Cláudio Messias*
FALANDO CONS(M)IGO - Em uma década e meia usando essa plataforma já construí amizades, destruí amizades e preteri "amizades". Construí amigos/as no meu amplo ecossistema de vivências cotidianas, destruí relações com amigos/as pelo fanatismo futebolístico e preteri pessoas a quem havia estendido a mão da amizade ,as recebi em troca traição, falsidade, apunhaladas pelas costas. Algumas dessas pessoas eu excluí, dada a impossibilidade de tê-las ali naquele link de "amigos", por sua incompatibilidade com a descrição que a plataforma dá, outros/as aqui estão, na tênue linha que separa colega de amigo/a.
Quem me conhece o suficiente para ter-me como amigo sabe de minha sinceridade, perfil de minha personalidade que constrói, sim, relações, mas, quando destrói... E dessa característica que por uma ótica pode ser virtude mas por outra pode ser defeito tem saído um comportamento, nos últimos anos, de distanciamento das redes sociais. Um certo cansaço de ver o quão as pessoas necessitam, muito antes da pandemia, mostrar a outrem coisas legais de seu cotidiano, como uma nova oportunidade de emprego ou mesmo o início de uma relação amorosa, mas coisas fúteis e profundamente desnecessárias como um prato, intacto, preparado a partir de uma receita vista na internet. Sei de casos em que primeiro veio a foto e depois o primeiro beijo de uma relação e, daí já é um saber coletivo, de inúmeros casos em que primeiro veio a foto e depois o provar/degustar do primeiro pedaço de um bolo. O/a novo/a companheiro/a pode ser, no delongar da vida, uma péssima escolha, mas aquela primeira foto já mostra um amor em chamas, prenunciando um "que dure para sempre". Igualmente, o bolo pode ter ficado massudo, carregado no açúcar, uma verdadeira porcaria, mas a foto, linda, deu água na boca das inúmeras pessoas que comentaram: "quero aprender fazer quando for aí", "pena que ainda não conseguimos sentir cheiro e sabor pela internet" ou "ficou mais bonito do que o que a minha avó faz".
A canseira gerada de expressões, via redes sociais, relacionada ao cotidiano nos faz distanciar de pessoas que quando adicionamos ou fomos fomos por elas adicionadas a grupos de "amigos" proporcionaram aquela sensação de desterritorialização das relações interpessoais que as mídias sociais proporcionaram. Pessoalmente, depois de anos de vivência, você nunca brigou ou discutiu, ou, se assim o fez, nunca rompeu amizade com essas pessoas. E a presença delas no cotidiano, por mais não frequente que fosse, transmitia a paz que as amizades verdadeiras propiciam. Mas, no polarizado mundo contemporâneo que destruiu amizades pela política e, agora, respinga com igual ácido nas acepções individuais sobre os caminhos que levarão ao controle gradativo do Coronavírus, você abre as redes sociais e lá estão as posições. Inevitável, nesse ínterim, não pensar consigo mesmo: como pode fulano/a ter um posicionamento desse?
Nas recentes festas de fim de ano, dentro de um controle de circulação de familiares que rigidamente gerenciamos (8 pessoas por encontro, sob todos os protocolos de higienização) reencontrei parte dessas pessoas a quem chamamos de amigos/as por serem da família e advirem de longa relação, direta ou indireta com nossos patriarcas e matriarcas. E o que vi, em um ou outro caso, felizmente, com essa baixa proporção, foram manifestações que seguem a onda que tanto combatemos e que tanto predomina nas redes sociais. Nem me refiro a fake news, pois esse conceito, poroso, já desfragmentou-se e a nossa ciência da comunicação precisa avançar no virar dessa página precipitada de atribui à audiência a produção de conteúdos falsos que a hegemônica mídia
protagoniza desde Gutenberg. Minha acepção, aqui, condiz a essa cultura factoide de advém da capacidade humana de, na comunicação, como disse Maria Aparecida Baccega, editar-se a visão de mundo. As pessoas estão editando a própria realidade a partir do que "ouvem" de seus igualmente reduzidos grupos de amizades em redes sociais. E quando enunciam algo, fazem transportando pontos de vista. Não têm aquela opinião porque a célere velocidade de fluxo de informações que superlota dispositivos de armazenamento, que precisam ser limpos em tempo cada vez mais curto, não permite parar para pensar, para refletir.
Isso me faz recordar uma cobertura de jogo que fiz em 1996, quando o Palmeiras venceu o Corinthians pelo Campeonato Brasileiro em Presidente Prudente. Eu lá estava como repórter do hoje extinto Oeste Notícias, impresso. Mirandinha, centroa-avante do Corinthians, saiu em disparada do meio de campo e foi em direção a Veloso, goleiro do Palmeiras, a quem driblou com u corte lateral para a esquerda. Um jogador, cujo nome não recordo, estava sozinho em frente ao gol e Mirandinha, na lateral, só precisaria passar-lhe a bola. Mas, não. O atacante continuou correndo, saiu com bola e tudo pela linha de fundo e a derrota de seu time por 1x0 estava consolidada. Na coletiva, perguntado pelos repórteres de rádio, sobre o porquê de não ter passado a bola ao companheiro, o atacante do Corinthians responde: "eu só consigo fazer uma coisa; ou eu corro ou eu penso".
Mirandinha nunca foi meu ídolo no Corinthians, dada a fartura de nomes que passaram pelo clube, inclusive em sua posição (citar Ronaldo Fenômeno, reconheço, seria covardia de minha parte). Mesmo assim, o respeito sobremaneira pela forma espontânea e sincera com que definiu aquele que é o comportamento de massa: faz-se sem pensar, e é melhor fazer do que correr o risco de, ao refletir, tomar as decisões dentro de uma razoabilidade.
Estou, pois, aqui, a falar comigo mesmo. Desde minha infância falo sozinho. E aperfeiçoei isso quando transitando do mestrado para o doutorado na ECA/USP, descobri pelo amigo Alan a meditação como recurso de gestão do meu eu. Dialogar com você mesmo é uma delícia, principalmente quando uma parte de você não concorda com a outra parte. Sim, nossa mente também fica contagiada pela polarização, mas é dessa interação díspar que sai a racionalidade das nossas ações.
Volta e meia, logo, estarei aqui de volta com uma postagem ou outra, já que desde ontem estou de volta a Campina Grande, preparando para repassar a coordenação de meu curso a outro/a colega, em fevereiro, e debruçar-me mais e melhor nas minhas pesquisas e meus pupilos de orientação científica. Cada linha escrita aqui é para mim, dentro do meu falar comigo mesmo, sem a mínima intenção de agradar ou desagradar outrem. Minha máxima continua sendo a mesma: o Facebook pode adestrar seus usuários para o que deva ser consumido, mas a opção de ler ou não postagens como a minha está dentro da autonomia do livre arbítrio de cada um.
Se eu não leio nem visualizo o que a ampla maioria posta aqui, por que me sentirei ou me sentiria afetado ou triste se ninguém ler, curtir ou comentar o que exponho? Como ocorreu em 2018, após o segundo turno das eleições, quando solicitei que "amigos" daqui me excluíssem das listas por não estar alinhado ao que as urnas escolheram, de novo, me excluam de seus perfis. Não há como saber quem assim procedeu e, mesmo que houvesse, com certeza, eu jamais iria atrás para saber disso. Nas eleições presidenciais de 2018 tive mais de 600 baixas, entre pessoas que me excluíram e pessoas a quem excluí.
Esse número pode baixar para 200 ou 20 ou 2. Minha preocupação com isso é tamanha que nesse exato momento não sei nem quantos "amigos" tenho aqui.
Se ficarem 200, 20 ou 2, o que importa é que haja amigos. Os/as amigos/as que tenho, e eles/as sabem muito bem disso, eu prezo, cuido, com a mesma delicadeza com que todas as manhãs coloco água nas plantas, água ração para os passarinhos livres na jabuticabeira de casa. Amigos/as legítimos são como as gatas que temos; quando estão perto de nós, ronronam com a nossa presença, pois, sabem, a acolhida é certa.
* Professor universitário, é doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.
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