sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

E agora, prefeito, como está o nosso dinheiro em Assis?

Cláudio Messias*

Já disse cá, nesse espaço de elucubrações, que assisti, bloco e caneta à mão, os prefeitos Zeca Santilli, Romeu Bolfarini, Carlos Nóbile, Ezio Spera e Ricardo Pinheiro assumindo seus mandatos, na prefeitura de Assis, lamentando que os cofres do município estavam esgotados o suficiente para inviabilizar grandes investimentos em primeiro ano de mandatos passados. Desses citados, Zeca e Ezio tiveram dois mandatos. O primeiro reclamou do antecessor Bolfarini enquanto o segundo reclamou dele mesmo, uma vez que foi, entre os mais complexos ineditismos que caracterizaram sua passagem no Poder Executivo local, o primeiro da história a ser reeleito pelo voto direto, democrático, do povo.

Ouvido de jornalista, nesses momentos de início de mandato, assemelha-se a divã de psicanalista ou ao recluso de confessionário. O chororô é o mesmo, repetitivo, como se aquele mediador entre fato e notícia suficiente fosse para convencer a opinião pública de que comandar uma Prefeitura não é uma ação necessariamente caracterizada por investimentos feitos a partir de cofres que transbordam notas de cem reais. Vontade tivemos e temos de, bloco e caneta no bolso, olhar para a cara desses sujeitos eleitos pelo voto popular e perguntar: "mas o que você esperava encontrar em um município do interior, cravado no sertão de um país que há décadas ensaia engrenar como nação em desenvolvimento?".

Exatamente um ano atrás a equipe de transição Ezio/Ricardo encerrava os trabalhos. O prefeito eleito já sabia o tamanho e a grossura da broca que lhe furara o tronco. E, se candidato, imaginou que esse tronco era aroeira, acordou do sonho tendo em mãos um mero eucalipto. E, sabe bem o prefeito dos 15 mil votos, nem tratado o eucalipto dura o quanto se imagina. Começa a apodrecer na base e, em um vacilo mínimo, faz toda a estrutura cair. De olho, portanto, no tronco dessa gestão.

Na base da boca maldita muito se falou um ano atrás. Cá, na redoma do universo paralelo de quem não vive o dia a dia da política local, chegaram tantas suposições relacionadas ao dinheiro público que cheguei a imaginar out-doors nas rodovias que cercam Assis, com os dizeres: "vende-se". Afinal, é isso que um gestor faz quando vê que o negócio não vai mais pra frente e que é melhor vender do que fechar, para não ficar com o prejuízo total. Ouvi falar de fazenda de R$ 250 milhões comprada em Mato Grosso, condomínio de luxo construído fora de Assis e até mesmo de frota de helicópteros na capital paulista. Tudo fruto daquilo que justificaria o tal rombo de R$ 25 milhões nos cofres públicos. Assis estava falida e mau paga, com adaptação do trocadilho.

Acreditar em boatos é dar tiro no escuro. A especulação nasce em mentes mal-intencionadas e atinge o alvo mediada por jornalistas que ora assinam releases, ora não tiram a bunda da cadeira das redações para verificar a veracidade daquilo que foi plantado em sua tenra cabeça. Um amigo de mestrado na USP pesquisou nos fóruns da cidade de São Paulo os processos movidos contra jornalistas e empresas de comunicação. Mais de 75% das ações nascem de partes que se dizem prejudicadas pela divulgação de atos que elas não cometeram. Pior, quase a totalidade das ações perdidas por jornalistas e empresas de comunicação tiveram origem em notícias relacionadas a fatos que nunca existiram. Ou seja, não praticou-se o jornalismo na forma como as Ciências da Comunicação assim concebem.

Mas, quase um ano atrás, o rombo nos cofres da Prefeitura de Assis não eram fruto de rumor como esse que só atrapalha a já sufocada Justiça. A fonte era mais que primária, pois o prefeito Ricardo Pinheiro veio a público para anunciar medidas de austeridade que no mais curto prazo possível colocassem o município nos eixos, próximo da normalidade. Funcionários da inchada folha de pagamento da Prefeitura estavam com salários atrasados, com benefícios não recolhidos e a máquina pública enferrujava-se sem o vívido lubrificante chamado dinheiro. Aliás, dinheiro tinha, sempre tem e sempre terá. O que faltou, falta e talvez sempre faltará é competência para geri-lo.

O ano de 2013, tido por numerólogos, tarólogos, vagólogos e outros tipos de ólogos possíveis como um ano que pode ser negativo ou positivo por sua terminação 13 (como se outra possibilidade houvesse entre positivo e negativo no universo esotérico), começou deixando a todos com a sensação de que coisas boas não viriam no primeiro de quatro anos do prefeito Ricardo Pinheiro. E não vieram mesmo, pois apesar de ter escolhido uma médica para ser sua vice ele viu, vê e pelo jeito vai continuar vendo o pronto-socorro sendo porto de passagem para pacientes que lá chegam vivos, em emergência, e de lá mortos saem, sob os mais diversos tipos de acusação. Mas, coisas boas vieram também e isso salvou o primeiro round de uma luta prevista para durar quatro assaltos.

A parceria com a Polícia Militar, anunciada logo no início do mandato, levou a presença do Estado a recantos que careciam de investimento do gênero. Não, Assis não ficou menos violenta, não está menos violenta e com certeza não ficará menos violenta. O que estou falando, apenas, refere-se à representação do Estado em territórios onde o caos começara a estabelecer-se. Em uma situação totalmente distinta, mas passível de ser imagética, uma viatura dentro do Parque Buracão e uma UPP nos morros do Rio assume um mesma representação. Quem é usuário do Parque, em Assis, sabe bem do que falo.

Há um grande investimento sendo feito em educação e isso não chega aos ouvidos ou aos olhos dos 97 mil habitantes da cidade que sonha ter mais de 100 mil assisenses. Tal qual canos de água e redes de galeria pluvial, ocultos debaixo da terra, sala de aula tem quatro paredes que só alunos e professores veem. Quantitativos, contabilizamos quantas escolas um prefeito inaugura, porém não reconhecemos ou fingimos desconhecer que uma nova sala de aula erguida em escola velha é tão ou mais importante do que construir uma escola nova, pois atende a uma comunidade escolar já constituída por corpos docente e de gestão inteirados com o saber ali estabelecido. Construir uma escola é física e financeiramente fácil. Quero ver levar qualidade ao ensino ali, naquele recinto. Esse qualitativo depende de fatores vários, que vão de uma remuneração condizente à valorização que educadores merecem a uma infra-estrutura que contemple as políticas públicas previstas em forma de parâmetros curriculares nacionais, estaduais e do próprio município. E isso, meu amigo, aqueles que são eleitores, pais de alunos e jornalistas não veem. Esses três sabem, sim, xingar a escola, o professor, o estado, o município e a presidente da República quando os números locais são comparados com os parâmetros internacionais e mostram resultados que o hegemônico mundo dos tidos países desenvolvidos aponta como negativos. Sabemos xingar a educação, mas não temos sequer a cultura de ir a todas as reuniões de pais de alunos convocados pela escola para falar de nosso filhos. E se não vamos à escola, não vemos em primeira pessoa o terreiro de formação de nossas gerações futuras, vamos criticar o quê?

Enfim, a educação vai bem nesses primeiros meses, só que, Ricardo Pinheiro e quem estuda ou está diretamente envolvido com o ensino sabem, os resultados virão depois que esse mandato terminado estiver. Daí a mão à palmatória de todos, de maneira a reconhecer que o que colocou Assis na condição de 28ª melhor cidade do Brasil para se viver não foi Ricardo Pinheiro, mas, sim, Ezio Spera, Carlos Nóbile, Romeu Bolfarini e Zeca Santilli, que décadas atrás iniciaram investimentos que sempre fizeram de Assis um modelo nacional de desenvolvimento da educação. Para quem tem memória curta cito o exemplo do Projeto Recriança, da década de 1990, cujo modelo foi adotado por Cuba, e o Semearte, que deu origem de gestão à atual FAC.

Com as últimas gotas de 2013 passando pela cânula, que o prefeito dos 15 mil votos, antes de arquivar a agenda de seu primeiro ano de mandato, regresse às páginas iniciais e encontre a data exata da entrevista coletiva que convocou para, mediante a ouvidos de jornalistas portando bloco de papel e caneta, divulgar à cidade a situação financeira da Prefeitura. Que o povo tem memória curta todos sabemos, assim como reconhecemos que esse mal é brasileiro, e não uma exclusividade de quem mora na Sucupira do Vale. De boa valia será, contudo, que o próprio chefe do Executivo, agora presidente do Civap, preste as mesmas contas à população. Se havia caos, o que há agora? Exatamente um ano depois irei esperar por essa coletiva.

Uma ótima oportunidade de iniciar o ano da Copa do Mundo em estreito diálogo com a população que em partes o elegeu, Ricardo Pinheiro. Afinal, o agir público é guiado pela opinião pública e gestor nenhum fica satisfeito quando sabedor é de eventual rejeição do todo a seu trabalho. Arrisco dizer que numa eleição, hoje, Ricardo Pinheiro teria mais do que 15 mil votos, uma vez que seu trabalho já pode ser visto e deixa de ser uma hipótese na cabeça dos eleitores. Prestar contas sobre como está o meu e o seu dinheiro, raro e exceto leitor, faz de Ricardo Pinheiro um prefeito que atende aos 15 eleitores que lhe confiaram voto em 2012  e contempla os demais que ou votaram em outros candidatos ou simplesmente não votaram. Até porque ele governa para todos e não para poucos.

*Professor universitário, historiador e jornalista, é mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.


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