*Cláudio Messias
Não canso de registrar, aqui, meu desconforto com a total ausência de opções matinais de atualização factual sobre o cotidiano de Assis, a cidade a que denomino Sucupira do Vale desde os primórdios meus no meio rádio. E, sim, minha crônica de hoje remete ao meu início no rádio, lá pelos idos de 1984, quando era aprendiz de técnica externa na Cultura AM.
Tenho segundo domicílio em Campina Grande, Paraíba, desde 2014, quando ingressei concursado como docente na Universidade Federal homônima à cidade. Dez anos buscando online, formalmente, notícias sobre a Sucupira do Vale e seus arredores. E nesses dez anos, é claro para todos que igualmente querem saber sobre a cidade, a escassez de conteúdos informativos é uma das vergonhas que os meios de comunicação deveriam reparar. Uma vergonha que não para de aumentar.
Creio que não seja o único que nem bem clareou o dia já acessa os tais sites de notícias. E esse hábito, aqui em Campina, é precoce em relação a quem está aí, pois por volta de 4h30 já tem claridade no céu e às 5h00 já tem luz solar. Preparo meu café, ajeito coisas da casa e, então, ali pelas 7h00, já estou ávido atrás de notícias.
Também tenho certeza não ser exclusividade minha, nos últimos anos, ler sobre sepultamentos do dia em Assis e região. Quem diria que eu faria, hoje, o que ironizávamos e mesmo ríamos, nos bares de Assis em que a imprensa se reunia lá pelos idos de 1990, o episódio em que o saudoso Luiz Luz, depois do giro informativo das 16 horas em um certo dia da década de 1980, anunciou na Cultura AM uma nota de falecimento da Funerária Santa Rosa, equivocadamente não retirada da papeleta da mesa de estúdio. No ar, o "voz de veludo", também chamado de "malvadão" devido ao programa Caso de Polícia que aparesentava, leu que determinada pessoa seria sepultada exatamente naquele horário, 16 horas, mas o adiantado da hora mostrava ser por volta de 16h10. Luiz, no improviso, sacou que "se o ouvinte se apressasse ainda pegaria o féretro a caminho do cemitério municipal". Virou, também por essa, lenda na história do rádio assisense.
Se não se tem notícia factual logo pela manhã, hoje, ao contrário do que nos serviam gerações consagradas do rádio nas manhãs concorridas de Cultura AM e Difusora AM e os diários Gazeta de Assis e Voz da Terra, pelo menos temos, não com tanta regularidade, as tais notas de falecimento em sites de notícias que estão longe, mas muito longe de representarem a importância, do passado, da região de Assis no protagonismo do jornalismo investigativo do interior de São Paulo.
Meu vício de acesso a esses registros obituários é o Jornal da Segunda, versão online. Reinaldo Nunes, o Português, se vira no avesso para dar conta de peneirar as informações que vão ao site e às resistentes páginas impressas do JS, publicação da qual já fui colaborador. E foi no JS, ontem, dia 18, que soube da morte de uma pessoa que faz parte da minha história inicial no rádio de Assis.
Como disse, fui observador, aprendiz, na Cultura AM no ano de 1984, sendo preparado para ser técnico de externa na equipe de esportes chefiada por Jairo dos Santos e Chico de Assis, ajudando, eu, Miguel Marques e Maurílio Siqueira. Passei para aprendiz de técnica de som no ano seguinte, 1985, capitaneado por José Carlos Domingos, o Pé na Cova, no AM, e por Manuel Martinez, no FM. No mesmo ano tive a primeira oportunidade de ser aprendiz de redação junto com Maria Sílvia Gomes, a Silvinha, e Valdir Pichelli, respectivamente nos informativos do FM e do AM.
Em 1985, quando passava de aprendiz a técnico folguista na Cultura FM conheci Rominha. No documento, Edson Wagner Roma, nome a que tive acesso no obituário do Jornal da Segunda Online. Rominha era locutor da Cultura FM no horário do almoço, e aos finais de semana me passava o posto para os programas gravados ora por Eduardo Camargo Neto, o Camarguinho, ora por Beto Balanço, ora por Peninha Black. Em outras ocasiões, essa troca de horários ocorria em turnos diferentes.
Rominha era um gentleman. Não recordo de uma situação em que o vi ser grosseiro ou, digamos, politicamente incorreto. Extremamente polido, empático, era de uma educação inigualável. E isso era percebido no estúdio do FM, no escritório da emissora, nas reuniões capitaneadas por Camarguinho para planejamento de promoções e eventos sazonais para as 4 estações do ano, em especial ao verão. Creio que seja uma unanimidade, hoje, essa definição da parte de quem conviveu com ele, seja qual for o ambiente, e independente de ele ter partido aos 73 anos de idade.
Sabedor de que eu estava começando no meio rádio, Rominha era um legítimo professor. Nas primeiras vezes em que mantive a rádio no ar ele, apesar do horário avançado do almoço, ficou algo em torno de mais de uma hora comigo, me acompanhando, justamente para me dar a necessária segurança de manter os protocolos técnicos. Eu havia ensaiado, sim, pilotar algumas vezes sob supervisões de Manoel Martinez, mas naquelas primeira vezes seria tão somente eu, as gravações e a mesa de som para a principal emissora FM da região estar no ar dentro dos padrões roteirizados, e Rominha me respaldou.
No mundo do trabalho da comunicação definimos Rominha como aeronave, eu, planador. E até eu ganhar voo autônomo, seguro, no comando da central técnica, foi a mão dele que me segurou.
As informações sobre a morte de Rominha são, vejo e leio, incompletas. "Lide" no jornalismo, pra que, afinal? Mas, convenhamos, as razões de uma morte não a reverte, de maneira que a dor da perda de mais um amigo, pesa. Pra mim, nos meus compartimentos de memória, Rominha tocava, naquela época de meu início, no Jet Boys. Mas a banda atribuída a ele, leio, é outra, ao lado de competentes como Serginho e Bagá, que são meus prâmetros em comum pois um dos meus últimos reencointros com Rominha foi no bar Almanaque, pra mim um dos ambientes de bar conceitual mais importantes da história de Assis. E isso foi lá pelos idos de 1996, num happy hour que fiz com o propagandista Marcelo Gardim.
Rominha, a essa hora, deve ter sido sepultado em Rancharia, segundo o obituário. Com ele, se vai meu parâmetro, em início de carreira, de comunicador que, aos meus olhos, balizava a ética comunicativa. E não me refiro a uma ética da moral, mas, sim, a uma ética da estética comunicativa em que forma e conteúdo se juntam na materialidade resultante de um protagonismo capaz de, no rádio, apresentar um repertório de músicas criteriosamente selecionadas por Toninho, o carcereiro em que horas de folga era discotecário do FM, e mediadas por um conhecimento, em forma de arte, pelo locutor Rominha q ue fazia... música.
Eu, aprendiz, convivia com Rominha querendo entender, com meus 15 anos incompletos, que o meio rádio, ou seja, na amplitude disso que reflito, o mundo do trabalho da comunicação, fosse composto, em sua essência, por pessoas dessa empatia. Mas, hoje, passados, pasmem, 40 anos, quando olho pra trás, já no pêndulo decrescente da vida, o que enxergo são poucos Rominhas. Talvez, quase certeza, eu mesmo não me veja, na metáfora do espelho reflexivo, como um Rominha nessas minhas quartro décadas de comunicação.
* Jornalista, historiador, mestre e doutor em Ciências da Comunicação, professor universitário.
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