segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

A estranha sensação de insegurança total em Assis

Cláudio Messias*

Li, meses atrás, que convênio entre prefeitura e Polícia Militar permitiu, entre outros fatores, que policiais dedicassem mais tempo ao exercício da práxis relacionada à segurança pública. Vi e cá relatei, no Blog, parte do resultado prático dessa parceria. Refiro à presença de viaturas e policiais no interior do Parque Buracão, propiciando dois fatores de segurança: tranquilidade aos usuários do parque e, principalmente, que jovens em idade escolar não trocassem a sala de aula por aquele recinto.

São exatamente esses jovens que me preocupam. Não todos, claro. Estou mirando aqueles que preterem os estudos e priorizam o fútil. Sim, óbvio, o que é fútil para nós, educadores, é entendido como útil por aqueles que encontram-se sob a alça das nossas críticas. E, não obstante, vice-versa. Enfim, prefiro entender que a opção por qualquer atividade, na juventude, que não seja pela prioridade aos estudos deve ser compreendida como futilidade extrema.

Também já relatei aqui que meus dois filhos foram, digamos, abordados, em 2010, por um grupo de adolescentes nas proximidades da igreja Santa Cecília. Saíam da catequese quando foram rendidos pela turma, sob a mira de uma arma. Era 20 horas de uma noite fria de junho e cá chegou a prole só de calça, sem as blusas e as camisetas. Na descrição, os bandidos tinham pouco mais de 10 anos, ou seja, eram mais novos que as vítimas, porém andavam em bando e estavam armados. Como não somos usineiros, nem empresários, muito menos pertencemos a clubes de serviço, óbvio que as investigações da polícia civil em nada deram, ao contrário da elucidação relâmpago de crimes envolvendo figurões que vemos esporadicamente por aí.

Não saindo do foco, já em 2010 havia adolescentes barbarizando na cidade, com arma de fogo em punho. Sim, você, raro e exceto leitor, vai dizer que muito antes disso, de 2010 para baixo, essa realidade já existia. E eu digo que uma coisa é você ouvir dizer sobre determinada onda de crimes; outra, é fazer parte da estatística que fundamenta tal especulação. Em resumo, Assis está tão violenta quanto os chamados grandes centros. Aliás, ser grande centro sempre pareceu o sonho utópico da aristocracia dominante dessa Sucupira do Vale, sedenta por ter 100 mil habitantes e ignoradora das consequências sociais de um crescimento demográfico irresponsável.

Em 2013 conheci Paulo, um profissional liberal bem sucedido que trocou, na aposentadoria, a corrida rotina paulistana pelo que entendia como pacatez interiorana de Assis. Nem tem laços familiares com a cidade; apenas, amigos em comum, ainda assim vinculados à esposa. Cá chegou, adorou o clima, elogiou a limpeza da cidade, disse não entender muito a lógica do trânsito local, garante não abrir mão de poder tomar água direto da torneira, sem filtro, e anunciou uma paz interior resultante do simples fato de não sentir-se permanentemente ameaçado pela marginalidade.

Conheci Paulo no clube em que somos sócios em comum. Dois meses atrás, falando da vida, ele anunciou que precisava ir embora, retornar para casa, o lar, "antes que ficasse tarde". Era pouco mais de 21h00 e, estranhando a pressa, questionei em busca dos motivos. Não se tratava de pressa, dizia ele, mas, sim, de temor. E completou: "precaução é sempre bom".

Meu amigo relatou, em outra ocasião de reencontro na rotina do clube (sim, ele realmente estava com pressa, ou melhor, temor extremo, naquela ocasião), que numa noite não muito fria de julho foi surpreendido por um jovem, armado, dentro de casa. Havia acabado de chegar do clube, tem cerca elétrica e sistema de alarme na residência e só lhe resta acreditar que o marginal entrou no imóvel simultaneamente ao recolhimento do veículo na garagem.

Marido e esposa rendidos, portão é aberto e na casa adentra um grupo. Todos jovens e extremamente violentos. E lá se foram aparelhos eletrônicos, objetos de valor, enfim, nem preciso detalhar o óbvio. O veículo da família foi encontrado posteriormente, abandonado. E, ali, cessaram duas coisas: a sensação de segurança e a imagem de cidade interiorana pacata.

Na semana passada a residência de um conhecido professor universitário aposentado foi igualmente invadida em Assis. Grande amigo meu da época de Gazeta do Vale, ele amargurou, entre tantas circunstâncias lamentáveis, passar pelo pesadelo da invasão domiciliar estando em recuperação de grave problema de saúde. Soa cômico, nesse país da hipocrisia dominante, dizer que nem mesmo professor, um dos profissionais mais desvalorizados dessa nação, esteja escapando da ação dos criminosos.

Estamos na penúltima semana da Primavera, as temperaturas elevam-se gradativamente e, como é típico do clima do Médio Vale, a sensação térmica nas noites da Sucupira do Vale torna praticamente impossível ficar dentro de casa com os termômetros girando em torno de 30 graus. Fosse 30 anos atrás e veríamos famílias inteiras nas calçadas depois das 21h20, quando, ao contrário do que ocorre hoje, terminava a novela das 8. Sim, um dia as telenovelas que hoje começam às 21h10, na Globo, começavam pontualmente às 20h30 e terminavam às 21h20.

Não, isso não ocorre mais. As famílias não arriscam-se mais a jogar conversa fora, na calçada, à noite. Não que isso não ocorra e não haja exceções, pois perambulando pela cidade ainda se vê quem troca a TV por momentos de socialização à frente de suas casas. A frequência com que isso ocorre é que diminuiu. Sugiro que você, leitor, faça o teste. Observe quem frequenta o trânsito pedestre quando o sol baixa. Algo muito parecido com os filmes de zumbis, pois uma simples parada na calçada e aparece alguém pedindo principalmente dinheiro, obviamente para o consumo de drogas. Essa presença ameaçadora é que afugenta as famílias e esvazia as calçadas.

Não muitos meses atrás um jovem bateu em meu portão, em plenas 20 horas de um domingo, pedindo dinheiro. Estava bem vestido, tinha olhos que focavam o nada e dizia que precisava pagar, no dia seguinte, a conta de água. Dias depois o mesmo jovem bateu novamente, dessa vez pedindo doação por uma campanha de arrecadação de alimentos que, eu soube no dia seguinte, não existia. O mesmo jovem pedindo dinheiro e alimento para abastecer o vício químico, não tenho dúvidas.

Esse domínio obscuro das ruas, à noite, afugenta os frequentadores das calçadas. Conversar com os vizinhos significa ser constantemente interrompido e até mesmo ameaçado, pois nem sempre a negativa ao pedido é bem aceita. Resultado: casas com muros e grades cada vez mais altos e cercados por eletricidade, comunidades que só se conhecem pelo cumprimento esporádico em que haja coincidência entre um entrar ou sair das respectivas casas. Pode parecer absurdo, mas muitas pessoas sequer sabem o nome do vizinho da casa ao lado ou do mesmo quarteirão em Assis. Três décadas atrás você podia perguntar por uma determinada pessoa lá perto do Mercadão e alguém lhe diria que tal personalidade morava perto do Tênis Clube. Hoje...

Um dos grandes historiadores da contemporaneidade, Eric Hobsbawn, morto recentemente, conceituava a sociedade mundial pós-11 de Setembro de 2001, como vivenciadora da Era da Insegurança Total. Nosso perfil, hoje, é de desconfiança plena. Não pegamos cédula de dinheiro na carteira ou na bolsa se estivermos na calçada da Rui Barbosa, muito menos damos atenção a alguém se estivermos com a tela de nossas contas aberta em um caixa eletrônico. Pode passar um grupo de modelos femininos e masculinos, todos nus, por trás de usuários de caixa eletrônico e ninguém terá o pudor ofendido, com certeza, uma vez que nada ter-se-á visto. Somos obcecados, no cotidiano, pela segurança absoluta.

Enquanto há, vemos, jovens barbarizando em invasões de residências e furtos pela cidade, há gerações inteiras de crianças e adolescentes sendo criadas sob confinamento pleno. Poucas são as crias autorizadas a sair do portão para a calçada. E o temor de pais e gestores familiares é um só: a violência, materializada em forma tanto de ações ilícitas como assaltos e furtos, como, também, em assédio. Parâmetro interessante sobre isso a que refiro são os portões de entrada e saída das escolas, sejam elas públicas ou privadas. Arrisco dizer que 2/3 dos estudantes vão embora para casa ou acompanhado por pais/responsáveis ou mediante transporte. Nem mesmo voltar para casa, em plena luz do dia, é uma atividade segura.

A pauta de discussão é tão complexa que é preciso cuidado até mesmo na forma de criticar. Digo isso porque atribuição de culpa, nessa hora, significa sujeição ao risco de cometer injustiças. O Estado e suas representações são falhos, todos sabemos, porém refletir o caos a partir de uma suposta ausência estatal parece-me uma opção não muito adequada.

Há, é fato, prenúncio de um caos absoluto. Insatisfação parece ser a palavra de consenso geral, levando a comportamentos extremos.

*Professor universitário e historiador, é mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.

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