segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

MUNDÃO AFORA - A condição inconsistente do anonimato

Cláudio Messias*

Final de semana passado fiz o trajeto de retorno a Assis. Estou, pois, no sentido inverso de uma tendência migratória que caracterizou principalmente a primeira metade do século passado.Um paulista que sobe até o Nordeste para terminar de construir a vida. Ou, como definem alguns provocativos amigos que fiz na minha Campina Grande, um 'sudestino' metido a besta, visse?!

Estou em terras paraibanas desde abril. Para lá vou, em pesquisa científica, desde 2010. E nesses últimos 8 meses o que mais tenho feito em se tratando de gestão da vida pessoal é buscar meios alternativos (leia-se opção de baixo custo) nas minhas vindas e idas. Sim, éramos um país emergente, cuja classe C descobria o transporte aéreo, antes da Copa do Mundo. Depois, fomos fisgados e nos tornamos reféns de preços absurdamente incompatíveis com a realidade sócio-econômica de determinadas regiões.

Se antes eu embarcava e depois desembarcava em Campina Grande, quando muito deslocando voo até Presidente Prudente, agora faço uso do veio turístico que leva passageiros do Sul para a mais procurada praia do Nordeste, ou seja, o trecho Londrina-Recife. Sair do Aeroporto Internacional de Guararapes e descer em Londrina custa, em média, R$ 400. Sair de Campina Grande e descer em Marília, R$ 1000.

Partir por Recife custa alguns, digamos, inconvenientes. Se o voo parte à tarde, tenho a opção do transporte alternativo que por R$ 50 leva-me da porta de minha casa, em Campina Grande, ao portão principal do aeroporto de Recife. Mas, se o voo sai de madrugada, aí só resta chegar à capital pernambucana de ônibus, pagar táxi (R$ 50, em média) até o aeroporto e por lá pernoitar à base do improviso, nem que isso custo torcicolos e demais lesões de coluna cervical. Ok, você, raro e exceto leitor, deve estar perguntando por que, então, não hospedar em um hotel em pernoite. Explico: a questão é reduzir custos e, se hotel eu pagar fosse, aproximaria dos R$ 1000 que representam o valor da passagem partindo de Campina.

Aos poucos a família vai conhecendo minha rotina paraibana, que alguns definem como saga. Nos últimos 15 dias compartilhei meu dia a dia com Júlio César, meu filho mais novo. Primeiro, fomos a São Paulo, onde participei de evento que reuniu pós-graduandos da ECA-USP, onde faço doutorado. De lá, partimos para Campina Grande, uma vez que as passagens foram adquiridas em rara promoção da Azul Linhas Aéreas. Julião foi, então, comigo à universidade, assistiu parte de minhas aulas, conheceu essa nova realidade de meu mundo e provou da culinária e da cultura campinenses, além de sentir literalmente na pele a complexidade de um clima em que à tarde sofre-se com calor de até 35 graus, mas à noite acalenta-se corpo e alma com uma brisa que muitas vezes faz sudestinos como eu dormir ao menos com um lençol em pleno mês de dezembro.

No retorno de Campina Grande a viabilidade de preços fez com que partíssemos de Recife. Com atividades na universidade encerradas, nos deslocamos para a capital pernambucana na quinta-feira, 18. E no dia 19 reservamos um dia para fazer turismo em Olinda. Faço questão de levar familiares e amigos a Olinda, falando mais alto meu lado de historiador. Ali está o legítimo surgimento de tudo no Brasil, pois em 1525 já havia o primeiro mercado de mão-de-obra escrava da nova terra, recém-'descoberta'. Somos um país, uma nação negra, e infelizmente resistimos a essa herança não só genética, mas, principalmente, cultural. Em Olinda eu sinto-me no meu berço de origem.

Subindo a Ladeira da Misericórdia, rumo à matriz da Sé, eu e Júlio avistamos, no meio do caminho, uma figura que, sentada à calçada-escada, à direita da ladeira de pedras seculares construída com a força e o suor de negros, tocava violão. Um homem com óculos de lentes redondas e escuras, à Johnn Lennon, vstindo macacão marrom, de veludo, fazia do pedaço o que definia como sua loja. Era Plínio Varjão, um desses sujeitos que o mundo acolhe por conveniência, rejeita por protocolos. Um artista da vida, que nega ao capitalismo mas não deixa de vender CDs de autoria própria por R$ 20. Uma figuraça dessas com quem você, aproveitando para descansar as pernas que 'formigam' pós-escalada da ladeira, conversaria horas a fio, desde que a entendesse, claro.

Plínio não vive nesse mundo de Deus. Somente seu corpo está aqui presente. À base de representações, vê uma realidade distante, porém interessante. Na presumível condição em que compôs as 12 músicas de seu CD, o segundo de sua carreira, encontrou-se principalmente com Raul Seixas, em sua própria definição. Mas, suas divagações mostram outros encontros e reencontros surreais, como Janes Joplin, Bob Marley, Cazuza e Renato Russo. Passa um guia turístico por nós, acompanhado por um grupo de desinformados sujeitos que não são dali, e lança a provocação de que Plínio Varjão é um primo não reconhecido de Alceu Valença, o olindense famoso por ter banheiro que, sem telhado, permite contemplar o céu na mais comum das condições humanas. E eu acredito.

Plínio visivelmente mente sobre algumas circunstâncias de sua vida. Mas, a mentira só é proferida quando o protagonismo abre brechas sobre eventual desconhecimento do tema em questão. E o assunto, naqueles minutos de conversa, giraram em torno de uma representação da realidade que realmente não condiz aos parâmetros que eu tracei e traço para o meu caminho. E, como diz meu professor de ECA-USP, Adílson Citelli, é nesse momento que prevalece a ironia, contexto em que uma das partes não pode, completamente, compreender o enunciado provocativo. Plínio fingia dizer a verdade, eu fingia acreditar.

Na companhia de Júlio fui até um restaurante de nome Art Grill, para comer o melhor camarão alho-e-óleo do planeta. Não pelo prato em si, mas pela vista para a baía de Recife, tendo ao fundo as 'torres gêmeas', o porto e, mais próximo, o cenário que permanente e eternamente serve de inspiração para as composições de Plínio Varjão. Um negro que não vive nessa realidade e busca fuga a partir das representações de estado de arte. Um homem que carrega o orgulho nordestino no sangue, uma vez que baiano de nascença é. Um artista que só conhece o hoje, mente sobre o ontem, mas que, não tenho dúvidas, é um sério parâmetro sobre o que pretendemos, por opção, ser amanhã. Porque anônimo,mesmo, é aquele não é conhecido por si mesmo.






*Professor universitário, historiador e jornalista, é mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela ECA-USP.

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