Cláudio Messias*
Raros e excetos leitores, cá estou de volta. Espero, com mais assiduidade de postagens em comparação aos últimos 12 meses, período em que interrompi a hibernação de dois anos para concluir a tese de doutorado defendida na USP em fevereiro do ano passado. Sem espaço, nem tempo, muito menos paciência para discutir ideologia política, partidarismo ou qualquer coisa relacionada a esse poder hegemônico podre, nefasto, que faz amigos tornarem-se inimigos e donos de padaria espantarem clientes.
O que tem a ver dono de padaria com tudo isso? Explico.
Como é do conhecimento de meus seguidores cá no Blog, ou nas redes sociais, sou um paulista de Assis que desde 2010 vem a Campina Grande, na Paraíba, em um desafio acadêmico materializado em compromisso formal, via concurso público, em 2014. Tenho imensa paixão por essa terra, a que denomino, nessas páginas do Blog, como Campina (meu) Grande (amor).
Estou, hoje, residindo no quinto imóvel, alugado, desde que para cá mudei meu endereço profissional. Um apartamento situado em térreo, por recomendação médica após o coração velho de guerra, mesmo com a cirurgia que lhe aplicou quatro safenas e uma mamária, ter dado sinal, no Dia dos Pais do ano passado, de que nem tudo deu certo naquele procedimento cirúrgico de fevereiro de 2015.
Estou em um condomínio que tem dois prédios, no bairro Catolé. Muito, mas muito distante mesmo da universidade pública onde leciono, pesquiso e estendo minhas atividades acadêmicas para a comunidade. Só que, em contrapartida, tenho o sossego para a realidade de uma cidade com anunciados 440 mil habitantes, no Brejo paraibano. Em postagens vindouras vou mostrar que esse sossego não é bem um sossego, mas, está valendo.
Aquele dono de padaria, a quem denomino seo Saraiva, em alusão ao saudoso personagem do Zorra Total, interpretado por Francisco Milani, tem ponto comercial quase em frente ao condomínio. E quando para cá mudei, em fevereiro último, lamentei com o porteiro o fato de haver uma porta comercial de padaria, porém fechada. E, então, fui informado de que aquela padaria funcionava, sim. Mas em horário especial.
O tal do horário especial eu não sei quando começa, pela manhã, nem quando termina, à noite. É certo, apenas, que as portas são baixadas às 9 horas e a padaria só reabre às 16 horas. Estranho isso. Confesso nunca ter visto algo parecido pelos tantos territórios por onde passei nesse planeta, dentro ou fora do Brasil. Na Europa, tudo bem, é parte da cultura de alguns países a sesta do almoço, com o comércio fechando por volta de meio-dia e reabrindo no meio da tarde.
Situação semelhante, mesmo, eu vi em Assis, a nossa Sucupira do Vale, num açougue que funcionou, sob arrendamento, na rua André Perini, ali por volta de 2006/7. O dono fechava o açougue às 13 horas. Ora, quem chega em casa a essa hora e quer comer um bife rápido, fica só na vontade? Sempre achei estranho aquilo. Só que uma coisa é brigar com padeiro. Outra, mais séria, é discutir com açougueiro...
Fiquemos no assunto de pães...
Em questão de duas semanas vivenciei, em primeira pessoa, três circunstâncias que considero interessantes de ser relatadas na condição de causo. Na primeira delas, fui à padaria ali pelas 7h20, pois o café já estava passado, a manteiga e o queijo coalho estavam sobre a mesa e só faltava o pãozinho. Lá cheguei e seo Saraiva estava anotando algo naquilo que parecia uma caderneta. Havia outra pessoa do lado de cá do balcão e deduzi que fosse um cliente, comprando fiado (cliente parado, padeiro anotando...).
Em questão de duas semanas vivenciei, em primeira pessoa, três circunstâncias que considero interessantes de ser relatadas na condição de causo. Na primeira delas, fui à padaria ali pelas 7h20, pois o café já estava passado, a manteiga e o queijo coalho estavam sobre a mesa e só faltava o pãozinho. Lá cheguei e seo Saraiva estava anotando algo naquilo que parecia uma caderneta. Havia outra pessoa do lado de cá do balcão e deduzi que fosse um cliente, comprando fiado (cliente parado, padeiro anotando...).
Esperei um pouco, mais um pouco, e a pressa me fez questionar seo Saraiva se poderia, ele, me vender dois reais em pães. Afinal, daqui até a universidade, em horário de rush, levo em torno de 20 a 25 minutos. Assim, para estar na sala de aula às 8 horas preciso sair com o carro do condomínio no máximo 7h35.
Seo Saraiva não me respondeu nada, mas continuou anotando sei lá o que naquela página de papel. Olhei delicadamente para o sujeito que estava ao lado, anterior à minha chegada, e ele fez como quem não sabia de nada do que ocorria. Daí percebi que ele trajava roupa semelhante à de quem trabalha no campo, especificamente com gado e mais precisamente na ordenha de vacas. Pronto. Era o entregador de leite. E como haver pão sem leite?
Claro, esperei mais um pouco. Só mais um pouco. E já pedi para ser atendido, pois realmente estava com pressa e ele, o padeiro, não estava vendendo pães àquele sujeito ao lado. A resposta veio curta, grossa e peluda: "se está com pressa, vá embora sem pão". Nesse exato momento uma senhora chamou lá de dentro, vendo a situação por um vidro e ouvindo a voz delicada daquele que parece ser seu marido, perguntou: "é pão que o senhor quer?". O marido tratou de responder por mim: "é, sim, mas ele vai esperar".
A senhorinha veio, perguntou quanto eu queria de pão, me deu os oito pães franceses que se compram com 2 reais, e eu, então, voltei correndo para o apartamento. Não para comer, mas, para pegar meus materiais e seguir para a universidade, pois os 10 minutos que consumo tomando café da manhã foram embora na conta de seo Saraiva.
Aí você, raro e exceto leitor, deve estar deduzindo: claro, Messias nunca mais pisou naquela padaria. Não é bem assim. É difícil, reconheço, conseguir comprar o pão do seo Saraiva. Mas, quando você consegue, compensa. Eita pãozinho bom! Minha norinha, Júlia Bastos, cuja família é proprietária de padaria em Tarumã, cá esteve dias atrás com meu filho, comeu desse pãozinho sofrido de se comprar e concordou: o danado é gostoso. E a padaria fica bem em frente de casa, do outro lado da rua.
Pois bem, voltei à padaria do seo Saraiva nessa segunda-feira. Mesma história: 7h25, horário apertado para tomar o café da manhã e seguir para a universidade, já encerrando o semestre letivo (por conta de greves em 2012 e 2015 o calendário acadêmico está, ainda, em adequação). Pedi os mesmos 2 reais em pães, o padeiro colocou-os na sacolinha plástica branca e eu dei uma cédula de 10 reais. Pra quê?
Seo Saraiva puxou a sacolinha de volta e disse: "não tenho troco". E perguntou se eu não tinha trocado. Claro que não tinha trocado, pois para ir à padaria em frente de casa não levo carteira, só o dinheiro. E se tinha uma cédula de 10 reais, não tinha de 2 reais. Ele, então, me deu uma alternativa para não ficar sem pães: "o senhor ou leva dez reais em pães ou leva 5 reais em pães e os outros 5 reais em outra mercadoria que escolher".
Mais uma vez saí da padaria sem tomar café da manhã antes de ir para a universidade. Dessa vez, porém, em vez dos pães levei de volta, apenas, a nota de dez reais. Em 48 anos, cinco meses e 11 dias de vida eu nunca havia recebido a recusa de venda de algo a mim, com o dinheiro em mãos. E dessa vez nem a senhorinha veio interceder.
Minha teoria para a falta de troco: quem manda abrir sei lá que horas e fechar às 9? Claro, ponto comercial assim não tem circulação de dinheiro. Minha suspeita para a mesma situação de falta de troco: o leiteiro passou antes e zerou o caixa.
Minha teoria para a falta de troco: quem manda abrir sei lá que horas e fechar às 9? Claro, ponto comercial assim não tem circulação de dinheiro. Minha suspeita para a mesma situação de falta de troco: o leiteiro passou antes e zerou o caixa.
Por fim, hoje pela manhã uma equipe da prefeitura veio cortar uma árvore que fica no canteiro central, em frente à entrada do condomínio e, igualmente, quase em frente à padaria. Fui colocar o lixo na lixeira do prédio, na calçada, e deparei com a cena: homens e máquinas interditando a rua, pois as pedras (sim, aqui parte das ruas é pavimentada por pedras semelhantes a paralelepípedos) haviam sido retiradas para extração das raízes da árvore, que causavam estragos na via pública.
Fui até a lixeira e na volta eis que testemunho seo Saraiva discutindo com aquele que, parece-me, era o mestre de obras. Lamentava, o padeiro, que estava perto de fechar, ou seja, já era quase 9 horas, e havia sobrado muito pão, provavelmente porque seus clientes não conseguiam chegar até a padaria por causa da obra.
O responsável pelo serviço da prefeitura tem lá seus hormônios com pelos de sobrancelhas de Saraiva e literalmente saraivou com palavras: "pois seus clientes vêm comprar pão de que jeito, voando?".
O responsável pelo serviço da prefeitura tem lá seus hormônios com pelos de sobrancelhas de Saraiva e literalmente saraivou com palavras: "pois seus clientes vêm comprar pão de que jeito, voando?".
Ninguém riu. O silêncio pairou. Seo Saraiva virou a costas e voltou para a padaria, enquanto eu seguia meu caminho de volta. Entrei e flagrei o porteiro caindo no riso, por conta da situação. Imediatamente ouvi, em meio ao barulho de moto-serra e trator, o som da porta da padaria sendo baixada.
Às quartas-feiras não dou aulas pela manhã e, portanto, faço minha tapioca com queijo coalho para o café matinal. Demorou, mas vi seo Saraiva perder uma.
Amanhã, com certeza, vou lá, cedinho, comprar pão. Com moedas trocadas e aquele sorriso que você guarda por dentro da boca, quase gargalhando.
Amanhã, com certeza, vou lá, cedinho, comprar pão. Com moedas trocadas e aquele sorriso que você guarda por dentro da boca, quase gargalhando.
* Jornalista, historiador e professor universitário, é doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.
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