quarta-feira, 4 de junho de 2014

CAUSOS - Quem, afinal, é o burro da história?

Descendo a ladeira do Monte Santo, rumo à Universidade Federal de Campina Grande, notei, ao sair do prédio onde resido, um senhor que, montado em uma carroça, falava em tom de voz mais alto do que o normal, usando o telefone celular. Visivelmente, o diálogo mediado era feito com a companheira. Já era noite, no sentido de o sol já não provocar uma claridade sequer no céu, mas o relógio ainda não marcava 18h00. Sim, aqui em Campina Grande começa a anoitecer às 17 horas, dada a localização geográfica, a leste, dos estados do Nordeste.

A situação era inusitada. Eu caminhava no meu trajeto, o carroceiro seguia ao lado, na rua, conduzido por seu jumento. Ouvia, eu, aquele diálogo marcado ora por ofensas, ora por algo que sequer consigo definir. E as pessoas que estavam nos estabelecimentos comerciais que há pelo caminho paravam para assistir àquela cena, em que o homem vociferava como se melhor ouvido fosse pela interlocutora que do outro lado da linha, telefônica, encontrava-se.

O trânsito pesado fazia com que ora eu avançasse à frente da carroça, ora fosse ultrapassado por ela no trajeto que coincidia. E algumas quadras adiante o carroceiro, que carregava cocos verdes, já havia desligado o aparelho celular, não o suficiente para que parasse de falar, agora sozinho, ainda refletindo sobre a companheira. Foi quando, em um determinado ponto, de esquina, alguns mototaxistas provocaram aquele personagem urbano, visivelmente conhecido nos arredores.

Lá pelas tantas, um dos mototaxistas grita e pergunta ao carroceiro: 

_Ei, quem é o burro aí?

A carroça se encontrava alguns metros à minha frente e quando vi o carroceiro dar ordem de parada ao jumento, logo temi que a confusão pudesse estar armada, pois em uma das mãos, dele, estava um nada pequeno facão, usado, imagino, para cortar o coco. 

Reduzi a passada e vi, de frente, a resposta do carroceiro:

_Burro tem dois.

Ao que o mototaxista perguntou, irado, entendendo a provocação:

_O quê?

O carroceiro, dando sequência a seu trajeto, completou, finalizando:

_E um é surdo.

Cerrei o lábio e congelei o semblante para não esboçar o sorriso que, por dentro, soava como gargalhada. Jamais subestime a capacidade de resposta de seu interlocutor. Pois, como me disse, certa vez, professor Adílson Citelli, na ECA-USP, a ironia, para dar certo, não pode, necessariamente, ser entendida por uma das partes.

Um comentário :

Sergio Domingos Vieira disse...

Claudio, um abraço. Você viu que agora os jornalões da grande imprensa estão fazendo campanha para cobrar mensalidades nas universidades públicas após a desastrosa administração do reitor da USP do governo tucano?