Cláudio Messias*
Luciano do Valle escolheu partir desse mundo de um jeito irreverente. Em voo, em plena aeronave, ele saiu do veículo e encontrou-se com Papai do Céu... no céu. Esse sábado, 19 de abril, marca o dia em que o céu ganhou uma de suas estrelas mais brilhantes. A estrela de Luciano do Valle, eternizado nos corredores da Rede Bandeirantes de Televisão como o "Bolacha", apelido carinhosamente atribuído por outra lenda da crônica esportiva, Sílvio Luis.
Luciano morreu de causa ainda a ser esclarecida. É fato, contudo, que não está mais entre nós. Morreu aos 70 anos e desempenhando o que fundamentava seus dias de vida: o trabalho. O apaixonante trabalho no jornalismo esportivo. Sair daqui, ir acolá, atrás de uma transmissão esportiva. Com ele cruzei algumas vezes, nos corredores das cabines de imprensa da vida, ora apertadas, ora mais luxuosas. Sempre, mas sempre mesmo cumprimentou-me, mesmo não conhecendo-me. Desfazia e desconstruía, nessas ocasiões, a fama de arrogante que alguns colegas lhe atribuíam.
O narrador da partida de futebol de maior audiência da história da televisão brasileira morreu indo narrar, em Uberlândia, a partida do mesmo Corinthians que fez história, na Band, naquela final do primeiro torneio mundial de clubes organizado pela Fifa. Nesse domingo ele narraria o meu Corinthians contra o Atlético Mineiro, abrindo o Campeonato Brasileiro de 2014. Foi embora deixando órfãos como a Seleção Brasileira de Futebol Feminino, a Seleção Brasileira de Futebol Master, a Praia de Boa Viagem, em Recife, a Fórmula Indy e os mais variados formatos de programas de esportes dominicais, em especial as mesas de debate pós-rodadas de campeonatos.
Luciano do Valle fez história na Band mas, entre amigos, sempre reconheceu como bobagem pessoal a recaída que o levou a uma rápida passagem pela Record. É e sempre será o melhor narrador de futebol da televisão brasileira, por sua coragem de externar, ao vivo, no microfone, sua opinião sobre determinadas circunstâncias, nem que isso doesse no osso da emissora que o mantinha. Criticou a falta de diploma de Neto, o craque, e jamais escondeu sua ira contra a desorganizada CBF e suas discípulas e inescrupulosas federações, como a Federação Paulista de Futebol. A Copa do Mundo de 2014, nos moldes como é prenunciada, jamais foi engolida por Luciano.
Foi e continuará sendo, disparado, melhor que Galvão Bueno, uma vez que a narração dos jogos daquela que é considerada a melhor Seleção Brasileira de todos os tempos, a de 1982, está eternizada na voz de Luciano do Valle, na Globo, e não do péssimo Galvão. Um homem que agitou a estação mais quente do ano com o Verão Vivo, da Band, e que tornou menos chatas as madrugadas de sábado para domingo, com o Valle Tudo, só pode ter feito história positiva na crônica esportiva desse país.
Rendo-me à tristeza da notícia que chega de meus amigos prudentinos, que confirmaram, uma hora atrás, que Luciano do Valle chegou a descer da aeronave, em Uberlândia, passou por médicos, mas não resistiu à força da chamada de Deus. Copa do Mundo, Olimpíadas e torneios de vôlei e muitos outros esportes perderão sentido quando nos dermos conta de que não teremos as entusiasmadas aberturas de jornadas com a voz dessa lenda do jornalismo contemporâneo. Admito que, de agora em diante, deixarei de aprender um pouco com a ausência dessa referência.
Foto: Rede Bandeirantes de Televisão
Luciano do Valle em uma de suas últimas
transmissões, pelo Campeonato Paulista, em 2014
*Professor universitário, historiador e jornalista, é mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.
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