Cláudio Messias*
Estou, tenho dito, há 10 anos fora de Assis, profissionalmente. Do jornalismo migrei para a docência no ensino superior público. Pesquiso academicamente, pois, o mundo do trabalho por onde andei por mais de duas décadas.
Meu domicílio eleitoral continua sendo Assis, na, sei, incompreendida situação de ter local de trabalho no brejo paraibano e residência familiar no interior paulista. E cá estive, na Sucupira do Vale, para repetir o ato de cidadania que entendo como mais legítimo, qual seja, o voto.
E passado o pleito, divulgados os resultados formais finais em impressionantes 2 horas corridas desde o encerramento linear de votações em todo o Brasil, vejo parcialmente meu depósito de voto eletrônico satisfeito. Fui um dos 752 eleitores que levaram Reinaldo "Português" Nunes de volta à Câmara Municipal e um dos 2.197 cidadãos que esperançaram ter os professores Mariana e Sanábria no comando da Prefeitura.
Em nossa família estamos acostumados a deslocamentos além divisas de Estados para vir votar em Assis. Eu, da Paraíba. Meu filho mais velho, desde Londrina. E foi levando filho e nora de volta à cidade norte-paranaense nesse domingo que, no retorno, exerci a cada vez mais difícil tarefa de acompanhar apurações de eleições ouvindo emissoras de rádio da região.
Começamos pela Voz do Vale. Conseguimos algo em torno de 20 minutos naquela frequência, que chega ao Norte do Paraná com sinal razoável, mas fomos convencidos a buscar algo melhor. Coloquei na Integração do Vale, e tocava música. Busquei a Interativa e, sim, tinha cobertura de apuração, mas de Colorado, cidade paranaense onde fica sua sede, e nada de Assis. Acionamos o 1020 AM da Cultura, e música gospel no ar. Demos um "google" para ver a frequência da Difusora agora FM, e encontramos, enfim, uma cobertura, digamos, alternativa.
Logo de cara ouvimos do âncora que a cidade de Assis tinha uma situação de votação no centro e outra de periferia, em especial no complexo Prudenciana, que historicamente sempre decidiu eleições na cidade. Em uma dessas infelizes colocações que o "ao vivo" proporciona, a região periférica de Assis seria, segundo o locutor, igual ao meu Nordeste. Aguardei para certificar que não se tratava de mais uma fala xenofóbica em dia de eleição, mas, não, era simplesmente um enunciado de quem fala de uma região do país sem o mínimo conhecimento geopolítico que, espera-se, um jornalista tenha que dispor para falar além do horizonte de seu cotidiano.
Da altura de Florínea, na SP-333, até Assis nada além de um questionável drama, no ar, relacionado a uma suposta apuração paralela de urnas na cidade, feita pela parceria Difusora/Assiscity, ora dizendo, pasmem, que a cidade teria uma prefeita eleita, sendo da área da saúde e tendo um homem como vice, condição coincidente entre o que depois se confirmou serem a prefeita eleita e a segunda colocada. Quem ouvia, sintonizava, esperando notícias sérias relacionadas ao futuro, em 4 anos, da cidade, tinha de ouvir uma baboseira que a todo momento enunciava "já já eu vou dizer quem está na frente", e outros pontos que nem merecem ser repetidos.
Um ponto comum das transmissões multiplataformas, dentro de uma perspectiva que Henry Jenckins já postulara na década passada, na perspectiva da cultura da convergência de linguagens das mídias, é ter rádios lançando seus conteúdos sonoros em ambientes de audiovisual como o Youtube. E, não raro, ocorre o que foi recorrente nesse final de tarde de domingo, com locutores e repórteres postando vídeos e enunciando algo tal qual "como se pode ver no vídeo" ou "confira na imagem", ignorando que muitos, como era o meu caso e da esposa, não tinham acesso a imagem por estarem, óbvio, ouvindo rádio.
Chegando em casa consegui encontrar a tal transmissão Difusora/Assiscity, no Youtube. Na conta da Difusora na mesma plataforma não havia nada de cobertura ao vivo. Achei no canal do Assiscity. Não era inscrito em nenhum dos dos canais. Mas, enfim, já com notebook aberto e acesso ao site do TSE, deixamos a TV aberta no Youtube, com som mudo, ou seja, em segundo plano, e passamos a ter a atualização da apuração em Assis sem depender de, em meio aos números de divulgação das urnas, esse formato de jornalismo que, sinceramente, desanima.
Com 75% dos votos apurados eu já deduzia que Português estava garantido na Câmara, dado o quociente eleitoral, e então passei a monitorar o semblante da bancada de transmissão no Youtube, visto que a antes empolgada expectativa, em estúdio, de virada de resultado a partir da periferia, não se confirmava. E o resultado final foi a derrota da situação em Assis, ou seja, a máquina administrativa não foi suficiente para manter uma gestão no poder. E a cobertura final da apuração saiu da descontraída suposição paralela das urnas eletrônicas para um melancólico desfecho de trabalhos.
Em síntese, Assis continua desacreditada com a política local, e faz muito tempo. Já fiz muito disso (levantamento detalhado de cada resultado de pleito) e não vou fazer agora, mas creio que a partir de 2000, com a primeira eleição municipal nesse novo século, mantemos a média vergonhosa de altíssimos números de votos em branco e nulo, o que é um primeiro parâmetro do decrédito da classe política da cidade. O outro parâmetro é o número de eleitores que simplesmente não foram votar.
O verador mais votado de Assis teve 2.262 votos, ou seja, foi menos votado do que o imaginário candidato "Brancos e Nulos", condição, essa última, que totalizou 3.677 votos, ou 7,16% do total. Sim, 3,6 mil assisenses saíram de casa nesse domingo, entraram em suas seções de votação, entregaram suas documentações aos mesários, dirigiram-se às urnas eletrônicas e simplesmente não votaram em ninguém. Lotariam, quantitativamente, o ginásio Jairão ou o setor de cobertas do estádio Tonicão.
Os votos válidos de Assis totalizaram 51.389 eleitores comparecendo às urnas eletrônicas na cidade de Assis. Na sintonia do que exponho aqui, em flagrante registro de descrédito da classe política local, 18.671 assisenses com direito a voto fizeram qualquer coisa no domingo, menor ir votar. Em mais um cenário imagético, se todas essas pessoas tivessem ido votar e depositassem (repito, de forma imagética) seus votos no candidato menos votado, Cavuto, do Novo, esse teria sido eleito prefeito, com 19.431 votos, ficando à frente de Telma, que teve 19.427, em uma diferença de apenas 4 votos nessa suposição imagética.
Defensor do estado democrático de direito em seus aspectos mais complexos ou mesmo contraditórios (e esse é assunto para outra postagem), vejo como positivo, nesse primeiro turno das eleições municipais, não só em Assis, mas em todo o país, a ausência de discursos de ódio que questionem as urnas eletrônicas. Nesse sentido, respeito sobremaneira quem foi escolhida primeira prefeita da história de minha cidade. E desejo-lhe um mandato bom, visto que minha família reside na cidade e será direta e indiretamente impactada pelos atos administrativos dessa gestão.
Precisamos voltar a respeitar o resultado das urnas, que representam a vontade de um povo. Estamos vindo, recente, de uma manobra de extrema e ultra direita no sentido de questionamento de resultados, no âmbito nacional mas com foco em regiões administrativas específicas e em municípios igualmente específicos. As eleições municipais desse primeiro turno comprovaram o que o planeta sabe, ou seja, que o processo eleitoral brasileiro é modelo em licicitude, clareza e celeridade de divulgação de resultados. Incoerente, pois, que quem vence uma eleição sob o mesmo sitema de votação depois venha, daqui a 2 anos, endossar qualquer negacionismo que conduza a questionamentos.
A lição, por fim, que fica a quem foi eleito e a quem não foi eleito, especificamente em Assis, é resgatar a confiança do eleitorado. Segundo dados consolidados do TSE, 31,9% das pessoas que foram votar na cidade nesse domingo não escolheram candidato, sejam eles prefeito/a ou vereadores/as. Esse número é alarmante quando especificado: 22.348 eleitores/as, de um total de 70.060 aptos/as a votar. Praticamente 1 a cada 3 eleitores não creditou confiança à classe política local.
Não compreender ou simplesmente não buscar compreender o que faz um/a eleitor/a desacreditar o suficiente para não ir votar para prefeito/a ou vereador/a remete a uma arrogância tal qual a que seu interlocutor entende que basta usar a máquina e, na condição de situação, garantir a eleição de uma sucessora. Não é e nem nunca foi, essa, uma realidade de relação entre vida cotidiana e resultado das urnas, seja na época dos votos no papel, seja na mediação de outra máquina, a do democrático voto eletrônico.
A polarização que cinde Assis, o Brasil e, enfim, o planeta traz de volta o pesadelo da manipulação em massa ccom base na desinformação. Eleitores e eleitoras, pois, as urnas comprovaram no domingo, veem pêlo em ovo e acreditam no não tangível. Eis a realidade a ser enfrentada, pois, se não bastasse isso, o eleitorado ainda incorpora a cultura de que pior não pode ficar. Utopia e distopia, de maneira a não ser possível, agora, mensurar qual cenário relatado aqui seja pior.
* Jornalista, historiador, mestre e doutor em Ciências da Comunicação, é professor no ensino superior público federal.