterior, regulação de estádios, regularização junto ao STJD, entre outros elementos. Ou seja, disputar um campeonato requer atender às regras formais estabelecidas pela gestão do futebol paulista, conforme as diretrizes estabelecidas por quem organiza, ou seja, a Federação Paulista de Futebol.

Rezar sobre esse pressuposto é importante porque você, raro e exceto leitor, precisa entender que as regras de disputa existem e têm de ser formalmente consentidas. O conselho arbitral é uma reunião formal que existe exatamente com essa finalidade, dentre muitas outras importantes nele envolvidas. Uma vez fechado esse conselho, as regras de um torneio, consentidas por todos, jamais poderão ser alteradas. E não é a Federação quem assim estabelece. É um bojo que entre outros elementos reúne o que está estabelecido: o Estatuto do Torcedor, que nada mais é do que o Código de Defesa do Consumidor, na versão torcedor que vai ao estádio ou que assiste jogos pela televisão e/ou ouve pelo rádio.

Se há conselho arbitral, há um regulamento específico para cada competição em disputa. No caso relacionado aos boatos espalhados por Assis nessa semana temos de pegar o regulamento da Série A-3 e o regulamento da Segunda Divisão. Para facilitar a elucidação, os relaciono nos seguintes links: http://www.futebolpaulista.com.br/arquivos/REGULAMENTO_A3_2013.pdf  e  http://www.futebolpaulista.com.br/arquivos/REGULAMENTO_SEGUNDA_DIVISAO_2013.pdf. É importante que se tenha esses dois arquivos em mãos, uma vez que estão nele os itens que tratam de situações que antevejam criação de vaga, desde já, para a Série A-3 de 2014.

O regulamento da Série A-2 também interessa, porque os dois clubes envolvidos na famosa fusão ali disputaram a temporada de 2013, no primeiro semestre deste ano. O Audax foi o terceiro clube com melhor campanha, garantiu vaga na elite da Série A-1 e viu seu comprador, o Grêmio Osasco, ficar pelo caminho na primeira fase, ocupando a inexpressiva 11ª colocação. Consideremos, pois, que o Audax foi comprado pelo Grêmio Osasco e, incorporado, leva o nome do dono para a Série A-1, a elite. Ora, se o Osasco "opta" por ir para a Primeirona, desiste da A-2. E no parágrafo 1º do Artigo 8º  do regulamento fica estabelecido o seguinte:

"Em caso de desistência formal de algum Clube participante do Campeonato Paulista de Futebol Profissional - Primeira Divisão - Série A2 de 2014, terá também acesso o Clube que obtiver a 5ª melhor campanha no Campeonato Paulista de Futebol Profissional - Primeira Divisão - Série A3 de 2013, dentre os que disputaram a fase semifinal".

Passo a passo vemos que o Audax transformou-se em Grêmio Osasco. E o Grêmio Osasco desistiu da Série A-2. Logo, fica convocado para a vaga na Série A-2 de 2014 o quinto time com melhor campanha na Série A-3. Indo para a classificação geral da Série A-3 temos o Flamengo, de Guarulhos, com 43 pontos e a quinta colocação entre os 8 que disputaram a segunda fase, seguido de Sertãozinho (38 pontos), Inter de Limeira (37) e Independente (37). Se há vaga na Série A-2, portanto, ela é do Flamengo, meritocraticamente conforme o regulamento.

Vejamos que a promoção do Flamengo, de Guarulhos, para a Série A-2, cria vaga na Série A-3, que passa a ter, formalmente, somente 19 clubes. Logo, temos de recorrer ao regulamento da Segunda Divisão para saber quem seria o quinto clube a ser convocado para o acesso, além dos 4 que meritocraticamente subirão. Lá, no regulamento, está previsto o seguinte no Artigo 12, que faço questão de transcrever na íntegra:

"Art. 12 - Terão direito de acesso à Primeira Divisão - Série A3 de 2014 - 04 (quatro) Clubes,
quais sejam, os 02 (dois) Clubes com o maior número de pontos ganhos em cada um dos
grupos, considerados exclusivamente os resultados obtidos nesta fase, observando-se, caso
necessário, os critérios de desempate previstos neste REC.

§1º - Em caso de desistência formal de algum Clube participante do Campeonato Paulista de Futebol Profissional - Primeira Divisão - Série A3 de 2014 terá também acesso o Clube que obtiver a 5ª melhor campanha no Campeonato Paulista de Futebol Profissional - Segunda Divisão 2013, dentre os que disputaram a quarta fase.

§2º - Conforme caput deste artigo fica estabelecido que o §1º somente será aplicado depois que 02 (dois) Clubes de cada um dos grupos, totalizando 04 (quatro) tenham obtido acesso ao Campeonato Paulista de Futebol Profissional - Primeira Divisão - Série A3 de 2014.

§3º - Este acesso somente será concedido quando a desistência for oficializada antes da realização do Conselho Técnico do Campeonato Paulista de Futebol Profissional - Primeira Divisão - Série A3 de 2014.

§4º - A fim de assegurarem seu direito de acesso, os Clubes mencionados no caput deste artigo deverão atender aos requisitos previstos no RGC."

Veja, raro e exceto leitor, que esse quinto convocado para assumir a vaga aberta na Série A-3 com a promoção do Flamengo é o quinto clube com melhor campanha na Segunda Divisão. E ele só será considerado passível de obter a vaga com a formalização de todo o processo anterior que envolve fusão Audax/Grêmio Osasco, promoção do Flamengo e decisão sobre o campeão e vice da Segunda Divisão. Precisamos, portanto, de um ranking dos melhores times da Segundona, controle que tenho feito, aqui no Blog, desde a primeira fase.

É agora que o regulamento lança o balde de água fria na cabeça dos especuladores e construtores de boatos ora infundados, ora fruto de desconhecimento das regras do jogo. Hoje, o quinto melhor time entre os 8 que disputam a quarta fase da Segundona é, vejam só, o Paulistinha, de São Carlos. Essa situação pode mudar domingo, quando, coincidentemente, Paulistinha e Atibaia jogam em confronto direto, em São Carlos, pelo grupo 19. Os dois estão empatados, no ranking, com iguais 46 pontos. O empate dá a quinta posição em campanha ao Paulistinha, enquanto o Atibaia só muda o cenário se vencer. 

É bom que se ressalte que o Atibaia encontra-se em situação igual à do Assisense, dependendo de derrota por goleada da Matonense, em casa, para o Tupã, e precisando aplicar goleada sobre o Paulistinha para, aí sim, ir para a Série A-3 sem precisar de quinta vaga.

O Assisense, no ranking geral do campeonato, é o penúltimo em campanha entre os 8 clubes que disputaram a quarta fase. Por mais que vença a Inter, domingo, vai a 43 pontos e continua, na melhor das hipóteses, a três pontos do Paulistinha, caso esse perca seu último jogo. Quem ficaria com a vaga, pela quinta melhor campanha, é a Inter de Bebedouro, dona, no momento, da terceira melhor campanha entre os 8.

Nem todo mundo, contudo, tem obrigação de entender exatamente o está no regulamento, pois este é por certas vezes confuso. Há quem entenda que o parágrafo 1º do Artigo 12 refira-se ao quinto colocado entre os clubes que estão disputando a quarta fase, mas especificamente na disputa dessa fase, e não no campeonato todo. De minha parte, não vejo dessa forma, pois a construção inicial do enunciado presente no referido parágrafo 1º fala em "5ª melhor campanha no Campeonato Paulista de Futebol Profissional - Segunda Divisão 2013,  "ou seja, separam-se os 8 clubes da quarta fase e aplica-se a soma geral de pontos por desempenhos em todas as etapas, de maneira a ver-se aquele que tem a quinta melhor campanha.

Se o parâmetro for realmente esse e a Federação mantiver o que está no regulamento, o Assisense está fora da Série A-3, nem que surja a quinta vaga, pois no ranking o time de Assis está em penúltimo lugar, por campanha, entre os 8 da quarta fase. Mas, caso a brecha do desempenho somente na quarta fase seja convenientemente adotada, o Assisense precisará vencer a Inter, em Bebedouro, nesse domingo, e ainda torcer para que o Atibaia empate ou perca para o Paulistinha, no grupo 19, caso queira ser o quinto melhor time entre os oito em disputa nos dois grupos. Cabe ressaltar, portanto, que o Atibaia tem dupla chance de subir para a A-3, bastando vencer seu jogo com placar elástico ou simples, dependendo para que lado observe a vaga.

Mas, seja qual for o lado para que se olhe, a situação do Assisense não é nada fácil. O ideal, mesmo, é terminar a quarta fase vencendo a Inter novamente e deixando que Água Santa e Cotia digladiem para saber quem fará a final do campeonato. De repente, o saldo de gols que transforma em abismo a separação entre Assisense e Água Santa (8 gols) é zerado e, assim, no confronto direto e tecnico, a vaga na Série A-3 venha para Assis, como segundo colocado no grupo. Esse é o caminho das pedras. O outro caminho, mais tortuoso e arenoso, prevê essa briga-de-faca pela quinta vaga. E se há interpretação no parágrafo 1º do tal artigo 12 do regulamento, que não haja dúvidas de que os outros clubes diretamente interessados irão igualmente montar acampamento na porta da Federação, exigindo que o regimento seja aplicado para o lado de lá.

O certo diz que a vaga na Série A-3 está na casa do impossível para o Assisense. Já o incerto aponta para o universo das possibilidades. Nos dois casos, pode ser. E possibilidade por possibilidade, esperemos a disputa da final do torneio, até daqui a duas semanas. Somente a partir de lá a Federação irá posicionar-se sobre vagas, conforme está claro no regulamento. Enfim, o que você ouvir e ler agora é, no mínimo precipitado. Para não dizer improcedente. Inclusive isso tudo que escrevi, que é interpretação.



*Professor universitário, historiador e jornalista, é mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.

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