Cláudio Messias*
Aqueles que acompanham o Blog desde janeiro de 2013, quando retomei as postagens quase diárias (para maiores detalhes esse resgate do projeto, leia, por favor, meu perfil na seção "A opção pelo Blog"), já sabem que sou metido a cozinheiro e, portanto, dou meus pitacos e conselhos sobre o dia a dia nessa tarefa que é arte, mas, também, responsabilidade diária de preparar refeições ora rápidas, ora mais trabalhadas. Hoje, nesta postagem, vou mais dar dica e orientar do que necessariamente ensinar como faço algo. Quem quiser considerar um desabafo, pode assim definir.
Meses atrás cedi ao bombardeio da propaganda da marca Friboi nas emissoras de televisão. Em passagem pela gôndola de carnes do Avenida Max, hipercenter situado em Assis, brilhei os olhos com aquele preço em etiqueta vermelha que anunciava o quilo da picanha a R$ 22. Picanha Friboi embalada a vácuo com preço bem abaixo dos R$ 35, R$ 40 que costumava esporádica e raramente pagar pelo mesmo tipo de carne. Duas peças no carrinho e, claro, churrasco já na chegada em casa, mesmo não tendo programado. Aproveitar a promoção e não desperdiçar o momento de levar a carne fresca à grelha.
Quando abri a embalagem já senti algo estranho em dois fatores. Primeiro, a peça de carne era delongada demais, uma vez que a peça de picanha costuma ser mais curta (algo em torno de no máximo 30 centímetros de cumprimento). E além de achatada, fina, continha nervos e uma camada de membrana que eu não recordava ter visto em picanhas até então. Mas, não bastasse isso, a coloração da carne era o que mais estranheza causava. Explico.
Essas carnes embaladas a vácuo realmente têm suas vantagens. Primeiro, a embalagem, feita de plástico de espessura elevada, reduz o risco de contaminação do alimento durante o trajeto entre o abate do animal e a disposição dos tipos de carne nos balcões frigoríficos ou gôndolas refrigeradas. Nada disso é exclusividade da Friboi, pois de Bertin a Frigol e Aurora, inúmeros fornecedores de carnes já adotaram o mesmo procedimento de embalar a vácuo.
Acontece que nessa embalagem a vácuo a carne, sem oxigênio, fica mais escura que o normal (alguns amigos meus têm restrição a esse tipo de embalagem porque têm a sensação de que o boi é velho ou a carne está vencendo). Mas, basta observar que depois de rasgada ou cortada a embalagem, a carne fica mais clara em questão de segundos, ganhando aspecto de fresca. Resultado, claro, do contato do material com o oxigênio, enfim, fatores químicos ou biológicos que não domino e, portanto, não tenho autoridade alguma para detalhar.
O que acontece é que aquelas peças de picanha Friboi que comprei estavam, ao contrário, claras demais. E depois de abertas as embalagens, tinham textura semelhante à de carne de porco, de tão clara. E é nessa hora que a propaganda entra na nossa cabeça feito um tiro esfacelador de massa encefálica. Você ouve e vê com tamanha frequência o peludo Tony Ramos tornando a carne Friboi inquestionável que ignora seus próprios conhecimentos culinários,advindos de uma rotina de mexer com carne há anos, e põe credibilidade total na bendita picanha cuja procedência é, no discurso midiático do consumo, legítima.
A única coisa nesse processo todo que não foi legítimo foi o prazer de cortar as fatias de picanha já assada, assim como degustar. Consistência dura demais para ser picanha, uma vez que as fibras mal passadas resistiam à passagem da lâmina da faca Tramontina impecavelmente amolada. Segunda estranheza e Tony Ramos começou a entrar na minha alça de mira.
Ninguém aqui em casa é bobo para não saber distinguir picanha de outro tipo de carne. E todos, claro, colocaram os pedaços fatiados de picanha em seus pratos, na expectativa de sentir o sabor peculiar desse tipo nobre de carne bovina. Àquela altura éramos em 4, querendo pegar Tony Ramos aos pelos e iniciar depilação com pinças. Não, aquilo não era picanha nem aqui, nem na China.
Como as embalagens haviam sido lavadas mas jogadas em meio ao material reciclado depois dispensado na coleta seletiva, não quis recolhê-las e levar o caso adiante, até porque aquilo significaria separar a carne já assada e pronta, descongelar outro lote, temperar e esperar o período de assar.
Comemos qualquer outro tipo de carne, dura, com nervos, menos picanha. Podia ser um acém ou até mesmo uma fraldinha, mas picanha não era, jamais. Era Friboi.
Em circunstâncias como essas tomo a mais severa das decisões: não compro mais. Simplesmente, passei a ignorar a marca Friboi nos supermercados que frequento. Só de Tony Ramos a emoção mudou um pouco, passando de raiva a ódio a cada vez que assisto aquela enjoativa propaganda na TV ou vejo anúncios de meia página na Folha mostrando a cara-lavada dele.
Hoje, contudo, deparei com uma embalagem Friboi no freezer. Nessa história de ir em família ao supermercado e delegar compras a cada um dos 4 Lopes Messias, alguém esqueceu da restrição à Friboi e cá trouxe uma peça de fraldinha. Não dava 1 kg do jeito que saiu da embalagem a vácuo. Mas, fosse passar nas mãos de um açougueiro do Avenida Max, com certeza viria mais leve (ou menos pesada, como prefira).
As hábeis e honestas mãos de açougueiros que lidam com a carne do Avenida Max à frente dos olhos da clientela não permitem que uma fraldinha chegue numa casa nas condições em que a cozida hoje, em casa, chegou lacrada pela embalagem a vácuo da Friboi. Dessa vez, não estraguei a embalagem, nem temperei antes de registrar tudo em fotos.
Não temos balança em nossa cozinha e, portanto, não sei precisar o quanto de sebo, nervo e membrana tirei dos cerca de 900 gramas que vieram na embalagem da fraldinha Friboi. É pouco, não é muito. Mas, antes que digam que sou preciosista, detalhista e mesquinho, ressalto que esse tipo de sobra não tem de vir para a casa do cliente, pois foi paga. Sobra desse gênero é descartada na origem. A dona Friboi, portanto, deveria ter feito a limpeza dessa carne antes de embalá-la a vácuo.
Na razão do capitalismo, 50 ou 100 gramas de sebo, membrana e nervo daqui, outros 50 ou 100 gramas dali e lá está o grosso da camada de consumidores pagando por aquilo que deveria ter ido para fábricas de ração para cães ou mesmo para a sopa dos donos da Friboi, menos para a nossa mesa.
Fiz o registro das fotos, que estão aqui postadas. Cada um tire a sua conclusão pelo que exponho dessa fraldinha que, ao contrário da 'picanha' anteriormente narrada, realmente tinha sabor de fraldinha e estava muito boa depois de pronta (frita com tempero de alho, cebola, um fio de óleo de canola e pitadas mínimas de sal e pimenta do reino moída). No meu caso, depois de duas experiências terríveis com a marca Friboi, vou esperar o tempo passar, verificar o que de denúncias tende a ser feito nos órgãos de defesa dos consumidores e, então, analisar se valerá a pena ou não voltar a consumir os produtos da marca que, ressalto, antes do bombardeio de propaganda na TV, jamais havia me causado problemas ou estranheza no consumo.
Finalizando, esclareço, também, que nossa família iniciou, em abril de 2012, uma redefinição do cardápio, de maneira que consumamos mais frango do que bovinos. Isso, agregado ao monitoramento dos preços no setor de açougue dos supermercados (por exemplo, há algumas semanas está mais viável, financeiramente, comprar suínos e frangos do que bovinos e peixes). Daí a explicação para o fato de pouco estarmos expostos ao bombardeio de apelos da marca Friboi nesses setores dos supermercados.
Fotos: Blog do Messias
A peça de fraldinha e sua parte da frente (ou de trás, como preferir)
A peça de fraldinha e sua parte de trás (ou da frente, como preferir)
No alto, à direita, perceba que por ali passou um
facão de limpeza, que não chegou ao 'bico' de baixo
Caso o facão de limpeza fosse usado devidamente,
teria tirado essa mistura de sebo e membrana da carne (separado em pedaços)
Professor universitário, historiador e jornalista, é mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.
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