Cláudio Messias*
Esperei passar o primeiro jogo,
da zica, para me posicionar sobre a Seleção de Felipão. Não emiti opinião desde
a convocação, para não correr o risco de gorar o patrimônio futebolístico
nacional. Agora, passado o susto, entro logo de cara nos detalhes que implicam
na composição do elenco que há dias está na Granja Komari. É chato, porém
necessário. Lá na frente, daqui a pelo menos 4 jogos e no máximo 7 confrontos,
esse fator terá peso.
Na minha Seleção existe uma dupla
que é gêmea siamesa. Se Neymar é o futuro melhor jogador do mundo, Ganso já é o
melhor meia de armação em atuação no futebol brasileiro. Oscar é ótimo,
concordo, mas Ganso seria o seu substituto imediato, e não William. Revejamos o
que Neymar e Ganso já produziram juntos e chegaremos à conclusão de que o
brilho das pernas de Bernard está mais para efeito de depilação do que de
qualquer tipo de alegria. Se fosse isso, Ganso e Neymar dão felicidade ao
futebol e pronto. Quatro anos atr[as chamávamos Dunga de burro por não ter
levado Neymar e Ganso à África do Sul.
Felipão ignorou que há, no
Brasil, em franca atuação, um meia que já levou para casa o título de melhor
jogador do mundo, atribuição da dona Fifa. Se não quis levar Ganso, que tivesse
levado Ronaldinho Gaúcho. Pirlo, da Itália, anunciou a aposentadoria após o
Mundial de Seleções da Fifa. É mais velho que Ronaldinho, com quem esteve no
espetáculo de 2002, na Copa da Alemanha. Naquele primeiro título de Felipão
havia alegria, brilho, nas pernas do dentuço. Uma alegria e uma felicidade que
transcenderam o comum com o hit “deixe a vida me levar”, nop pandeiro do
craque.
Por fim, terminado o jogo
inaugural dessa primeira rodada da Copa eu comentava com meu filho, via
torpedos de celular, sobre uma situação inusitada. Felipão tirou Hulck e
colocou Bernard. Tudo bem, o campinagrandense daqui, de minha terra, não estava
bem. Mas, Bernard entrou e nada mudou taticamente. Então, fico elucubrando: e
se a Seleção tivesse Lucas no banco¿ Pois é. Ele não está nem convocado. E na
minha opinião faria o inferno na defesa da Croácia, pois foi o trio Neymar,
Oscar e Lucas que deu ao Brasil o título Sul-americano de 2010, motivo da
cobrança por uma convocação de Dunga para a Copa da África do Sul.
Chorar leite derramado, uma hora
dessa, é comportamento vão. Até porque o Brasil fez sonoro 3x1 na Croácia e
estamos com a sensação de que está tudo bem. Ignoramos que durante a semana o
treinador croata e seus craques vociferaram sobre os defeitos que, presentes no
frágil sistema tático de Felipão, eram passíveis de ser explorados nessa tarde
de Dia dos Namorados. A cada telejornal em que o primeiro gol da Copa, da
Croácia, foi marcado, observemos nas costas de quem acontece a jogada que dá
origem ao lance. Como complemento, busquemos na memória que segundo os croatas
os meios-de-campo de Brasil e Croácia se equivalem e que seria pelos flancos,
pelas laterais, pelas extremidades, o aproveitamento de fragilidades observadas
em Daniel Alves e Marcelo.
No replay, a Croácia rouba a bola
onde¿, sim, no meio do campo. E avança pela esquerda, nas costas de Dani Alves.
De forma patética a bola vai passando pela competente defesa brasileira até
resvalar, acidentalmente, no pé de Marcelo. Falha de Daniel Alves, mancada de
Daniel Alves. Os dois laterais, antecipadamente declarados como alvo da
Croácia, falharam e calaram com um silêncio que começou na Arena Corinthians e
ecoou Amazônia afora. Sim, raro e exceto leitor, nossos adversários sabem
entendem o nosso futebol. Difícil, porém, é compreender-nos. E a Croácia não
compreendeu.
O placar final de 3x1 é injusto
pelo que foi o jogo. Antes, no bolão, eu havia apostado em 1x1. Felizmente,
perdi. Mas, no resumo geral vi uma Croácia que lutará pela segunda colocação do
grupo, podendo estar à frente até mesmo do México. Camarões é, sempre, uma
loteria. E no fundamento gol, justíssimo o primeiro, de Neymar, que chutou
fraco, mas consciente. O futuro melhor jogador do mundo quis colocar a bola
naquele canto. Errou, apenas, no jeito de bater na bola. Alguma dúvida de que
na Copa de 2018 ele colocaria essa bola, com efeito, no canto superior
esquerdo¿
Não foi pênalti em Fred e,
portanto, se a cobrança de Neymar tivesse parado nas mãos do goleiro croata
teria sido feita a justiça do futebol. Magoaríamos, mas terminaríamos a noite
sorrindo da mesma forma, pois Oscar fez o que é raro. Digo isso porque somente
quem é craque sabe fazer gol de bico bonito. Oscar tinha que chutar, mesmo, de
bico, para pegar o goleiro adversário sem tempo suficiente para cair e
defender. Creio que esse terceiro gol, que sacramentou o placar definitivo e
eliminou a choradeira croata contra a péssima arbitragem japonesa escalada pela
Fifa, será repetido e eternizado pela história das Copas, dada a genialidade da
visão de jogo de Oscar. Tem muito jogador que daqui, de fora da área, tentaria
cortar o zagueiro pelo meio e, ao chutar, consagraria o goleiro adversário, que
taparia o ângulo.
A cada substituição feita por
Felipão nos 90 minutos eu observava as opções de banco e dizia comigo mesmo:
meu Deus. Ter Jô como opção a Fred é de chorar. Felipão olhou para o Atlético
Mineiro e viu Bernard e Jô. Só faltou levar Cuca para ser seu auxiliar técnico.
Ignorou Ronaldinho Gaúcho para levar essa dupla que até jogou alguma coisa na
Copa das Confederações. Mas, Copa das Confederações e campeonato estadual são a
mesma coisa. Rendem boas disputas mas não valem nem o cachorro-quente que se
come. É como ser eleito síndico do condomínio e já sentir-se vereador eleito.
Daquela Seleção de um ano atrás
vejo Luiz Gustavo calando minha boca. Não é melhor que Fernando, cuja falta de
visibilidade o colocou no ostracismo de tal forma que, agora, nesse momento,
nem sei em que time encontra-se. Quando estava no Grêmio só não era melhor
volante que Paulinho, apesar de as posições serem inversas (é mais defensor,
enquanto Paulinho, Hernandes e Ramirez são mais armadores). Mas, Luiz Gustavo
tem algo a mais do que aquele ridículo bigode da década de 1920, que faz
lembrar Ataulfo Alves. Equilibrado, é ótimo marcador, comete menos falta que
seus concorrentes e é um Einstein se comparado a Felipe Melo, o troglodita.
Vi Kaká na beira do gramado e
realmente, nessa Seleção, com a ausência de Ganso e Lucas, o menino bonitinho
só poderia, mesmo, estar ali, na beira do gramado, pegando bolas. É cria da
enganação que, partindo de Galvão Bueno e Casagrande, o péssimo, um dia fez o
Brasil acreditar que haveria um tal quadrilátero fantástico. Até que o Brasil
caiu realmente de 4 quando Roberto Carlos baixou para ajeitar o meião e quando
ergueu a cabeça a França estava classificada e o Brasil, voltando para casa,
desde a Alemanha. O mesmo quarteto fantástico que afundou Ronaldinho Gaúcho,
pois colocou dois jogadores da mesma função – ele e Kaká - para se matar, em
credibilidade, no mesmo espaço de gramado. Só na cabeça de Galvão Bueno, que
tem barulho de carburador, aquilo era viável.
O goleiro Júlio César não
comprometeu, mas também não foi tão exigido. Entendo que o goleiro croata tenha
sido mais exigido com jogadas de gol real. Sobre a defesa como um todo, sem
comentários. David Luiz e Thiago Silva são os melhores em atuação na Europa. E
contam com a guarnição perfeita de Luiz Gustavo e Paulinho, que fecham o meio e
dão fundamento às pertinentes observações preliminares da Croácia. O negócio
fica comprometido quando Daniel Alves, que já não é mais o mesmo – e isso é
normal –, e Marcelo falham. Repito: revejamos o gol croata e perceberemos o
quão frágil estão nos nossos flancos.
Afora isso tudo, lamento que
Hulck tenha sido pouco explorado. Tem explosão muscular, volta para marcar, é
guerreiro e sabe bater na bola. A questão é que nesse sistema tático do
Felipão, de 4>2>3>1, Hulck joga ao lado de Neymar e Oscar, mas como
ajuda na proteção para as investidas de Paulinho, quando recebe a bola não tem
condições de finalização. E trata-se de um atacante, que poderia estar ao lado
de Fred na frente, desde que Paulinho não fosse um volante de armação com
incumbência de finalização. Até porque o saldo, hoje, foi Paulinho tendo mais
chances de finalização que Hulck.
Fred, apesar de lento, é um mal
necessário. Ainda mais em uma Seleção que apresenta, no banco, a opção de Jô,
que representa troca de seis por meia dúzia. Há poucos centroavantes em atuação
no Brasil. E Fred é, de sobra, o melhor deles. Minha segunda opção seria
Leandro Damião, mas isso representaria igual troca de nada por coisa nenhuma.
Digo isso porque, repito, um ataque com Neymar, Lucas e Oscar, com Ganso
armando pelo meio, caberia perfeitamente como segunda opção caso Fred não
entrasse bem nos confrontos. Enfim, Fred, pelo que fez e tem feito nos últimos
4 anos, é merecedor da camisa 9.
Felipão continua não escapando da
minha crítica. Sim, reconheço que seja melhor opção em relação a Mano Menezes,
pelo que produziu em tão pouco tempo de comando. Mas, falou hoje e foi salvo
por ocasiões individuais. A Seleção nada melhorou com as alterações feitas pelo
treinador. E se Neymar fez gol em pênalti duvidoso, Oscar selou o placar de 3x1
mediante uso de sua individualidade e genialidade. As saídas de Hulck e
Paulinho reduziram o potencial marcador do time. Basta ver que Hernandes, que
sempre passa peças em Copa, levou cartão amarelo em menos de 15 minutos dentro
de campo, ao passo que Paulinho saiu do jogo sem punição.
Terça-feira a Seleção joga suas
cartas contra um adversário a meu ver mais frágil que a Croácia. Continuo vendo
os croatas como uma das forças futuras do futebol, pela competência com que
entendem taticamente seus adversários e pela força com que assumem seus jogos.
Não vai demorar muito e começarão a ganhar títulos na Europa, passo inicial que
seleções como a de Portugal galgaram. Portugueses treinador pelo mesmo teimoso
Felipão, hoje incapaz de ver que seus adversários o entendem o suficiente para neutralizá-lo
taticamente. O que sobra ao treinador brasileiro é, tal qual Mano Menezes, fica
à beira do gramado mais preocupado em reclamar de arbitragem do que
necessariamente corrigir seu time.
O México depende de nomes
isolados para sonhar com uma boa Copa. Tende a tomar sustos contra Camarões
amanhã. Prefiro, pois, aguardar esse confronto para dizer sobre as chances de
cada uma das três seleções ocupar a segunda colocação do grupo, atrás do
Brasil. Com a derrota da Croácia, hoje, o México pode ser uma das
classificadas. Dependerá, pois, do confronto direto que terá com os croatas na
segunda rodada, semana que vem. Meu palpite no bolão, para amanhã, é México 2x2
Camarões.
*Professor universitário,
historiador e jornalista, é mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela
ECA-USP.
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