segunda-feira, 8 de outubro de 2018

UM BRASIL QUALQUER? - Carta aberta a Haddad, para mudar meu voto

Cláudio Messias*

Fernando Haddad, ontem foi dia de votar para presidente. E, pela primeira vez em 48 anos, não o fiz em primeiro turno. Professor do magistério público superior aqui em Campina Grande, no Brejo paraibano, desde 2014 tenho de deslocar 3 mil quilômetros para o exercício de minha cidadania na não menos direitista Assis, no dito pujante interior paulista, onde nasci e tenho minha família.

O que me fez não ir a Assis votar não está relacionado a distância. Ontem, justifiquei meu (não) voto em João Pessoa, na escola onde meu amigo João Neto vota. Fui acompanhando João e seu companheiro Augusto. Um trio de professores do magistério público superior, cada qual cumprindo com o protocolo que o tal do estado democrático de direito estabelece.

Decidi não votar em primeiro turno, em 2018, porque meu candidato a presidente, Boulos, estava significando um fomento à polarização que caracteriza as eleições gerais no Brasil desde 2014. Preteri ir a Assis votar em Boulos para não correr o risco de ver o candidato primeiro colocado nas pesquisas vencendo já no primeiro turno. Sim, Boulos teria muito mais do que meio milhão de votos caso não houvesse essa bendita polarização.

Minha decisão por não votar em você, Haddad, não tem cunho pessoal. Em meu discurso, que é público, e, por opção pessoal, não chega ao espaço da sala de aula na universidade, você, Fernando Haddad é e, pelo jeito, por muito tempo será o melhor ministro da Educação que esse país já teve. Palavra de um cidadão, aqui, que jamais foi petista, lulista. Apenas, sou alimentador da chama de uma utopia que prenuncia o dia em que esse país será governado, legitimamente, por uma esquerda que não ceda aos privilégios. Daí, óbvio, minha confiança em Boulos.

O que atrai meu voto, pois, não são as legendas, mas, as pessoas. E você, Haddad, está muito acima da legenda que representa ou, em vice-versa, em que é representado. Foram as políticas públicas de educação de sua época de ministério que fizeram gerar dados estatísticos atuais que, na boca suja da direita incubada em parte da tradicional sociedade brasileira, mostram aumento do desemprego entre jovens, atualmente, no país, ao passo em que, na realidade, se o jovem brasileiro em idade escolar regular não está trabalhando, é porque está na escola, fazendo aquilo que os governos coronelistas dessa nação nunca primaram, por mais letrados e multilingues tenham sido seus comandantes: formar-se nas escolas públicas e garantir, via inclusão social, vaga no ensino superior, seja via Sisu, seja via programas de demanda via rede privada.

Nesse domingo, 7 de outubro, não fui atraído às urnas. Não votei em Boulos, nem em você, Haddad. Justifiquei meu (não) voto. Optei por permanecer em Campina Grande, coordenador que estou em um curso de Educomunicação que é fruto, senhor candidato, das políticas públicas daquele presidente que, rotulado de não ter estudado, foi o responsável pela mais silenciosa das revoluções que um país pode ter. Uma revolução que acontece a cada dia, no território da sala de aula. Uma revolução que está preconizada nos pressupostos da Educomunicação, curso superior criado em 2009 na demanda do Reuni, cuja dimensão histórica mostra um nunca visto programa de ampliação do ensino superior no país.

Na quinta-feira da semana passada saí da universidade, cujo espaço é utilizado pela Justiça Eleitoral como local de votação, temeroso. Jornalista que fui por duas décadas, aprendi a suspeitar das pesquisas de opinião em época de eleição. Basta ver casos isolados, hoje, do resultado das urnas no Rio de Janeiro, para ratificar meu discurso. Não muito distante, o desaparecido Aécio amanheceu no dia de votação do segundo turno de 2014 encomendando que alguém engomasse a faixa presidencial para uso ali pelas 21 horas daquele domingo. Ou seja, em um país complexo como o continental Brasil não dá para apostar em projeção daquilo que irão falar as urnas. No entanto, o que eu via na rua, nos bares e na própria universidade fazia temer (argh!) o pior para esse domingo. Isso, em um cenário aqui no Nordeste, reduto eleitoral que fez gerar a já referida polarização política no país.

Eu e parte de meus amigos do ensino superior, Haddad, não fizemos opção por votar em você no primeiro turno. Seria muito fácil chegar agora ao meu trabalho e confirmar aquilo que timidamente manifestávamos na quinta-feira, último dia de expediente antes de Justiça e Polícia Federal ocuparem os espaços de votação. Nossa expectativa, em meio a desolamento, era de que hoje a chama da utopia ainda estivesse reluzente. A aposta, contudo, era por um avançar de Ciro ao segundo turno, enquanto o sonho extremo era por Ciro e Haddad na decisão final.

Veja, Haddad, que em momento algum eu cito seu nome como opção de voto nessas polarizadas eleições. Ora, se o reconheço como o melhor ministro da Educação da história e não o associo a corrupção ou escândalos, então por que tenho preterimento? Minha resposta é: a desfragmentação do projeto chamado PT. Duas semanas atrás eu até sinalizava com a possibilidade de votar em você, como alternativa para evitar o caos já no primeiro turno. Vê-lo como extensão de Lula, pra mim, não é problema, pois tenho críticas ao ex-presidente mas, ainda mais severas são minhas críticas à Justiça e ao sistema que tornam preso político o maior líder social da América Latina pós-Guerra Fria. Seu problema, Haddad, está na associação de seu nome a figuras nefastas como Zé Dirceu, que anunciara publicamente a retomada do "nosso" poder, concomitante a seu crescimento nas pesquisas.

Nesse domingo à noite eu assistia seu discurso de passagem para o segundo turno e compartilhava com amigos a amargura por não ver o alavancar da candidatura de Ciro para o segundo turno, ao passo em que, não tem jeito, assumia a condição de, em segundo turno, votar em Haddad. E enquanto eu falava e ratificava que votarei em Haddad e, por tabela, no PT, meio que silenciava ao ver, a seu lado, figuras que me causam repugnância nesse que um dia foi, literalmente, o Partido dos Trabalhadores. Gleise Hoffman está no mesmo patamar de Zé Dirceu, Pallocci, João Paulo Cunha e outros figurões cujo passado tantos riscos causam a um projeto que, agora, pode voltar a ser sério. Ela estava ao seu lado na foto.

Daqui a pouco saem as primeiras pesquisas de opinião para o segundo turno. Em duas semanas, novas eleições. Muito pouco tempo para mudar uma tragédia anunciada, porém uma eternidade se mensurarmos a associação de sua candidatura, Haddad, a essas páginas que o seu PT precisa virar e colocar no passado. O pior pesadelo foi vencido ontem, com a confirmação de que teremos segundo turno. Você vem de uma candidatura com menos de um mês, contra um candidato que começou sendo voto de protesto e personagem cômico de programas de humor na televisão, exposto pela mídia há quatro anos. Quarenta e oito meses contra menos de um mês de exposição é sagaz injusto.

Todo discurso, Haddad, tem hospedeiros e parasitas. O dono do discurso competente hospeda o protagonismo, carregando no ombro os oportunistas. Já na primeira aparição pública sua como possível futuro presidente reapareceram zumbis da tragédia petista, colocando em xeque aquilo que você narra como proposta para um país voltar a fazer a diferença fazendo diferente. Aderir ou aceitar esses parasitas sobre seus ombros torna-se uma contradição entre aquilo que você fala e aquilo que você pode praticar.

Nosso desafio, na utopia de esquerda, é encarar a parte azul do mapa, relacionada à direita e à extrema direita, e avançar de maneira a mostrar ao país que o Nordeste não é, como seu adversário diz, uma região  que tem brasileiros como outro qualquer (sic). Não existe brasileiro como outro qualquer; existe candidato qualquer, especialmente aquele que não sabe responder a uma pergunta relacionada a projeto social que fundamente suas faraônicas e surreais promessas de combater a violência fomentando a violência e estabelecer a igualdade financiando o ódio.

De sua parte, Haddad, resta mostrar não a mim, mas à parte do eleitorado que igualmente tem suspeição sobre seu projeto via PT, que suas propostas não são quaisquer propostas e que seu discurso de fazer a diferença na polarizada disputa não se revele a mesmice que afundou seu partido em um caos que só a popularidade de Lula salvou.

Agora, Haddad, a associação de seu nome a Lula atingiu o limite, esgotou. Seu sucesso no segundo turno está centrado na suficiência de um discurso que expurgue parasitas e agregue forças novas, com a sua juventude. A sobrevivência das universidades públicas e de uma sociedade livre está nas suas mãos. Ou melhor, está na ordem do seu discurso, construído coletivamente com as forças com quem você vai alimentar seu trajeto daqui até 28 de novembro. Não jogue tudo abaixo.

#HaddadNele


* Professor do ensino público superior, jornalista e historiador, é mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.

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